Por Pedro Nascimento Araujo
Andar em Cabo Frio é garantia de testemunhar, a qualquer hora de qualquer dia, o descaso do governo municipal para com o povo da cidade. A belíssma cidade, flor de uma região bela por definição, está abandonada. Não se vê ação da prefeitura em virtualmente nenhum lugar - exceto no asfaltamento. Não que Marquinho Mendes esteja sozinho nisso: em ano eleitoral, deitar asfalto ao redor de qualquer cidade é um costume antigo de prefeitos brasileiros - que pode se tornar um estorvo para seus cidadãos - perfeitamente observável em cidades ao redor do país, sem distinção de altitude, latitude ou ideologia. É uma autêntica locupletação, que atinge seu ápice em anos eleitorais municipais: a Farra do Asfalto 2012 já está em marcha.
Das razões que podem explicar a compulsão asfáltica de prefeitos em final de mandato, duas são particularmente terríveis. Uma delas é a corrupção, que se manifesta através do direcionamento de licitações para empresas que se mostrem dispostas a retornar parte de seus ganhos para o grupo que a contratou. Tal processo é facilitado por fiscalização frouxa e esparsa, a qual, quando ocorre, limita-se a verificar a existência física do asfalto: dados sobre o estado asfaltalto antes do serviço ser prestado, assim como a própria qualidade do asfalto colocado, em geral são ignorados. Destarte, o mau empresário cobra por um asfalto de primeiríssima linha, entrega um remendo barato qualquer e divide o lucro com o mau político. Outra razão é a tentativa, um tanto ou quanto desesperada, de uma administração, incipiente ao longo do mandato, de mostrar serviço. Nesse ponto, o asfalto, cuja aplicação é rápida e cujos efeitos se destacam na paisagem cotidiana da população, oferece grandes vantagens para as enormes placas do tipo "Prefeitura Trabalhando" que dominam a paisagem das cidades brasileiras em ano eleitoral. Independentemente do motivador, há um fator em comum: o asfaltamento de nossas ruas é péssimo.
Quem já teve oportunidade de circular por ruas e estradas dos países do chamado primeiro mundo certamente notou que lá, malgrado as condições metereológicas contrárias, como a existência de gelo e a prática de derretê-lo com sal, o pavimento é sempre impecável. Na verdade, nem é preciso ir tão longe: a qualidade do asfalto em países vizinhos como Argentina e Uruguai é gritantemente melhor que a nossa, não se observado, em tais locais, a prática de recapeamentos frequentes que observamos aqui. Por que, então, asfaltamos tantas vezes? Por que nosso asfalto é tão ruim? Será que não sabemos asfaltar? Será que não há asfalto de boa qualidade disponível no Brasil?
Sem embargo, as respostas às perguntas acima feitas são encontradas aqui mesmo, no Brasil. Mais especificamente, nas rodovias privatizadas. Nelas fica bem evidente que há material e capacidade técnica suficientes para fazer aslfaltamento que não deva nada aos melhores do mundo. E, apesar de haver, nesses casos, um fluxo grande de veículos, inclusive de carga, em uma herança maldita de nossa opção pelo rodoviarismo, não notamos os recapeamentos constantes e, muito menos, a degradação mais constante ainda do asfalto. Capacidade, há. Material, há. Então, por que o asfalto público é ruim e o privado é bom?
A resposta é de uma obviedade cândida e cruel: porque, nas rodovias privadas, se o asfaltamento for ruim, quem terá de arcar com constantes trocas e reparos exigidos pela agência reguladora será o concessionário, o que implica em imediata redução dos lucros. O empresário privado tem todo o interesse em ter um asfaltamento de excelente qualidade: para ele, recapeamento é prejuízo, tanto para a imagem da concessão quanto, principalmente, para a lucratividade da mesma.
No asfaltamento público, todavia, a lógica é oposta. Um prefeito que depara-se com um asfaltamento ruim pode, em seu último ano, jogar uma camada de asfalto ordinário por cima do asfalto estruturalmente ruim que, ao menos até a eleição, os cidadãos terão a impressão de estar circulando em vias mais bem cuidadas do que antes. Se é fato que, em pouco tempo, os buracos, inevitáveis em um serviço que nada mais é que maquiagem, voltarão a aparecer, também é fato que a eleição já terá passado quando isso ocorrer. Deriva daí, de tal falta de compromisso com a qualidade e a durabilidade, a diferença entre asfaltos público e privado. Essa diferença é ainda mais gritante na estrutura sobre a qual o asfalto é assentado: em uma via privada, o concessionário fará existir, sob o asfalto, várias camadas que dar-lhe-ão sustentação, para que a cobertura asfáltica, um tapete de poucos centrímetros, não se deforme. Assim, sobre várias camadas que estendem-se muitos centrímetros abaixo, o asfalto é apenas o acabamento de uma estrutura firme e bem projetada.
Nas vias públicas, não há tal preocupação. Em Petrópolis, por exemplo, é perfeitamente corriqueiro encontrarmos, sob o asfalto, os irregulares calçamentos históricos de paralelepípedos, que ficam aparentes, em alguns casos, menos de um ano após o banho de asfalto. Embora seja bastante óbvio que simplesmente jogar uma camada de asfalto de poucos centrímetros sobre uma base tão instável é receita para ter de refazê-la a cada um ou dois anos (noves fora a conservação do patrimônio histórico), isso segue sendo feito, não só em Petrópolis e Cabo Frio como em inúmeras outras cidades do Brasil. Como o interesse dos prefeitos é o efeito de curto prazo, opta-se ou pelo que é mais rápido e barato (obras estruturais para criar camadas de cascalho, brita etc. que sustentem o asfalto demora e custa caro) ou, ainda, pelo que pode render mais, levando-se em conta o fator corrupção. Não há, então, solução? Sim, há - e é bem simples: basta que se vincule, legalmente, prefeitos e empreiteiro aos resultados das obras. Assim, se um prefeito paga um valor de referência por um asfaltamento cuja vida útil estimada é de 10 anos, então a firma que executou o serviço e o prefeito serão passíveis de acionamento, por parte do ministério público, caso o asfaltamento perca sua qualidade antes disso, para que as obras de reparo sejam feitas sem novos encargos gravosos ao patrimônio público. Se vincularmos a rentabilidade da empresa, assim como a carreira política do prefeito, à qualidade do asfaltamento, podemos acabar com a farra do asfalto.
Pedro Nascimento Araujo é economista
Das razões que podem explicar a compulsão asfáltica de prefeitos em final de mandato, duas são particularmente terríveis. Uma delas é a corrupção, que se manifesta através do direcionamento de licitações para empresas que se mostrem dispostas a retornar parte de seus ganhos para o grupo que a contratou. Tal processo é facilitado por fiscalização frouxa e esparsa, a qual, quando ocorre, limita-se a verificar a existência física do asfalto: dados sobre o estado asfaltalto antes do serviço ser prestado, assim como a própria qualidade do asfalto colocado, em geral são ignorados. Destarte, o mau empresário cobra por um asfalto de primeiríssima linha, entrega um remendo barato qualquer e divide o lucro com o mau político. Outra razão é a tentativa, um tanto ou quanto desesperada, de uma administração, incipiente ao longo do mandato, de mostrar serviço. Nesse ponto, o asfalto, cuja aplicação é rápida e cujos efeitos se destacam na paisagem cotidiana da população, oferece grandes vantagens para as enormes placas do tipo "Prefeitura Trabalhando" que dominam a paisagem das cidades brasileiras em ano eleitoral. Independentemente do motivador, há um fator em comum: o asfaltamento de nossas ruas é péssimo.
Quem já teve oportunidade de circular por ruas e estradas dos países do chamado primeiro mundo certamente notou que lá, malgrado as condições metereológicas contrárias, como a existência de gelo e a prática de derretê-lo com sal, o pavimento é sempre impecável. Na verdade, nem é preciso ir tão longe: a qualidade do asfalto em países vizinhos como Argentina e Uruguai é gritantemente melhor que a nossa, não se observado, em tais locais, a prática de recapeamentos frequentes que observamos aqui. Por que, então, asfaltamos tantas vezes? Por que nosso asfalto é tão ruim? Será que não sabemos asfaltar? Será que não há asfalto de boa qualidade disponível no Brasil?
Sem embargo, as respostas às perguntas acima feitas são encontradas aqui mesmo, no Brasil. Mais especificamente, nas rodovias privatizadas. Nelas fica bem evidente que há material e capacidade técnica suficientes para fazer aslfaltamento que não deva nada aos melhores do mundo. E, apesar de haver, nesses casos, um fluxo grande de veículos, inclusive de carga, em uma herança maldita de nossa opção pelo rodoviarismo, não notamos os recapeamentos constantes e, muito menos, a degradação mais constante ainda do asfalto. Capacidade, há. Material, há. Então, por que o asfalto público é ruim e o privado é bom?
A resposta é de uma obviedade cândida e cruel: porque, nas rodovias privadas, se o asfaltamento for ruim, quem terá de arcar com constantes trocas e reparos exigidos pela agência reguladora será o concessionário, o que implica em imediata redução dos lucros. O empresário privado tem todo o interesse em ter um asfaltamento de excelente qualidade: para ele, recapeamento é prejuízo, tanto para a imagem da concessão quanto, principalmente, para a lucratividade da mesma.
No asfaltamento público, todavia, a lógica é oposta. Um prefeito que depara-se com um asfaltamento ruim pode, em seu último ano, jogar uma camada de asfalto ordinário por cima do asfalto estruturalmente ruim que, ao menos até a eleição, os cidadãos terão a impressão de estar circulando em vias mais bem cuidadas do que antes. Se é fato que, em pouco tempo, os buracos, inevitáveis em um serviço que nada mais é que maquiagem, voltarão a aparecer, também é fato que a eleição já terá passado quando isso ocorrer. Deriva daí, de tal falta de compromisso com a qualidade e a durabilidade, a diferença entre asfaltos público e privado. Essa diferença é ainda mais gritante na estrutura sobre a qual o asfalto é assentado: em uma via privada, o concessionário fará existir, sob o asfalto, várias camadas que dar-lhe-ão sustentação, para que a cobertura asfáltica, um tapete de poucos centrímetros, não se deforme. Assim, sobre várias camadas que estendem-se muitos centrímetros abaixo, o asfalto é apenas o acabamento de uma estrutura firme e bem projetada.
Nas vias públicas, não há tal preocupação. Em Petrópolis, por exemplo, é perfeitamente corriqueiro encontrarmos, sob o asfalto, os irregulares calçamentos históricos de paralelepípedos, que ficam aparentes, em alguns casos, menos de um ano após o banho de asfalto. Embora seja bastante óbvio que simplesmente jogar uma camada de asfalto de poucos centrímetros sobre uma base tão instável é receita para ter de refazê-la a cada um ou dois anos (noves fora a conservação do patrimônio histórico), isso segue sendo feito, não só em Petrópolis e Cabo Frio como em inúmeras outras cidades do Brasil. Como o interesse dos prefeitos é o efeito de curto prazo, opta-se ou pelo que é mais rápido e barato (obras estruturais para criar camadas de cascalho, brita etc. que sustentem o asfalto demora e custa caro) ou, ainda, pelo que pode render mais, levando-se em conta o fator corrupção. Não há, então, solução? Sim, há - e é bem simples: basta que se vincule, legalmente, prefeitos e empreiteiro aos resultados das obras. Assim, se um prefeito paga um valor de referência por um asfaltamento cuja vida útil estimada é de 10 anos, então a firma que executou o serviço e o prefeito serão passíveis de acionamento, por parte do ministério público, caso o asfaltamento perca sua qualidade antes disso, para que as obras de reparo sejam feitas sem novos encargos gravosos ao patrimônio público. Se vincularmos a rentabilidade da empresa, assim como a carreira política do prefeito, à qualidade do asfaltamento, podemos acabar com a farra do asfalto.
Pedro Nascimento Araujo é economista
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