Por Pedro Nascimento Araujo
O Superior Tribunal de Justiça
(STJ), corte formada por 23 ministros, é responsável pelo entendimento de
legislação infraconstitucional. Diferencia-se, assim, do Supremo Tribunal
Federal (STF), corte formada por 11 ministros e responsável pelo entendimento
da própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Na última
semana, o STJ chegou lançou um desastre que responde pelo nome de Súmula 492.
Vale a pena conhecer esse desastre.
Em linhas gerais, a Súmula 492
proíbe juízes de primeira instância de prender traficantes menores de 18 anos.
Nas palavras do STJ, “o ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si
só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de
internação do adolescente” – em outras palavras, enquanto maiores de idade
flagrados traficando entorpecentes são necessariamente presos, menores de idade
nem ao menos são necessariamente sujeitos às tais “medidas socioeducativas”.
Chamar tal disparate de soco no queixo da sociedade é elogio.
A Súmula 492 do STJ é, em última
análise, um resultado dramático da Lei 8069 de 1990, mais conhecido como
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O ECA, em alguns artigos, parece
ter talhado sob medida para impedir a detenção de menores infratores.
Especificamente, tal lei determina, em seu Artigo 122, que a internação de menores somente
pode ser efetuada quando há infração com violência. Assim, se o menor for
flagrado apenas traficando drogas, independentemente da quantidade, ele não
mais poderá ser detido via internação. Se isso não é um salvo-conduto para que
menores de idade passem a traficar impunemente, então eu não sei mais o que
pode ser.
Curiosamente, o mesmo ECA prevê,
detenção no caso de reincidência da infração – que, em uma subversão dupla do
bom senso e da língua portuguesa, o STJ, na Súmula 492, entende ocorrer apenas
depois da terceira vez – ou de reiterados descumprimentos de medidas
disciplinares anteriores. Na prática? Se for menor de idade, o STJ permite
traficar e ser flagrado até 3 vezes antes de deter. Ou então descumprir as
punições que a justiça ordenar até que algum juiz delibere que tais
descumprimentos são “reiterados”.
A parte mais triste, embora
involuntariamente cômica, da Súmula 492 reside nas justificativas que os
ministros apresentam nos processos que concorreram para a formação do disparate
que produziram. No julgamento do Habeas Corpus 229 303, o ministro Marco
Aurélio Bellizze, julgando um menor detido com 16 pedras de crack,
recomendou uma medida menos onerosa para a liberdade do menor. Para o ministro
Bellizze, é um absurdo deter um jovem que vende crack. Para o ministro
Bellizze, o correto é deixar o aprendiz de traficante solto e forçá-lo a
assistir algumas palestras educativas. Não, não é piada. Esse foi o voto do
ministro Bellizze. Acha que terminou? Pois saiba que o ministro Gilson Dipp, no
julgamento do Habeas Corpus 213 778, considerou que traficar drogas não
configura grave ameaça. São peças de um humor involuntário que não tem a menor
graça. A existência da Súmula 492 é uma vergonha para o STJ. E uma tristeza
para a sociedade brasileira.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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