Por Dr. Marcelo Paiva Paes
Caro Chicão, você me pediu um texto sobre direita e esquerda, vou tranversalizá-lo neste momento para falar do dia de hoje aqui na câmara dos deputados.
Sinto dois graves problemas conceituais na nossa organização social. O primeiro por vivermos uma era em que as pessoas estão preocupadas com o que a sociedade vai achar delas, e não com as suas ações em si. Num tempo assim, se fazemos parte de uma agremiação específica, por exemplo grupos de homossexuais ou grupos de católicos, a sociedade que nos cerca, ou melhor, a sociedade que queremos agradar, está limitada ao espaço dos nossos pares, os homossexuais no primeiro caso, e os católicos no segundo.
Mas quando falamos de representatividade política, ainda que defendamos causas que representem a coletividade que nos elegeu, o espetáculo que fazemos para defender esta causa resulta negativamente na proposta. Tanto a causa dos homossexuais clamando por uma igualdade de direitos, quanto a dos que defendem os valores da família tradicional estão prejudicadas pelo exagero e pela desproporcionalidade da relevância sobre o tema. Tal espetáculo está transformando uma questão de direito numa rivalidade atroz, e quem vai perder é a sociedade. Afinal, quando passar o espetáculo, restarão o rancor e a mágoa em cada um dos que se digladiaram pelos seus valores. E por anos e anos teremos demonstrações deste rancor das mais variadas formas.
Porém, mesmo que o grande responsável por esta situação seja o indivíduo, afinal é ele quem entra, por vaidade, na caverna de Platão, ainda que tenha racionalidade suficiente para compreendê-la e dela afastar-se, e que se diga, racionalidade esta responsável pela retórica que estes indivíduos constroem em torno do assunto, mas, como dizia, ainda que o indivíduo seja o grande responsável por isso, o esforço da mídia para seduzir é impressionante.
O segundo problema conceitual que vejo, é o controle do estado pela classe dominante. Claro que este problema é mais antigo do que a própria humanidade, está presente nos outros animais que vivem em grupos, e está presente, evidentemente, no animal homem desde que o primeiro Australopithecus afarensis desceu da árvore e dominou o seu bando.
O problema é que o animal homem foi dotado de razão, e espera-se, ou esperava-se, que este elemento absolutamente superior, fosse capaz de prover dignidade aos seres humanos, afinal da razão extraímos, ou deveríamos extrair, a certeza de que todos somos iguais.
Mas não é assim. E por não ser assim é que Marx está atual. Ocorre que numa sociedade com poderes espargidos como a nossa, onde temos um poder para executar políticas, um poder para fazer leis, e um poder para aplicar o direito, os sedentos de lucro se apoderaram destes poderes, ora sendo eles mesmos os titulares do poder, como muitos deputados e ministros, ora simplesmente comprando os seus titulares com dinheiro líquido ou patrimonial, como vimos na liminar que soltou o banqueiro Daniel Dantas, por exemplo, ou como vemos no que se transformou o governo do PT no Brasil.
A votação do Código Florestal é a união dos dois problemas conceituais, os ruralistas estão criando um espetáculo em torno da agricultura familiar para conseguir aprovar o desmatamento e o não reflorestamento. O poder legislativo, por seu lado, colocou um deputado de um partido dito comunista para fazer o discurso dos ruralistas. Com isso eles estão tentando quebrar o viés feudal da proposta, e fazer parecer que o código está aliado a um pensamento de esquerda. Não temos a conta bancária do deputado que recebeu o dinheiro para que ele fizesse este constrangedor papel, e certamente jamais a teremos, mas é claro que o deputado está sendo recompensado pelo seu aviltamento, por sua prostituição.
A direita agora faz um discurso emblemático no congresso, e deixa claro que o Brasil não tem oposição quando se trata das grandes questões nacionais. Todos os partidos, à exceção do PSOL e do PV, tem deputados interessados em aprovar este código ruralista, seja porque receberão recompensas dos mesmos, seja porque são proprietários de terras. O PDT tem ruralista, o PPS, o PT, o PSDB, o PMDB, o DEM, o PR, todos eles estão comprometidos com os seus interesses nesta matéria. A única oposição ideológica está enfraquecida, porque, como disse acima, não há uma oposição no Brasil.
Quem vê o deputado ACM Neto atacar o governo por questões menores, pensa que temos uma oposição, mas quem o vê pressionar este mesmo governo através destas questões menores apenas para colocar em pauta o Código Florestal, percebe que a classe dominante tem uma grande capacidade de usar a retórica e de usar o dinheiro para cristalizar-se no poder econômico. Não interessa se estão ou não presidindo o país, interessa é que sejam titulares de cargos políticos para dali poderem discursar, pressionar, ou comprar outros deputados, chefes do executivo e chefes do judiciário.
As chances de que o bem prevaleça, e neste caso o bem é a rejeição do Código, são mínimas, a menos que, por mais paradoxal que possa parecer, a mídia faça desta sessão da Câmara um espetáculo, e os deputados tenham medo de ver no futuro os seus nomes associados a tragédias climáticas que matarão centenas de pessoas.
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