Eco-cidadão. Ser Ou Não Ser?
“Ser ou não ser, eis a questão”. Com esta máxima
shakesperiana, a espécie humana foi colocada em cheque e, de quebra, sujeita a
uma infindável lista de novas interrogações. Ser ou não ser. Uma questão
crucial para o honorável escritor inglês que filosofou sobre a Inglaterra
elisabetana. Uma questão crucial para os quase seis bilhões de congêneres deste
escritor/filósofo.Uma questão crucial para, talvez, os residentes futuros do
planeta Água em sua maior explosão demográfica jamais registrada.
Ser. Um verbo de ligação que aprendemos a utilizar desde
tenra idade, a classificar facilmente nas aulas de análise sintática e a
respeitar — mesmo inconscientemente — como um verbo ligado à nossa própria
natureza. “Sou fulano”. “Sou inteligente”. “Sou um cidadão consciente”. “Sou
uma pessoa interessada no bem-estar dos outros”. “Sou bem-humorado”. Somos uma
série de coisas.
Não nos damos conta, as vezes, de outras tantas séries de
coisas que somos. Simplesmente somos.
Este simples “somos”, porém, talvez passe despercebido da
maior parte de nós, ocidentais, cuja maneira de ver o mundo e leitura de tempo
estão atreladas a uma ausência de reflexão interna, de auto-avaliação, de medo
de entender que somos incapazes de compreender nossa natureza mais simples e
mais instintiva. Parafraseando os mecanicistas, eternos rivais dos vitalistas
do século XIX, poderia ousar dizer que nosso organismo biológico, afinal, não é
mais que um mero e intrincado conjunto de trilhões de unidades morfofuncionais,
denominadas anatomicamente células, cuja composição química depende,
fisiologicamente, do controle elétrico de impulsos que caminham por feixes
nervosos. Em resumo: moléculas químicas reagindo entre si e dependentes de
corrente elétrica? Sim. Simples e complexo. Um microcosmo formado por milhões
de outros microcosmos.(Estou certa Dr. Marcelo Paes?Se não me corrija por
favor!) Simples como o verbo ser. Complexo como suas implicaões práticas.
Aonde pretendo chegar com esta reflexão preliminar? A
questão do ser tem tomado o centro de mesas-redondas em várias instâncias do
conhecimento científico atual. Particularmente no âmbito das ciências
biológicas, a ecologia e suas áreas afins têm proposto reflexões aos cidadãos
do Novo Milênio. Somos, queiramos ou não, uma biomassa significativa da crosta
terrestre, com influência positiva ou negativa sobre o meio que nos cerca. Tais
reflexões acerca de nossa ação na natureza talvez não tenham tomado lugar nas
contribuições ao conhecimento científico contemporâneo.Talvez nunca interessem
ao cidadão ‘comum’, que não entende o porquê da ciência e das coisas
acadêmicas. Talvez sequer cheguem a ser a pauta de discussões dos futuros
dirigentes do mundo. Mas a resposta dada a tais questionamentos pode mudar o
rumo das coisas e reverter a Roda da Fortuna, desbancando as três moiras que
governam o destino da humanidade.
Uma destas reflexões pode ser desencadeada pela pergunta
“Somos ou estamos ecologicamente conscientes de nossos atos e seus efeitos no
meio ambiente?”. O ser humano é a espécie animal que pensa a ciência e procura
explicar a natureza do ponto de vista de seu próprio entendimento, fazendo
parte de um ciclo vital com elos inimagináveis, inter-relacionados entre si de
maneiras as mais insondáveis possíveis. A dúvida é: somos conscientes de nossos
atos? Se a resposta for um empolgante e sonoro “sim”, devemos cantar os
parabéns... chegamos ao ponto de deslumbrar novas consciências que procuram
fazer uma leitura de mundo mais atenta e mais desafiadora, voltada ao que
chamamos de ecologia sustentável, ou seja, aquela que mantém equilibradas as
esferas humanas — em seus amplos aspectos, tais como o social, o cultural, o de
lazer etc. — e de recursos naturais e biodiversidade. Se a resposta for um
acanhado e boçal “não”, creio que é hora de refletir sobre conceitos e
posturas. Talvez não estejamos sequer sensibilizados sobre nossos próprios atos
e suas influências sobre os demais níveis da biosfera.
Estar ecologicamente consciente de nossos atos e seus
efeitos no meio ambiente pode significar algo momentâneo e sem um sistema
radicular sólido; em outras palavras, pode ser um modismo puro e simples —
legal falar de ecologia hoje em dia” — ou uma opção razoável que pode, em um
dado momento, ser substituída com facilidade (e sem receios!) por outra
preocupação mais pertinente. Estar, do ponto de vista do comprometimento
sócio-econômico-biológico, pode ser uma reação pungente e, até certo ponto,
iconoclasta — romper o status quo em que se encontra o meio ambiente e a
sociedade e criar alternativas sustentáveis. Mas a transitoriedade incomensurável
do estar não tece tramas consistentes, não cria raízes
verdadeiramente presas ao solo. O estar veste-se de algo novo, de
vanguarda, com toda a pompa e a circunstância. Sua roupa, porém, pode ser tão
frágil como a casa construída sobre a areia fina. A maré alta e as adversidades
atmosféricas logo derrubam a casa, deixando-a à mercê das intempéries, que
acabam fazendo o resto da tarefa.
Ser ecologicamente consciente de nossos atos e seus
efeitos no meio ambiente é, antagonicamente, algo muito mais profundo e
comprometido. A visão iconoclasta persiste, porém fundamentada em práticas
consistentes, cujos alicerces tornam-se sólidos com o passar dos anos e cujos
baluartes não tendem a decair pela ação das intempéries. Os modismos vêm e vão,
porém a estrutura interna não é atingida. Ser consciente depende, muitas vezes,
de uma vida inteira. Nem sempre é fácil ser. Às vezes, é muito mais cômodo
estar que ser. Porém ser é muito mais gratificante, muito mais vivo.
O que resta, então, a dizer? Não há como julgar as pessoas e
derramar sobre elas um mea culpa obstinado. Não há como estabelecer
parâmetros globais e dizer que o mundo está ou é ecologicamente consciente de
seus atos e seus efeitos no planeta. Não pretendo cair no chavão “faça a sua
parte”. É um imperativo que deveria ser uma constante em nossas vidas. Chegou a
hora de repensar valores e atitudes frente às dificuldades e obstáculos que a
Terra nos coloca, em seu choro premente e cada vez mais alto. Chegou a hora de
ser e deixar de estar. Sejamos, pois, eco-cidadãos de verdade, e não apenas
eco-interessados ou eco-amigos, no vaivém do modismo ecológico.
Deixemos de lado a eco-politicagem,e sejamos
eco-politicamente corretos.
É preciso ser!
Nádia D'Andrea.
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