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Os tempos da ditadura. Por Tony Fonseca



Sou um velho. Essa constatação, de vez em quando teima em rir de mim quando faço minha barba em frente ao espelho ou tento, desajeitadamente, aparar os pêlos das narinas ou das orelhas, mais uma prova de minha senioridade



Ser idoso tem seus prós e contras como quase tudo na vida. O maior pró de ser velho, com certeza, não é ter lugar garantido na condução, pois isso ninguém lhe oferece. Nem é o tal “atendimento prioritário” em bancos e repartições, coisa que tampouco existe, apenas um caixa que atende todo o mundo, com desatenção, como se ele mesmo nunca fosse envelhecer. Não, nada disso. Ser idoso tem sim a maravilhosa dádiva de se ter vivido outros momentos se se pode lembrar deles. Sim, amigos; ser idoso e se lembrar do passado é o maior presente que podemos receber. E minha memória é, ainda, ótima.



Lembro-me muito bem dos anos sessenta. Lembro-me, principalmente da época que foi de 64 a 80, quando as coisas por aqui pareciam que iam tomar outros rumos, que nos transformariam numa outra Cuba ou coisa ainda pior, quando pouca gente deixaria de ter nas costas cicatrizes de chibatadas e ponta pés, nos olhos a vermelhidão das vigílias e o medo, o inexorável medo do amanhã saindo-escorrendo por todos os poros. Eu mesmo, no início dos meus vinte anos, tinha muito medo. Saltava de pára-quedas sem nenhum problema, enfrentava ondas enormes a temperaturas baixíssimas com minhas pranchas de surf como se fosse um passeio no campo, e voava meus aviões, escalava minhas montanhas, flertava com as namoradas de meus amigos, como se eu fosse um herói (ou um vilão!) invencível, que não temia quase nada. Quase.



Quase. Que advérbio mais estranho, certo? Pois, no meu caso, “quase” queria dizer a coisa mais importante que havia. O que um jovem de vinte e poucos anos, formado na arte de ensinar, poderia temer? A morte eu nunca temi. Nem uma perna quebrada, uma lesão na coluna, um tubarão, um encontro com o fundo de corais de alguma praia da Califórnia ou do Havaí e cicatrizes eternas? Nada disso! O que nós temíamos na época da ditadura militar (como ficou tão poeticamente conhecido aquele tempo) era alguma coisa inexplicável. Talvez até medo da disciplina. Medo do respeito. Alguns de nós fugiram. Durante anos, baseados no mal interpretado adágio do “Brasil, ame-o ou deixe-o”, alguns deixaram mesmo. Trocaram a cannabis sativa daqui pela de lá, os ouvidos daqui pelos de lá e, tempos depois, ao voltarem, viraram ídolos, milionários, ministros, ou, no mínimo, brasileiros com algumas linhas a mais em suas histórias para contar a seus netinhos.



Mas seus netinhos (e os meus mesmos!), meus amigos, vocês que deixaram o Brasil quando, abandonando a hipótese de lutar, foram cantar e fumar lá fora é que se deram mal. Eles é quem estão “pagando o pato” do que nós fizemos ou deixamos de fazer quando podíamos.



Hoje em dia, nem um golpe como aquele de 64 poderia ser dado. As Forças Armadas estão menos armadas que os bandidos, e nós sentimos ainda mais medo do que sentíamos então, menos segurança. Nossa polícia e nossos militares estão desarmados e, pior, desanimados para nos defender. Mas, defender de quê, de quem, se nosso pior, mais impiedoso inimigo está aqui mesmo, dentro de nós.



Sou um velho. E estou começando a sentir medo. Antigamente, na época “negra” da ditadura, era fácil reconhecer os inimigos, quer pelo cadenciado de sua marcha, os coturnos quebrando as calçadas e as paredes, as palavras de ordem, o tropel dos cavalos e coisas por trás do “poder da força”. Hoje não há mais isso. Há apenas o sussurrar covarde dos planos da corrupção, as meias mentiras da impunidade, o calar a boca dos inimigos com medidas unilaterais e tendenciosas que comprovam que não temos realmente, como prega a Constituição, o direito de expressão responsável, legítima. Isso eu não vi no espelho. Vejo nas ruas, nas notícias dos jornais, no dia a dia dos ônibus, na vida que segue.



A Ditadura de hoje é a mesma de sempre. Nunca deixou de ser má e vergonhosa.



A ditadura de hoje, magoa tanto quanto aquela de meio século atrás. Esta nos faz chorar como a outra fazia. Nos amesquinha, humilha, desrespeita e mata. Só trocamos de algozes, mas continuamos a ser gado. Da mesma maneira que nos anos sessenta, nós continuamos a ser massa de manobra, vacas de presépio, sustentando, alimentando nossas sanguessugas, nossos vampiros de colarinhos brancos e sem vergonha nenhuma nas suas caras de pau. Nossa “dita dura” de hoje, amigos, é igualzinha a outra, a de 64. Só que a outra tinha mais “glamour”.



Tony Fonseca é professor, jornalista e escritor, autor da trilogia infanto-juvenil “O Sonho de Chuvisquinho”, além de colaborador cronista do Blog Cartão Vermelho.

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