Por Pedro Nascimento Araújo
Putin I da Rússia anda inquieto. Os protestos contra ele, que voltou a ser presidente em uma eleição eivada de suspeitas de fraude, não arrefecem, apesar de um draconiano aumento nas punições legais para quem protestar. A Rússia se afasta da democracia velozmente, o que não é novidade. A novidade é que o ar de União Soviética se alastra pela política externa russa.
Especificamente, a Rússia, que havia optado somente pela abstenção no caso da intervenção na Líbia após os massacres que Kaddafi promovia contra seu próprio povo, passou a usar seu poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas para evitar ações na Síria. Não deixa de ser curioso: o veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas é uma invenção russa. Foi uma das exigências de Stálin, ditador soviético com milhões de assassinatos no currículo, para que seu país participasse da ONU – outra exigência soviética foi o Brasil não ser membro permanente do Conselho de Segurança, como havia sido proposto pelos Estados Unidos. Sem poder de veto, não haveria União Soviética na ONU; sem União Soviética, a ONU correria o risco de ser uma organização ineficiente, como foi sua antecessora, a Liga das Nações.
Quando a contagem de mortos de al-Assad chega a 15.000 infelizes, em uma chocante média de 1.000 assassinados a cada mês, a Rússia parece perceber que a mudança de regime na Síria é inexorável. Sergey Lavrov, o chanceler russo, declarou que seu país não se oporia a uma eventual saída de al-Assad “se os sírios assim decidirem, sem interferência externa”. Curioso como o chanceler concilia autodeterminação dos povos com interferência externa: a Rússia “não se opor” é interferência explícita. Equivale ao chanceler dizer que a Rússia autoriza que outra pessoa assuma o comando da Síria. Além disso, falar em autodeterminação dos sírios é piada de mau gosto após 4 décadas de ditadura.
A faceta soviética de Putin I fica mais evidente quando a Rússia não quer perder um cliente para o qual vende armas há décadas. Foi com suporte soviético que a Síria se lançou, em consórcio com outros países árabes, em duas guerras para exterminar Israel – e, em ambas, perdeu. Uma eventual democratização síria poderia mudar esse quadro, especialmente se vier a reboque de uma intervenção comandada pela OTAN. O novo governo sírio não se associaria aos amigos do antigo regime. Temendo ficar associada indelevelmente a al-Assad, a Rússia se prepara para apoiar o novo regime e tentar, assim, manter seus negócios. Mais União Soviética, impossível. A velha Rússia está vivíssima. Stálin, certamente, aprovaria.
Pedro Nascimento Araujo é economista.
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