Por Pedro Nascimento Araujo
Carlos Lupi não é mais ministro do trabalho. O histriônico pedetista cedeu à pressão das denúncias e, muito a contragosto, decidiu entregar o cargo. O Brasil acompanhou o rol de mentiras e grosserias do agora ex-ministro por algumas semanas e ficou perplexo com os desmandos dele e seus comandados na pasta. Filme repetido.
O trágico nessa história é a certeza de que o filme a que vimos, posto ser uma colagem mal-ajambrada de tristes clichês, não nos foi exibido pela derradeira vez. Em que pese a presidente Dilma Roussef ter herdado de seu antecessor o esquema de corrupção do qual Lupi é acusado, o fato é que, desta vez, ela demorou a agir. Por mera veleidade de não parecer refém da imprensa - que divugou os fatos e foi acusada de tudo, menos de faltar com a verdade, mesmo porque cada desmentido do ministro era seguido por novas provas que ratificavam as acusações - a presidente flertou com a impunidade. Só que Dilma não pode se dar tal indulgência se quiser manter uma imagem de intolerante para com a corrupção. Passar a mão na cabeça de aliados corruptos seria o fim da aura de respeitabilidade que, ao longo de um ano, a presidente criou para si.
Lupi se vai, assim como se foram outros 6 ministros, mas as condições que permitiram seu reinado de anos continuam as mesmas. Embora desde 2007, ainda na gestão Lula da Silva, Lupi tenha sido titular da pasta do trabalho, ele surgiu para o grande público muito antes, em um episódio que fala muito sobre a moral dele e de seus parceiro, especificamente Saturnino Braga, ex-senador pelo Estado do Janeiro. Há quase 10 anos, Lupi exigiu publicamente o cumprimento de um acordo de gaveta firmado entre ele e Saturnino Braga, então a senador, de quem era suplente. Tal acordo, cuja existência foi confimada por Braga e Lupi, estipulava que ambos dividiriam o mandato de 8 anos que o povo legou a Braga e que Lupi viabilizou através da máquina partidária do PDT. Apesar do barulho, Lupi não conseguiu que Braga se afastasse, exatamente como agora: ele grita, esperneia, ameaça, faz grosserias - e perde no final.
Se Lupi chegou ao fim como ministro, o mesmo não pode ser dito a respeito da máquina de arrecadação de fundos ilegais que ele comandou e que o antecedeu - e certamente o sucederá. Tal máquina só existe devido a um defeito sistêmico da administração pública brasileira que, enquanto não for sanado, fará com que o fato de Lupis ascenderem e caírem, na prática, não mude nada. Assim, ao trocar ministros sem mexer na estrutura que gera condições para a prática de corrupção, o Brasil aproxima-se cada vez mais de uma convivência cínica com a corrupção, lembrando a célebre tática descrita por Tancredo, personagem do romance "O Leopardo" (Il Gattopardo, no original em italiano), de Giuseppe Tomasi di Lampedusa: mudar tudo para que nada mude.
O nó górdio é dado pelo tamanho da interferência que o governo de plantão tem sobre a máquina pública. Governos são instituições políticas que atendem aos objetivos políticos de seus ocupantes, eleitos pela vontade popular exatamente para desenvolver suas agendas políticas. Administrações públicas, por sua vez, são instituições que existem para atender ao povo, provendo serviços de governo necessários para o desenvolvimento do Brasil. Quando um governo tem sobre a administração pública um poder tal que lhe permite interferir até na nomeação de cargos estritamente operacionais como motoristas, como ocorre no Brasil, é uma inversão: o que era para servir ao povo passa a servir ao governo, que passa a ter como objetivo a utilização da máquina para ganhos eleitorais, ao invés de utilizar a administração pública para implementar sua agenda política.
No Brasil, o paroxismo da apropriação da máquina pública foi atingido com os chamados acordos de ocupação de ministérios com "porteira fechada" - leia-se o direito de nomear todos os cargos possíveis dentro do ministério, desprezando os funcionários públicos concursados, escolhidos para desempenhar suas funções segundo critérios de meritocracia, não segundo critérios partidários. Enquanto não se blindar a administração pública através de lei, permitindo que apenas os comandantes políticos sejam nomeados pelo governo exatamente para que implantem a agenda política que o povo escolheu, somente haverá mudanças de leopardos quando Lupis forem trocados: muda-se o comandante para manter-se o comando.
Pedro Nascimento Araujo é economista.
O trágico nessa história é a certeza de que o filme a que vimos, posto ser uma colagem mal-ajambrada de tristes clichês, não nos foi exibido pela derradeira vez. Em que pese a presidente Dilma Roussef ter herdado de seu antecessor o esquema de corrupção do qual Lupi é acusado, o fato é que, desta vez, ela demorou a agir. Por mera veleidade de não parecer refém da imprensa - que divugou os fatos e foi acusada de tudo, menos de faltar com a verdade, mesmo porque cada desmentido do ministro era seguido por novas provas que ratificavam as acusações - a presidente flertou com a impunidade. Só que Dilma não pode se dar tal indulgência se quiser manter uma imagem de intolerante para com a corrupção. Passar a mão na cabeça de aliados corruptos seria o fim da aura de respeitabilidade que, ao longo de um ano, a presidente criou para si.
Lupi se vai, assim como se foram outros 6 ministros, mas as condições que permitiram seu reinado de anos continuam as mesmas. Embora desde 2007, ainda na gestão Lula da Silva, Lupi tenha sido titular da pasta do trabalho, ele surgiu para o grande público muito antes, em um episódio que fala muito sobre a moral dele e de seus parceiro, especificamente Saturnino Braga, ex-senador pelo Estado do Janeiro. Há quase 10 anos, Lupi exigiu publicamente o cumprimento de um acordo de gaveta firmado entre ele e Saturnino Braga, então a senador, de quem era suplente. Tal acordo, cuja existência foi confimada por Braga e Lupi, estipulava que ambos dividiriam o mandato de 8 anos que o povo legou a Braga e que Lupi viabilizou através da máquina partidária do PDT. Apesar do barulho, Lupi não conseguiu que Braga se afastasse, exatamente como agora: ele grita, esperneia, ameaça, faz grosserias - e perde no final.
Se Lupi chegou ao fim como ministro, o mesmo não pode ser dito a respeito da máquina de arrecadação de fundos ilegais que ele comandou e que o antecedeu - e certamente o sucederá. Tal máquina só existe devido a um defeito sistêmico da administração pública brasileira que, enquanto não for sanado, fará com que o fato de Lupis ascenderem e caírem, na prática, não mude nada. Assim, ao trocar ministros sem mexer na estrutura que gera condições para a prática de corrupção, o Brasil aproxima-se cada vez mais de uma convivência cínica com a corrupção, lembrando a célebre tática descrita por Tancredo, personagem do romance "O Leopardo" (Il Gattopardo, no original em italiano), de Giuseppe Tomasi di Lampedusa: mudar tudo para que nada mude.
O nó górdio é dado pelo tamanho da interferência que o governo de plantão tem sobre a máquina pública. Governos são instituições políticas que atendem aos objetivos políticos de seus ocupantes, eleitos pela vontade popular exatamente para desenvolver suas agendas políticas. Administrações públicas, por sua vez, são instituições que existem para atender ao povo, provendo serviços de governo necessários para o desenvolvimento do Brasil. Quando um governo tem sobre a administração pública um poder tal que lhe permite interferir até na nomeação de cargos estritamente operacionais como motoristas, como ocorre no Brasil, é uma inversão: o que era para servir ao povo passa a servir ao governo, que passa a ter como objetivo a utilização da máquina para ganhos eleitorais, ao invés de utilizar a administração pública para implementar sua agenda política.
No Brasil, o paroxismo da apropriação da máquina pública foi atingido com os chamados acordos de ocupação de ministérios com "porteira fechada" - leia-se o direito de nomear todos os cargos possíveis dentro do ministério, desprezando os funcionários públicos concursados, escolhidos para desempenhar suas funções segundo critérios de meritocracia, não segundo critérios partidários. Enquanto não se blindar a administração pública através de lei, permitindo que apenas os comandantes políticos sejam nomeados pelo governo exatamente para que implantem a agenda política que o povo escolheu, somente haverá mudanças de leopardos quando Lupis forem trocados: muda-se o comandante para manter-se o comando.
Pedro Nascimento Araujo é economista.
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