Por Pedro Nascimento Araujo
François Hollande é o novo presidente da França – a vitória
foi mais apertada que parecia inicialmente, mas confirmou-se. A questão é saber
se há clima para comemorações. Na verdade, a sentença anterior seria melhor
escrita se afirmasse que Sarkozy perdeu. O presidente em fim de mandato esgotou
a paciência dos franceses. Sarkozy tinha um ar deslumbrado – embora nada que
lembrasse a jequice de Sérgio Cabral e seus amigos – que irrita os blasés
franceses. Era arrogante além da conta. Seu casamento com Carla Bruni alegrou
mais a paparazzi que a eleitores. Somem-se a isso os problemas no campo interno
(as expectativas frustradas e a estagnação – para não dizer recessão – que tem
sido companheira dos franceses e uma insistente percepção que ele preocupava-se
mais em reduzir impostos de ricos que em estimulá-los a investir mais) e
externo (a persistente crise das dívidas soberanas da Eurolândia – que, com
Sarkozy, derruba o 11º líder e parece só poupar sua companheira na defesa do
euro, a chanceler Merkel, líder de uma Alemanha cada vez mais forte,
responsável, austera, produtiva e rica – e hegemônica, para terror de seus
vizinhos) e temos a receita para a queda de Sarkozy diante de um politicamente
inexpressivo Hollande.
Situação definida, é de se pensar no que aguarda Hollande –
e o que ele fará. Não é belo seu horizonte. A França é um país em crise de
futuro. Não sabe o que será – o que sabe é que nunca mais será uma potência de
primeira grandeza, certeza que teve desde 1871, quando, após ter perdido para o
Reino Unido a liderança mundial em 1815, perdeu para Alemanha (na verdade, a
Prússia) a liderança na Europa Continental. É um país maduro e com capacidade
de inserir-se no mundo competitivo hodierno como a Alemanha o faz. Precisa,
para tanto, de reformas duras como a Alemanha fez desde a década de 1990.
Sarkozy, que seja por conta da crise do euro que o atropelou, quer seja porque
estava mais preocupado em lustrar sua cauda de pavão, apesar de ter sido eleito
prometendo aos franceses realiza-las, em que pese avanços pontuais, não foi
capaz de fazê-las. A vez é de Hollande, que foi eleito prometendo não fazê-las.
E que, por mais estranho que possa soar, acabará tendo diante de si a decisão
de fazê-las.
Hollande poderá ser o homem que faz o sacrifício de ser um
líder de uma época de ajustes. É tarefa inglória. Há pares seus nessa situação
– todos os outros 10 que assumiram após o titular cair por ser responsabilizado
pela população pela crise na Eurolândia. Se os antecessores caíram porque a
crise explodiu em seus mandatos, os sucessores, como Mariano Rajoy na Espanha e
Mario Monti na Itália, destruirão suas carreiras para vencê-la: é sua missão –
e eles sabem disso. Serão odiados por fazer o trabalho que ninguém quer fazer –
mas que, todavia, necessita ser feito. Falo de cortar gastos, aumentar
impostos, extinguir privilégio: coisas que geram descontentamentos imediatos e
localizados vis-à-vis ganhos difusos e futuros; em outras palavras, ganharão
impopularidade e perda de capital político. E, pior, seus sucessores, com as
casas arrumadas, poderão crescer, ser populares e distanciarem-se ainda mais
deles. É sempre assim em
política. Se servir de consolo a Hollande, Rajoy, Monti e os
demais, a história os redimirá. No Brasil, Campos Salles (1898-1902) era
literalmente perseguido por populares nas ruas do Rio de Janeiro porque reduziu
o déficit, renegociou a dívida externa, demitiu funcionários e retirou moeda de
circulação para conter a inflação. Seus sucessores encontraram as finanças em
dia e foram populares, gastando muito. Apenas muito depois da morte de Salles
os historiadores passaram a analisar os efeitos benéficos de suas medidas.
Hoje, ele é muito mais conhecido e estudado que seus sucessores, sempre com
prisma positivo, por conta de suas decisões impopulares à época. Tal
reconhecimento demora, como sói ser para com os mártires. Hollande tem diante
de si a chance de martirizar-se politicamente para o bem da França. Esperamos
que ele seja grande o suficiente para tanto. A França merece.
Pedro Nascimento Araujo é economista.
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