Por Pedro Nascimento Araujo
Semana passada, a presidente Dilma Roussef trocou os líderes da bancada governista no Congresso Nacional. O deputado federal Cândido Vaccarezza e o senador Romero Jucá foram substituídos, respectivamente, por Arlindo Chinaglia e Eduardo Braga. O estopim da mudança foi uma derrota do governo na recondução à diretoria-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) de Bernardo Figueiredo. Noves fora a possibilidade de uso político de agência que deveriam ser intrinsecamente técnicas, uma falha do governo tucano devida explorada pelo governo petista, há de enxergar além da simples troca de lideranças, mormente Jucá, enroladíssimo em denúncias desde há muito, e aparentemente intocável, por ser linha de frente de Renan Calheiros e José Sarney.
A derrubada do nome de Figueiredo para a ANTT foi articulada por este trio, que há tempos vem pressionando a presidente por cargos, verbas e afins. Eles sentem muitas saudades dos tempos de Lula da Silva, mormente pós-mensalão, quando tudo foi mais permitido, permutado, escusado e perdoado em nome da governabilidade que antes. Aprenderam a pressionar e conseguir. Até o momento, todavia, Dilma Roussef vem demonstrando resistência. E, com a demissão de Jucá, a presidente declarou guerra a Calheiros e a Sarney. Os dois, obviamente, não deixarão barato. Mas esse teste não é só da resiliência deles em pressionar a presidente; na verdade, é muito mais uma medição do escopo da vontade da presidente de romper com o clientelismo que se instaurou com o Golpe da República de 1889. No início de seu segundo ano à frente do país, Roussef está em vias de decidir como entrará para a história.
Quando escrevo isso, não tenho como garantir se a própria presidente tem noção clara de tudo o que está em jogo. Estou partindo da premissa segundo a qual ela deseja realmente governar sem ser pressionada pelos Calheiros e Sarneys da vida, e não que se trata de outra coisa, desde assuntos mesquinhos, como picuinhas ou vaidades, a interesses fisiológicos. Ocorre que, sendo isso mesmo, a presidente colocou-se diante daquilo que a Teoria dos Jogos chama de Chiken Game, uma disputa na qual se arrisca tudo e apenas um ganha: aquele que se dispôs a arriscar mais. Em geral, o exemplo de livro-texto é o de dois carros em sentidos opostos encaminhando-se para o choque. O que não desviar ganha; como, se nenhum desviar, ambos morrem, o teste de nervos consiste exatamente em revelar quem está mais disposto a morrer do que a perder - esse será o vencedor. É uma versão hardcore da popular brincadeira infantil na qual perde quem piscar os olhos primeiro.
Ao confrontar Calheiros e Sarney, duas das maiores raposas do atraso político brasileiro, Dilma está apostando, através de um Chiken Game, não apenas o futuro dela, mas também o futuro do processo político brasileiro nas próximas décadas: se a presidente piscar antes, Calheiros e Sarney, assim como seus prepostos, liderados por Jucá, serão hegemônicos. Primeiro, porque criarão novos mecanismos de defesa contra possíveis investidas dos sucessores da presidente. E, segundo, porque, após ver Roussef ser destroçada, toda uma geração de políticos terá aprendido uma lição indelével: nunca mexer com os Calheiros e Sarneys de plantão. É isso que está em jogo na investida de Dilma. Desejo toda a sorte possível à presidente. O Brasil merece deixar seu passado clientelista para trás. Se Roussef conseguir provar que é possível, ela merece entrar no panteão dos grandes líderes transformadores do Brasil. Se fracassar, todavia, ela terá atrasado em ao menos mais uma geração a chegada desse líder transformador.
Pedro Nascimento Araujo é economista.
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