Por Pedro Nascimento Araujo
Essa semana, o general Videla, presidente de fato da Argentina entre 1976 e 1981, admitiu, em entrevista, que a ditadura militar argentina, que durou até 1983, matou quase 9 mil pessoas. Perto dos aproximadamente 300 mortos em 21 anos de ditadura militar no Brasil, esse número espanta ainda mais. Não que 300 mortos seja pouco – na verdade, cada morto é importante demais para ser esquecido. Cada um desses brasileiros mortos pelo governo do seu país merece ter sua memória honrada. A Argentina está julgando aqueles que comandaram tal massacre. E no Brasil, aparentemente, o governo Dilma Roussef vai tornar realidade a Comissão da Verdade, que busca esclarecer crimes cometidos pelo regime militar. Obviamente, ninguém é contra a verdade. Porém, a formação da comissão, a julgar pelos prováveis membros indicados, corre sério risco de ser unilateral. Erro crasso, pois ambos os lados mataram em nome de ideologias.
Entre os historiadores mais isentos – leia-se não militantes do marxismo – a revolução de 1964 é tratada como golpe civil-militar. Em outras palavras, os militares tiveram amplo apoio popular para fazer o que foi descrito como contragolpe devido às pouco disfarçadas manobras comunistas para tomar o poder no Brasil. A situação chegou a tal ponto de participação de agentes cubanos e soviéticos que o golpe comunista era tido, nos círculos marxistas, como mera questão de tempo. Os militares, com um também pouco disfarçado apoio americano, foram mais rápidos e o Brasil perdeu a democracia para os quartéis ao invés de perde-la para os bolcheviques. O golpe de 1964, inicialmente comandado pela “Sorbonne do Exército”, com Castelo Branco à frente, deveria devolver o poder aos civis em pouco tempo, mas, em menos tempo ainda, sucumbiu à tentação de toda ditadura e tratou de perpetuar-se, com a chamada “linha dura”, com Costa e Silva à frente, assumindo as rédeas do processo.
Em um ambiente de poder usurpado, a linha entre busca legítima por liberdade e terrorismo é confusa. Havia pessoas que queriam os militares fora do poder para ter democracia. E havia pessoas que queriam os militares fora do poder para ter a sua própria ditadura. O que cada um queria é impossível saber e, de fato, o governo tratava a todos como terroristas ou golpistas. De fato, havia terroristas – e estes deveriam ser tratados como tal. Todavia, o governo não era legítimo: os militares usurparam o poder e agiram à margem da lei. Se havia terroristas contra os militares, os militares instalaram o terrorismo no estado. Isso é muito grave. Uma luta às margens da lei, travada por grupos antagônicos, marcou o Brasil. Conhecer a verdade sobre os abusos de ambos os lados é um direito do país.
A Comissão da Verdade deveria trazer para o Brasil experiências positivas provadas em alguns lugares, como a Comissão da Verdade e Reconciliação da África do Sul, que conseguiu passar a limpo o apartheid sem revanchismo. Se assim o for, perfeito: não perderemos a chance de conhecer nosso passado para nunca mais repeti-lo. Porém, se cair em polarização e culpabilização de apenas um lado, não acrescentará nada. A oportunidade é grande: a própria presidente Roussef, em sua juventude, fez parte de um grupo que queria tomar o poder não para dar democracia ao povo, mas sim para instaurar sua própria ditadura. Nesse ponto, ela tem algo em comum com um grande homem: Nelson Mandela. Se a Comissão da Verdade e Reconciliação da África do Sul foi um sucesso, foi porque Nelson Mandela, presidente da nação e vítima do apartheid que recorreu à luta armada na juventude, renunciou primeiro às armas e depois ao revanchismo e chamou a todos para a reconciliação e construção de um futuro novo. Juntos. Uma catarse coletiva, a experiência sul-africana colocou frente a frente rivais no período do apartheid e conseguiu arrancar sinceros pedidos de perdão que foram aceitos. Erros foram admitidos e a reconciliação foi feita. Evidentemente, o papel de Mandela foi crucial. A presidente Dilma faria muito bem se abrisse a comissão admitindo seus enganos de juventude de querer implantar uma ditadura e liderando pelo exemplo para uma grande reconciliação. Infelizmente, o clima de revanchismo torna pouco provável que ela execute ato de tamanha grandeza. Pena. Apenas os grandes têm a grandeza de admitir enganos. Mandela o fez. Roussef terá sua chance.
Comentários
Postar um comentário