Por Pedro Nascimento Araujo
O assassinato da juíza Patrícia Acioli foi mais que um crime bárbaro, como se um assassinato já não fosse uma notícia suficiente ruim. A morte da juíza foi também um duro golpe na esperança dos cidadãos de boa índole. Patrícia Acioli ocupava o cargo de Juíza da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, região tristemente conhecida por uma combinação potencialmente explosiva de populismo e inoperância da justiça, conforme veremos a seguir.
Evidentemente, a cidade de quase 1 milhão de habitantes sofre com esses 2 fatores há muito. Porém, desde a virada da década de 1990 para 2000 as doenças gêmeas – populismo e inoperância da justiça – atingiram seu paroxismo. Comecemos pelo populismo, que tem nomes e o mesmo sobrenome: Anthony e Rosângela Mateus, mais conhecidos como Casal Garotinho. Nos 2 governos do Casal Garotinho, as máfias de exploração de combustíveis, transporte alternativo e outros viviam em uma trégua tácita com o Estado. Grupos milicianos lotearam a cidade e passaram a lucrar com atividades ilegais. Assim, por um lado, policiais, bombeiros, políticos, líderes sociais e religiosos, trabalhando em conjunto e à margem da lei, providenciaram para o Casal Garotinho os votos que tanto necessitavam. E, por outro lado, criaram uma intricada rede mafiosa que literalmente ganhou vida própria. A combatê-la, estava a juíza Patrícia Acioli.
Patrícia Acioli prendeu muitos desses mafiosos que, por uma daquelas idiossincrasias do Rio de Janeiro, são conhecidos como milicianos. Muitos policiais foram presos. Alguns nós da rede foram desfeitos pela guerra aberta que os mafiosos travaram pelo controle dos negócios mais rentáveis – talvez o melhor exemplo seja o assassinato de Mota da Copasa, chefe de um dos grupos que exploravam o transporte ilegal na região e bastante ligado ao Casal Garotinho. Outros nós, pela atuação de Patrícia Acioli. Mesmo com sua atuação corajosa, a própria juíza sabia que mal havíamos começado a tirar a primeira camada desta cebola nefasta. Mas algo estava sendo feito, ainda que solitariamente – e agora nem esse pouco temos mais.
O que nos leva ao segundo ponto, a inoperância da justiça. E aqui também há nome e sobrenome bem conhecidos: Luiz Szveiter, o janeleiro (embora nunca tenha aprovado em concurso público para juiz, conseguiu sê-lo por graça de outra idiossincrasia nacional, o Quinto Constitucional) que atualmente preside o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro. À época em que presidia o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o janeleiro, que mantinha uma relação bastante próxima com o Casal Garotinho, não renovou a escolta policial da juíza Patrícia Acioli apesar dos protestos da mesma, segundo a própria família da juíza. Szveiter deu declarações rechaçando tal versão. Ainda que esteja certo, porém, Szveiter apeanas deixaria de ser acusado de irresponsável ou coisa pior para ser apenas [sic] agente da tal inoperância da justiça. Senão, vejamos: como presidente do Tribunal de Justiça, era dever do janeleiro saber que seus subordinados que prestaram concurso público e que, como Patrícia Acioli, ao combater máfias, poderiam estar com suas cabeças a prêmio, precisavam da proteção do órgão que comandava. Não o fez. Evidentemente, não há como saber se Patrícia Acioli teria escapado com vida do atentado se Szveiter lhe houvesse provido a escolta, mas há como afirmar que a tarefa dos assassinos teria sido, no mínimo, menos fácil.
Populismo e inoperância da justiça são extremamente daninhos para qualquer sociedade. O Casal Garotinho e Luiz Szveiter, com seus atos e/ou omissões, prestaram um enorme desserviço à esperança do povo honesto do Estado do Rio de Janeiro e ainda pavimentaram o caminho para que mafiosos operassem sua vendeta vil contra a juíza Patrícia Acioli. Não há como ser pior.
Pedro Nascimento Araújo é economista.
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