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Reflexos da Serra por Pedro Nascimento Araújo.


Política habitacional: crime dos políticos, castigo do povo.

Capítulo 2 de 5.


No artigo anterior, apresentei a proposta de responsabilizar criminalmente as autoridades – prefeitos, secretários, vereadores, juízes, promotores e defensores –quando houver mortes em locais cuja ocupação é proibida. Agora, vamos entender as razões subjacentes que levaram à explosão de favelas nos últimos 40 anos e fazer mais uma conta: quantas casas populares poderiam ser construídas com o dinheiro que o governo quer investir no trem-bala, obra comercial que poderia ser perfeitamente bancada por investidores privados?


Passada a destruição, nossa Petrópolis e nossas vizinhas Teresópolis, Areal, São José do Vale do Rio Preto, Bom Jardim, Sumidouro e Nova Friburgo, irmãs na dor, mas também na solidariedade dos povos, flor do pântano da morte que enche nossos corações de orgulho e esperança diante de tanto sofrimento, receberão vultosos recursos dos governos estadual e federal, já anunciados, para reconstrução. Em breve, estaremos diante de algo que os que pereceram jamais terão: uma segunda chance. O que faremos? Honraremos nossos mortos e começaremos a resolver de vez nossas mazelas habitacionais? Ou simplesmente deixaremos que este dinheiro desapareça nas mãos dos corruptos de plantão enquanto aguardamos a próxima tragédia? Essa decisão é nossa: de fato, o que acontecerá com nossas cidades dependerá diretamente da atuação que nós, o povo, tivermos na fiscalização do uso deste dinheiro – que, é bom lembrar, vem manchado com o sangue dos que morreram. Como chegamos ao estado de favelização das encostas de nossas cidades, que oferecem riscos enormes para quem nelas mora, degrada o tecido urbano de todo o município e afeta o meio-ambiente através de desmatamentos e contaminação de águas? Vivemos uma situação que não é boa para ninguém. Ou melhor, para quase ninguém. Porque há quem lucre com isso.


Aqui em Petrópolis há favelas por todos os lados. Estima-se que metade – isso mesmo, metade – das moradias possam ser caracterizadas como “habitações populares que utilizam materiais improvisados em sua construção tosca” de acordo com a definição do Dicionário Houaiss. Em Nova Friburgo, o número chega a 80%. Como isso aconteceu? Como criamos cidades nas quais apenas 1 em cada 5 moradias é legalizada?


Os historiadores consideram como o início das favelas o retorno de soldados do Império que atuaram na campanha em Canudos ao Rio de Janeiro, então capital federal. Estes soldados, ao invés de receber verbas para comprar moradias, receberam uma permissão tácita do então Ministério da Guerra para construir casas em um morro próximo à sua sede, chamado Morro da Providência. Os soldados apelidaram o local de Morro da Favella, em alusão a uma colina próxima ao acampamento no Nordeste cheia de um arbusto chamado favella. E foi assim, há mais de um século, que uma omissão deu origem ao que hoje conhecemos como favela. É assim que nossas autoridades tratam nossos heróis, sejam soldados, sejam trabalhadores: negando-lhes moradia decente e fingindo não ver as ocupações irregulares. Tal disparate atingiu o paroxismo nos últimos 40 anos, a ponto de, na década de 1980, um homem público com a importância política, o calibre intelectual e a generosidade humana que Darcy Ribeiro teve, ser capaz de declarar abertamente que “favela não é problema, é solução”.


Tal política, hoje entendida como equivocada até por alguns que a defenderam no passado, nos legou cidades nas quais as favelas, que deveriam ser o sintoma mais visível de um sistema habitacional falido, constituem a regra – não a exceção. Exatamente como foi feito no Morro da Favella, foi feito na Região Serrana. Crescimento desordenado e vista grossa para a favelização. Ao invés de preparar as cidades para o aumento populacional, preferiram esperar que as pessoas necessitadas ocupassem irregularmente os morros para, depois, posar de generosas levando água, asfalto, creches e linhas de ônibus para locais que continuavam perigosos, por mais maquiados que fossem.


E, assim, sucessivos governos foram se eximindo de suas responsabilidades. Preferiram deixar pessoas vivendo como Dâmocles, com a espada da morte pendendo sobre suas cabeças, a fazer a coisa certa: identificar as pessoas que vivem em áreas ilegais, dar-lhes condição de adquirir ou construir de um novo lar digno que não as mate durante o sono, ainda que isso cause algum desgaste político perante opositores oportunistas. Sim, porque há aqueles que demonizarão quem se preocupa com o bem-estar de seu povo. Todavia, quando uma autoridade age mirando no resultado das próximas eleições, ela incorre em populismo. E foi assim, à custa de populismo deslavado, que nossas cidades viraram favelas com bairros incrustados, e não o contrário, como se espera de cidades com muito dinheiro, em um estado rico e um país mais rico ainda. Dinheiro, há. Eis a prova irrefutável: em uma conta extremamente generosa, arredondei para baixo o valor do projeto do TAV, vulgo trem-bala, ligando Rio de Janeiro a Campinas (40 bilhões, embora deva custar mais que o dobro disso) e para cima o valor de construção de uma casa popular (40 mil, embora custe menos da metade). Resultado? Com um trem que ligará duas cidades servidas por ponte aérea, o governo poderia construir 1 000 000 (sim, um milhão) de casas populares caras. Na Região Serrana não há necessidade de tantos – na verdade, estima-se que o déficit habitacional nacional oscile entre 5 e 10 milhoes de moradias – pois, com efeito, se tivéssemos menos de um quarto disso, não teríamos mais pessoas morando em favelas. Nada contra o TAV: pode ser um bom negócio para as empresas privadas que pagarem pela construção do trem e venderem passagens. Só é um péssimo negócio quando o dinheiro que poderia construir 1 milhão de casas vai para ele.


Se nós, o povo, não exigirmos das autoridades responsabilidade no uso do dinheiro público, nada mudará. É alentador saber que há dinheiro, como provei acima. E tão alentador quanto é saber que já há planos para isso, em escopo mundial. Estou falando do “Cidades Sem Favelas” (Cities Without Slums), um programa mundial da UN-Habitat, braço da Organização das Nações Unidas para questões habitacionais. No próximo artigo, apresentarei este programa. Vamos entender o porquê de o mundo estar trabalhando para não ter mais favelas. E vamos questionar o porquê de estarmos, mais uma vez, na contramão.


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