Por Pedro Nascimento Araujo
Ontem, com a confirmação do
registro da candidatura de Alair Corrêa à prefeitura de Cabo Frio nas eleições
de 2012, um persistente boato cabo-friense a respeito de sua inelegibilidade
chegou ao fim. Melhor dizendo: uma fase desse persistente boato chegou ao fim,
porque boatos, teorias conspiratórias e calúnias nunca acabam de fato – no
máximo, como todo mal, ficam soterrados, aguardando uma chance de voltar. Não
será motivo de espanto se esse boato retornar com novas faces, talvez
garantindo que há um impedimento iminente do registro, talvez jurando que o
registro obtido não garante a diplomação em caso de vitória, talvez especulando
que mesmo após haja vitória posse ele não terminará o mandato porque terá o
registro cassado. Boatos, boatos, boatos. Cabo Frio parece adorá-los. Na
campanha de 2008, que opôs o mesmo Alair ao então prefeito e candidato à
reeleição Marquinho Mendes, a julgar pelos boatos, nenhum dos dois teria sido
candidato. Ambos foram. Eu não conheço outra cidade tão suscetível à
disseminação de boatos quanto Cabo Frio, mas afirmar que a cidade é a capital
nacional do boato equivaleria a apresentar um boato de outra forma. Assim,
devido aos boatos que atormentam os cabo-frienses, vou citar alguns casos para
lembrar que o gosto por boatos é uma ancestral tradição nacional (ou melhor,
uma ancestral tradição ibérica, ou, melhor ainda, uma ancestral tradição
mundial, conforme veremos) e que a melhor forma de combater esse mal é com
inteligência e bom humor – ou seja, com sarcasmo.
Primeiro, vamos ao exemplo
nacional. Pero Vaz de Caminha, encarregado de registrar as aventuras daquilo
que seria uma perigosa viagem às Índias, acabou registrando o desembarque das
caravelas de Dom Manoel, Rei de Portugal, no atual território brasileiro.
Eivada de louvações e citações à grandeza do monarca, a quem felicitava pela
nova aquisição territorial, a carta de Caminha era uma boataria explícita, uma
peça de bajulação despudorada para esconder um pedido de apadrinhamento – nela,
o escriba escorria seus elogios à pessoa real, a quem responsabilizava pela
descoberta de uma terra na qual, devido à abundância de água, “em se plantando,
tudo dá” para, no final, pedir ao rei um favor a um aparentado. Por isso,
Caminha descreveu idilicamente a terra e os indígenas. Quando a Coroa mandou
pessoas para avaliar com mais detalhes o novo território, os elogios cessaram.
Infelizmente, ao contrário do relato de Caminha, as cartas posteriores não
foram atualizadas para o português corrente. Pena. Em algumas delas, há ideias
claras daquilo que os portugueses de fato pensavam do país e dos índios, a quem
comparavam aos “chinos” (orientais), chamando-os lenientes, luxuriosos,
desonestos e ociosos, na típica desumanização que prenuncia a escravidão,
desconstruindo o boato de Caminha.
Caminha não foi um inovador; na
verdade, tal boataria era prática corrente também no outro país ibérico. Eis um
dos melhores exemplos: a Argentina. O relato dos primeiros desbravadores do
país vizinho, receosos da reação do Rei da Espanha se descobrisse que sua
expedição, diferentemente dos exploradores da costa do Pacífico, que
localizaram a prata potisina, não achou metais preciosos, é uma deslavada
mentira. O boato enviado ao rei era de que a região onde atualmente fica a
cidade de Buenos Aires era rica em
prata. Um enganado e satisfeito rei mandou nomear o rio que
cortava o lugar de Rio da Prata. O boato nomeou o rio e o país, que não possui
um grama de prata – Argentina vem do latim argentum, que quer dizer exatamente
prata.
No plano mundial, há exemplos
inusitados. O mais famoso prêmio do mundo, o Prêmio Nobel da Paz, surgiu de um
boato. O cientista sueco Alfred Nobel, inventor do explosivo trinitrotolueno
(TNT), foi vítima de um boato sobre sua morte. Ele estava na França quando,
lendo os jornais parisienses do dia, percebeu que noticiavam sua morte. Nobel viu,
também, que, ao invés de lamentarem sua morte, os jornais, em seus editoriais,
diziam que o mundo estava melhor sem ele, inventor que enriqueceu produzindo
uma substância que facilitava a guerra. Chocado com o que o mundo pensava dele,
Nobel resolveu usar sua fortuna para criar uma fundação que premiasse invenções
que beneficiassem a humanidade e, de quebra, garantissem a ele, além de um
epitáfio mais favorável, um legado mais positivo. Deu certo.
Para encerrar essa viagem a
boatos, selecionei uma história curta e divertida, que ilustra uma excelente
resposta a um boato. O escritor americano Mark Twain, codinome de Samuel
Clemens, autor de “As Aventuras de Tom Sawyer” e “As Aventuras de Huckleberry
Finn”, uma vez recebeu, nos Estados Unidos, um jornal londrino que dava notícia
de sua morte. O escritor, ao invés de protestar, não se fez de rogado. Ele
entrou em contato com editores, se identificando e dizendo apenas que
considerava “exagerados” os rumores a respeito de sua morte. Eis a lição de
Mark Twain. Contra os boatos, que apenas ferem e nada constroem, talvez a
melhor reação seja essa: uma resposta inteligente – e sarcástica.
Pedro Nascimento Araujo é
economista
Comentários
Postar um comentário