Por Pedro Nascimento Araujo
Algo quase inédito acontece na Rússia. O país tem um histórico de brutalidades políticas. Na Rússia, czares absolutistas brutais foram substituídos por bolcheviques brutais e, após um interregno democrático, estava caminhando para um regime de partido único no melhor estilo do PRI mexicano - a infame "ditadura perfeita", com Vladmir Putin, ex-agente da temida KGB, há 12 anos comandando o país, primeiro como presidente e atualmente como primeiro-ministro do presidente Medvedev, homem de confiança dele, está pronto para disputar em 2012 a presidência por mais 6 anos.
O povo da Rússia, tal e qual o sapo do provérbio, foi lentamente sendo entorpecido pelo aumento gradual e constante da repressão às liberdades e às oposições impostos por Putin através de seu partido Rússia Unida. Agora, o povo parece ter percebido que, se a água esquentar um pouco mais, será irreversivelmente cozido na panela de Putin. O despertar so povo russo, que de tão recente e incerto nem apelido tem, chocou o mundo. Nas ruas de Moscou e São Petersburgo, pessoas desafiam o frio russo para protestar contra as fraudes que o Rússia Unida promoveu nas últimas eleições parlamentares do país.
Putin tenta entrar em um seleto clube de tiranos russos, uma escola de líderes brutais, que inclui de Ivan, o Terrível, a Stálin. Putin vinha fazendo seu dever de casa, perseguindo a imprensa livre e utilizando-se de métodos da KGB para calar opositores - em muitos casos, para sempre - e dominar a cena política do país. O povo russo estava capitulando em silêncio, como gado resignado rumo ao matadouro. Na verdade, não somente o povo russo, mas os países sobre os quais a Rússia, tanto na época dos czares quanto na dos bolcheviques, teve domínio militar. Entre outros exemplos, Putin interferiu diretamente sobre a Ucrânia, quando tentou matar Yushchenko ou nas ações para tentar criar na separatista Ossétia do Sul um satélite russo.
Mas é no cenário doméstico que Putin mais age para acabar com a incipiente democracia russa. Controlando o parlamento do país através de trocas de favores e repress ão a vozes dissonantes com prisões arbitrárias, ele reinava como um czar informal, um caricato Putin I da Rússia, extemporâneo e ameaçador. Putin tira grande parte de seu poder da intimidação que consegue com o uso desmedido desse mesmo poder. Agora, quando até mesmo a imprensa do país, que vive sob uma censura não escrita, é obrigada a cobrir os protestos devido à dimensão que tomaram, Putin enfrenta um desafio enorme: ditadores não oficiais simplesmente não podem agir como ditadores oficiais. Para o povo, ficou claro: Putin pode ser desafiado porque ele, assim como um ditador oficial, mobiliza tropas, helicópteros etc. para impedir os protestos, mas, ao contrário de um ditador oficial como Bashar al-Assad da Síria, Putin simplesmente não pode ordenar massacres ao povo.
Há, evidentemente, grupos heterogêneos na coalizão informal contra os desmandos de Putin, que podem se desentender de forma violenta. A prova de fogo será na véspera do Natal dos cristãos ocidentais (para os ortodoxos russos, o Natal cai dia 7 de janeiro, que equivale a 25 de dezembro no antigo calendário juliano), quando deve haver grandes protestos em todo o país e a vontade do povo russo em desafiar Putin poderá ser vista. Com os protestos ganhando força no gigantesco país, Putin I pode ter de recuar. Se isso gerará mais liberdade para o povo russo, que ao longo de sua história quase nunca pôde experimentar a democracia, apenas o tempo dirá: naquelas terras de climas duros e almas calejadas, tudo é possível. Ainda assim, é sempre bom para a humanidade quando um povo levanta-se contra um aprendiz de tirano.
Pedro Nascimento Araujo é economista.
Há, evidentemente, grupos heterogêneos na coalizão informal contra os desmandos de Putin, que podem se desentender de forma violenta. A prova de fogo será na véspera do Natal dos cristãos ocidentais (para os ortodoxos russos, o Natal cai dia 7 de janeiro, que equivale a 25 de dezembro no antigo calendário juliano), quando deve haver grandes protestos em todo o país e a vontade do povo russo em desafiar Putin poderá ser vista. Com os protestos ganhando força no gigantesco país, Putin I pode ter de recuar. Se isso gerará mais liberdade para o povo russo, que ao longo de sua história quase nunca pôde experimentar a democracia, apenas o tempo dirá: naquelas terras de climas duros e almas calejadas, tudo é possível. Ainda assim, é sempre bom para a humanidade quando um povo levanta-se contra um aprendiz de tirano.
Pedro Nascimento Araujo é economista.
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