Por Pedro Nascimento Araujo
O Brasil teve 6,5% de inflação em 2011. Ao contrário do que acontece com outros países, no Brasil não há questionamentos quanto à seriedade dos índices oficiais de inflação. Ao atingir exatamente 2 pontos percentuais acima dos 4,5% estipulados como meta de inflação, Alexandre Tombini, presidente do Banco Central, livrou-se de prestar explicações para o Congresso Nacional. Como um aluno que é aprovado graças à reunião do conselho de classe, Tombini não entrou em dependência por pouco.
O Brasil teve 6,5% de inflação em 2011. Ao contrário do que acontece com outros países, no Brasil não há questionamentos quanto à seriedade dos índices oficiais de inflação. Ao atingir exatamente 2 pontos percentuais acima dos 4,5% estipulados como meta de inflação, Alexandre Tombini, presidente do Banco Central, livrou-se de prestar explicações para o Congresso Nacional. Como um aluno que é aprovado graças à reunião do conselho de classe, Tombini não entrou em dependência por pouco.
Não que o discreto Tombini seja incompetente ou incapaz; na verdade, ele comanda um esforço silencioso exercido dentro do governo para reduzir sistematicamente as taxas de inflação anuais. É muito importante que seja assim. A presidente Dilma Roussef recebeu o Brasil após uma farra de gastos públicos no último ano do governo Lula da Silva. Tal descontrole nas contas públicas teve como um de seus efeitos o aumento da inflação no Brasil. Uma análise detalhada do tamanho do inchaço da máquina governamental durante os anos Lula da Silva demonstra que a administração pública do Brasil gasta mais e mantém o mesmo desempenho pífio. Pior ainda, o exemplo de frouxidão no controle dos gastos capitaneado pela União foi seguido pelas demais esferas governamentais. Preto no branco, o setor público brasileiro consome anualmente aproximadamente 40% de tudo o que é produzido no Brasil - algo em torno de R$ 1.000.000.000.000,00 (um trilhão). Menos mal que o superávit primário atingiu 3% do PIB, que a taxa de juros está em queda e que o governo da presidente Dilma assumiu cortando gastos. São boas notícias, mas que não suprem o fato de que a inflação está intrinsecamente elevada.
Inflação intrinsecamente elevada é, obviamente, um conceito - não uma fórmula. Não há número mágico a partir do qual se possa afirmar que a inflação é elevada; na realidade, para saber se uma inflação está intrinsecamente elevada, basta observar a demanda da sociedade por indexações. Para isso, é necessário levar em conta, também, o país em tela. Uma sociedade que é viciada em indexação como a nossa tende a pressionar por "reposição" da inflação mais rapidamente que outras sem tal memória - assim, diante dos mesmos 6,5%, suíços e brasileiros reagem de maneira diferente. Além disso, há o nível de variação anual: se de 2000 a 2010 tivéssemos média anual inferior a 1%, os 6,5% de 2011 seriam puramente circunstanciais e refletir-se-iam em mudanças de preços relativos ao invés de pura e simples elevação no nível geral de preços. O fato é que, com os 6,5% que tivemos em 2011, antecedidos por 4,3% e sucedido por prováveis 4,5%, a demanda por indexações cresceu. Certamente, estamos com inflação intrinsecamente alta, cuja manutenção sempre traz consigo o risco de indexação generalizada inercialmente autoalimentada - a nossa tristemente célebre hiperinflação.
Dito isso, voltemos a tentar definir o que seria inflação intrinsecamente alta no Brasil. Se entendermos inflação intrinsecamente alta no Brasil como um valor anual a partir do qual a média da sociedade brasileira exigiria indexação, podemos pensar em 5%. Este número traz em si um simbolismo social muito grande. O valor de 5%, no Brasil, é geralmente o desconto que o consumidor médio consegue após uma barganha. Com inflação de 5%, é comum pleitos de reajustes de 10% - que, afinal, equivalem a um reajuste real de "apenas" 5%, um número que a sociedade não tende a considerar ganancioso. Por isso, a inflação no Brasil não deve chegar perto de 5%, que já é um número elevado: com juros compostos, em 10 anos, 5% de inflação equivalem a 62,9%, bem mais que os 50% que seriam obtidos com juros simples.
Se 5% ao ano é mesmo o número a partir do qual, no Brasil atual, as pressões por indexação começam a ganhar ímpeto próprio, então o governo não pode nunca deixar tal patamar ser alcançado. Na verdade, o governo deve buscar sempre zerar a inflação, entendida aqui como a alta generalizada de preços. Para a economia, por definição o ideal é ter zero de inflação. Sem inflação, alterações nos preços refletem apenas ajustes nos preços relativos: são mudanças reais. Houve um tempo em que teorias macroeconômicas como as da CEPAL, que consideram ser aceitável ter "um pouco de inflação" (para Celso Furtado, seguidor brasileiro das teses defendidas pelo economista argentino Raúl Prebisch, artífice das teorias econômicas cepalinas, esse "pouco" seria de 25% anuais), eram levadas a sério, mas o tempo provou que a lógica econômica prevalece: inflação nunca é bom. Para levar a inflação a ser o reflexo das mudanças nos preços relativos, e não a mera repetição da alta em todos os preços, o governo deve buscar sempre a inflação zero. E, principalmente, deve tomar todas as medidas possíveis e necessárias para derrubá-la sempre que ela ameaçar chegar a 5% anuais, o nível crítico de nossa sociedade a partir do qual a demanda por indexação tende a generalizar-se.
Alexandre Tombini tem um grande desafio pela frente. Se fosse um aluno, teria sido aprovado em seu primeiro ano com uma ajuda do conselho de classe, que confiou em sua capacidade de cumprir com as tarefas do ano seguinte. Cada vez mais distante dos descontroles monetário e fiscal que herdou da administração anterior, Tombini tem pela frente a tarefa de evitar que um país com memória de indexação volte a seu velho mau hábito. Para tanto, ele precisa levar a inflação a índices bem inferiores a 5% ao ano no curto prazo, preparando o terreno para que, no médio prazo, ela tenda, cada vez mais, a zero.
Pedro Nascimento Araujo é economista.
Comentários
Postar um comentário