Por Pedro Nascimento Araujo
A Comissão da Verdade fracassou. Posso afirmar isso antes
mesmo de ela começar. Infelizmente. Como muitos outros, eu acredito que rever o
período ditatorial somente tem a acrescentar ao nosso futuro. Um país que
conhece seu passado e que aprende com ele está menos sujeito a repeti-lo.
Porém, um país que resolve distorcer seu passado e ainda chamá-lo oficialmente
verdadeiro, está fadado a continuar errando.
A ideia da Comissão da Verdade, inspirada na célebre
Comissão da Verdade e da Reconciliação da África do Sul no pós-apartheid,
sucumbiu às suas convicções políticas. Em que pese o discurso da presidente
Dilma Rousseff falando sobre o Brasil não temer a verdade, seus integrantes, ao
longo da última semana, decidiram que apenas abusos de direitos humanos
cometidos pelas forças governamentais serão investigados. A julgar pelo que
pensa a Comissão da Verdade, esses foram os únicos abusos que foram cometidos
e, portanto, que precisam ser investigados. De fato, esses abusos foram
cometidos e precisam ser investigados. Mas não foram os únicos.
O grande erro da Comissão da Verdade é querer fazer com que
o povo pense que o governo ditatorial combatia somente inimigos inofensivos,
jovens idealistas e desarmados buscando a legítima liberdade. Erro crasso.
Havia, combatendo o regime militar, além dos românticos, mercenários: agentes
profissionais treinados, armados e financiados por países comunistas,
notadamente Cuba, representante local da União Soviética. Junto aos jovens
naïves, havia assassinos, ladrões, terroristas e sequestradores, que, ainda que
o governo brasileiro fosse legítimo (por definição, nenhuma ditadura é
legítima, por mais que desfrute de apoio popular), tentariam derrubá-lo, como
fizeram em muitos países, não para restaurar a democracia, mas sim para
instaurar a sua ditadura. Nessa babel da resistência contra a ditadura, bons
foram mortos – e mesmo os maus foram vítimas de abuso por parte do governo. Que
isso seja investigado, é notável. É prova de avanço democrático. Que somente
isso seja investigado, é prova de parcialidade política da Comissão da Verdade.
E isso é absolutamente inadmissível em um estado democrático de direito.
O grande erro que a Comissão da Verdade comete é conceitual.
Ela parte da premissa (verdadeira, diga-se) segundo a qual o governo brasileiro
cometeu crimes, mas ignora não terem sido esses os únicos crimes cometidos no
período. Não foram. Na verdade, a atuação da resistência foi equiparavelmente
tenebrosa. Além de sequestros, assaltos e atentados (que, nunca é demais
lembrar, atingiram inocentes, algo absolutamente ignorado por quem perpetrava
tais atos abjetos), há denúncias recorrentes de execuções sumárias de membros
dos próprios grupos armados que teriam se recusado a participar de ações
criminosas. Isso é muito grave. E tais acusações nunca foram investigadas ou,
ao menos, debatidas a sério. Seria a oportunidade ideal para conhecer esses
abusos. Mas a Comissão da Verdade, de forma sectária, declarou que só analisará
os abusos cometidos por agentes do governo. A Comissão da Verdade, de forma
cínica, mudou a orientação que a presidente do Brasil deu-lhe e resolveu
ignorar os crimes cometidos pela oposição. A Comissão da Verdade, de forma
parcial, optou pela vingança, ao invés de pelo perdão e pela reconciliação. É
algo que envergonha nosso país.
Com a Comissão da Verdade, o Brasil esperava que todos os
relatos de abusos de direitos humanos, cometidos durante o regime militar, não
importa da parte de quem, se os muito conhecidos do governo, ou os pouco
conhecidos da oposição, fossem investigados. Foram crimes bárbaros. Houve
mocinhos e bandidos em ambos os lados – e, para quem sofreu violências, de nada
importa a ideologia dos algozes. Na verdade, não se trata de comparar quem
errou mais. Trata-se, somente, de conhecer os erros para que não sejam mais
cometidos. Ao jogar luz apenas sobre os erros de um lado, a Comissão da Verdade
coloca nas trevas os erros de outro. Difícil pensar em desserviço maior para o
passado e para o futuro do Brasil. Infelizmente, se for para ser assim,
sectária, cínica e vingativa, talvez fosse melhor que a Comissão da Verdade nem
tivesse sido criada. Repito: infelizmente.
Pedro Nascimento Araujo é economista.
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