Por Beth Michel
Um hábito que me acompanha desde sempre - sendo quase uma compulsão - é um que decidi denominar de “exercício de lógica”, porque a partir de um fato vou desencavando outros na memória, que se relacionem com o primeiro, assim e vou tecendo uma cadeia de fatos que se interligam até formar um quadro claro e panorâmico de uma situação. Tenho alguns amigos que preferem chamar a isto por outros nomes: de “fábula”, ou “historinha” e até “analise comparativa”. Seja como for, o que importa é o resultado final, estejam pois à vontade para mudar o rótulo.
Neste caso, o fato “mãe” foi uma declaração que me foi dada pelo Dr. Murillo Bustamante (MPE) em setembro de 2009 de que existe um risco para o patrimônio histórico/cultural de Cabo Frio em sua totalidade, e que portanto, deveríamos nos preocupar menos com casos pontuais e mais com o conjunto. Então me remeti ao “como” chegamos a este estado de coisas.
Em primeiro lugar nos faltam os mecanismos, “vacinas” para prevenir o desastre que acomete nosso Patrimônio - e falo também do imaterial (tradições), que só conseguiu tomar a primeira dose desta vacina, com a Lei Municipal, que criou o Conselho de Patrimônio e o Instituto de Patrimônio e Cultura, que são os dois órgãos que estão aptos para decidir se qualquer imóvel com mais de 50 - isso mesmo cinquenta anos; pode sofrer reformas ou ser demolido. Importante é ressalvar que a manutenção destas duas entidades não são prerrogativa, e sim dever do executivo.
O exercício abaixo advêm de um conhecimento parcial (meu) dos fatos, pois com certeza existem muitos outros patrimônios já perdidos, outros em vias de serem destruídos (como a Casa do Wolney na rua Érico Coelho), e outros ainda “aguardando na fila” para entrar no abatedouro da especulação imobiliária. Aqueles que se interessarem pelo tema podem procurar a pesquisadora Meri Damaceno, que possui uma vasta lista de todos estes bens ameaçados e daqueles que já passaram desta para pior.
A “coisa” neste meu exercício se dá mais ou menos assim:
Construtoras, Imobiliárias e investidores públicos ou privados ficam de “olho” em possiveis “vítimas”, sabendo de antemão que o ponto vai se valorizar em futuro próximo.Uma vez cercada a área de caça procura-se a vítima mais debilitada – imóveis em inventário, ou com proprietários ausentes, ou ainda com dívidas (se for com impostos melhor ainda), começa então a fase da “solapa moral “ – fiscalização, multas, exigências de cumprir este ou aquele regulamento, lei, norma, cobranças extra judiciais, convites e intimações. Até o golpe de misericórdia : compra ou desapropriação – a essa altura o proprietário do imóvel aceita qualquer coisa para se ver livre do tormento.
No caso de bens considerados tradicionais ou históricos, às vezes a negociata vem a público, e preservacionistas e entidades e/ou agentes culturais e intelectuais se mobilizam, e os caçadores se vêem na desconfortável posição de ter sua condição de predadores revelada – o que não é bom para os negócios. Então choram pitangas, mas acabam negociando um acordo geralmente injusto para a comunidade. No caso da Casa das Águias–Banerj-Itaú, na mesma rua Érico Coelho - por exemplo - só conseguimos manter a fachada do imóvel, isto lá pelos idos de 80/90, já no caso do Mac Donald’s, foram mais espertos, abateram a presa (uma linda casa cercada por jardins de sonho) na calada da noite, e não sobrou nem árvore, nem moita, nem flor para contar a história.
Notaram que os beneficiados nestes dois casos foram o que podemos chamar de “pesos pesados” das finanças!? Um Banco do Estado - de triste e nebulosa memória; e uma franquia internacional de fast-food, que não contente em cobrar os “olhos-da-cara” por seus produtos, ainda promove a arterio-esclerose precoce de nossas crianças e adolescentes.
Negociata vai, negociata vem...E a “sociedade-civíl-organizada” consegue emplacar uma Lei/vacina como mencionei lá no começo. Um pequeno recuo dos caçadores para que os caçados relaxem - dizem os especialistas que a carne fica mais macia quando a caça não percebe a ameaça (!?). Abre-se então nova temporada: presas relaxadas e engordando, pelo lustroso, saudáveis, rifles reabastecidos com munição de última geração e com “silencioso”, todos aos seus postos, então lá vamos nós... Mas esperem, não é que os guardiões estão alertas e prontos para dar uma segunda dose de vacina!? Então para tudo! Recolham o estoque de vacinas, esse alguém reclamar digam que : "...passou o prazo de validade", ou que " vamos lançar uma vacina mais eficiente" ...Bem, digam qualquer coisa, mas recolham todas a vacinas, se não nossa temporada de caça “já era” e olhem que os depósitos (cofres) estão “à zero”!
Conclusão : desativado o Conselho de Patrimônio e o IMUPAC - salvo erro foi em 1996/7, e daí para frente foi deitar e rolar, com caça farta, bem nutrida e desamparada, para todos aqueles com munição e meios de bancar um suntuoso safári. Chegamos ao século 21 e novos guardiões de outras plagas reforçam as antigas hostes locais já cansadas e curadas de espanto, começa o movimento pela campanha de vacinação em massa, os caçadores aparecem e com grande displicência apresentam um placebo - Conselho de Cultura; que é eficaz, mas para outros tipos de ameaça e além do mais estava infiltrado por substancias exógenas.Trocam-se ofícios e nada...Realizam-se passeatas e nada...Chegamos a 2005 com o dia da Mentira Cultural, reunião com o Prefeito e nada...Em 2007 ficamos sabendo que existe uma nova vítima já moribunda, partimos para a quimioterapia pedindo auxilio ao IPHAN, com resultados pouco auspiciosos e terminamos com a Casa do Wolney na UTI do Ministério Público onde o paciente está em coma induzido e respirando por aparelhos, com alimentação intravenosa e necessitando de urgente transfusão de sangue.
Enquanto isto, surgem novas vítimas em potencial, começamos imediatamente com a quimioterapia fornecida exclusivamente pelo posto local do IPHAN - vacina nem pensar - e nisto estamos quando surge a bomba (casualmente no mesmo dia e hora em que fazíamos a entrevista com o Dr. Murilo Bustamante): O Superintendente Regional do IPHAN em coletiva à imprensa comunica que a entidade fechará as portas
Gostaria de terminar meu “exercício de lógica” com uma solução ou, se assim preferirem, terminar minha “fábula” com uma moral digna de um Esopo, mas não posso agora, e nem sei se ainda poderei fazê-lo no futuro. Mas lhes deixo uma incógnita ainda por desvendar: - Quem ( ou o que ) é este agente nefasto e destrutivo que infecta a nossa memória histórico cultural? E porque?
(*) Esta matéria foi publicada no tabloide Opinião em outubro de 2009.De lá para cá o que aconteceu foi um Salve-se quem puder! E que corrobora minhas previsões de então.
Entre outros: desapropriação de uma terreno em frente á rodoviária que havia sisdo vendido a um investidor que não faz parte da patota, a Casa Wolney está cada vez pior e sem solução; um mega loteamento no Portinho ; assinatura às pressas do "convenio com o Clube Med, no Guriri; duas Marinas no Portinho sem saída direta para o canal(?) em sem calado para navegação nas proximidades; um estacionamento público construido em terreno privado na Gamboa; uma garagem de Jet Skys também na Gamboa autorizada, quando outra de uma pessoa que não é do grupo teve licença negada por motivos ambientais; aumento de gabarito no Braga para 10 andares; aumento de gabarito na Ogiva para 7 andares; aprovação (antes negada) da licença de construção da Marina da Ogiva com edificios que abrigariam 12.000 pessoas, sendo que o anal da Ogiva não tem calado suficiente para navegação; anuncio de´desapropriação de terreno para Construção de um Estádio de Futebol com capacidade para 60.000 pessoas (?) nas cercanias do Aeroporto; e licença para contrução de uma empreendimento particular em área pública na Praça das Águas e em frente ao Teatro Municipal... E isto só em se falando do que vem à público, mas com certeza existem outros. E ninguém - eu disse ninguém; está a salvo de ter seu imóvel saqueado, de uma hora para outra.
E agora, em cima das eleições, reativam os Conselhos de uma maneira atabalhoada, sem a participação da comunidade, só para ter respaldo "legal" em suas aventuras imobiliárias.
REAGE CABO FRIO!
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