Por Pedro Nascimento Araujo
José Mujica, presidente do Uruguai, afirmou, em 30 de Janeiro de 2012, que o Mercosul está "empacado". Foi uma gentileza diplomática do presidente: se o Mercosul estivesse empacado, estaríamos melhor do que estamos, com o bloco nitidamente regredindo devido a mais uma barreira não-alfandegária imposta pela Argentina, válida desde o primeiro dia deste mês de Fevereiro de 2012. Outro uruguaio proeminente, Rafael Sanguinetti, presidente da Comissão de Comércio Exterior da Câmara de Indústrias do Uruguai, foi menos diplomático e disse que o Mercosul está uma "anarquia absoluta na qual não se respeitam contratos" e coisas do tipo. Veladamente, o que Mujica e Sanguinetti disseram foi que, ao menos para o Uruguai, o Mercosul não está valendo a pena. Pena.
Ainda nos anos 1990, quando havia a possibilidade concreta de a Área de Livre Comércio das Américas tornar-se realidade, o Mercosul já era considero pelo Itamaraty como prioridade. Nas palavras de Celso Lafer, chanceler do governo Fernando Henrique Cardoso, o Mercosul era o "destino", ao passo que a ALCA era mera "possibilidade". O Mercosul, ao juntar Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, ex-inimigos históricos unindo-se voluntariamente sob um guarda-chuva de cooperação, integração e amizade, tem importância histórica em âmbito regional superada talvez apenas pela Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, berço da atual União Europeia, que fez o mesmo com os ex-arqui-rivais França, Alemanha, Holanda e Itália. Com quase 2 décadas de vida, todavia, ao contrário da experiência europeia, o Mercosul tem pouco, muito pouco, para apresentar como resultado prático - e mesmo esse muito pouco está em risco, mormente por conta da primazia da família Kirchner sobre a Casa Rosada.
Desde que a Argentina quebrou, em 2001, o Brasil, em uma atitude nobre em termos humanos, audaz em termos de estratégia internacional e desastrosa em termos políticos e comerciais, tem sido extremamente compreensivo para com as atitudes hostis a seus interesses tomadas por parte da Argentina; na verdade, não é raro o Brasil ser acusado de leniência para com Buenos Aires. Repetidas vezes, a Casa Rosada, primeiro sob Néstor, agora sob Cristina Kirchner, desrespeitou os termos do Mercosul e criou entraves para exportações brasileiras - e, todas as vezes, o governo Lula da Silva aquiesceu candidamente, sem adotar contramedidas ou recorrer ao órgão de solução de controvérsias do bloco; na verdade, nem ao menos protestou diplomaticamente, em um padrão repetido ao longo do governo da presidente Dilma Roussef. O resultado inexorável é que a Casa Rosada, cada vez mais enrolada pela desastrada condução econômica levada a cabo pelo clã Kirchner, tenta garantir sua sobrevivência política às custas de seus parceiros do Mercosul, com barreiras unilaterais (alfandegárias ou não-alfandegárias) às importações dos países do bloco.
Trata-se de medida extremamente injusta para com os sócios argentinos no Mercosul. Não versarei sobre o que o fracasso potencial da dimensão comercial da parceria teria sobre todo o projeto integrador. Até agora, o silêncio brasileiro tem sido a regra - como eu disse anteriormente, erroneamente Brasília vê as ações de Buenos Aires como atos desesperados passíveis de ser aceitos em nome da manutenção de uma liderança regional brasileira. Em um momento de crescente preocupações com os avanços chineses na América do Sul e no Caribe, tradicionais destinos das exportações brasileiras, que pressiona por uma reprimarização de nossa pauta exportadora, saber que não apenas não poderemos contar com a gratidão argentina, como que também temos nossa própria situação comercial colocada sob risco - a Argentina, ao contrário do que imaginam os comandantes de sua economia, simplesmente não deixará de importar muito porque, entre outros motivos, há um particularmente irônico: como resultado de seu protecionismo, o país não importa bens de capital, não moderniza seu próprio parque industrial e, portanto, recorre a mais protecionismo. Ao prejudicar seus parceiros de Mercolsul como subproduto de seus equívos internos, a Argentina está colocando em risco um projeto de integração que representa um futuro de confiança, amizade e cooperação sobre um passado de guerras.
Pedro Nascimento Araujo é economista.
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