Por Pedro Nascimento Araujo
Chega ao fim hoje, caso nenhuma
liminar de ocasião determine o contrário, um imbróglio que se arrasta desde
1978, quando a prefeitura de São José (SP) autorizou o loteamento de uma antiga
fazenda, com área de 1,3 milhão de quilômetros quadrados. O local, conhecido
como Pinheirinho, previa a construção de 5 140 residências e foi comprado pela
Selecta, empresa do controverso empresário libanês naturalizado brasileiro Naji
Nahas no ano de 1981. Após a ruidosa falência de Nahas – que levou consigo a
Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, em um escândalo que eclodiu em 1989. O
terreno foi invadido em 2004. Desde então, a massa falida da Selecta vem
tentando a reintegração de posse, que finalmente parece inexorável. É um caso
exemplar de como corrupção, inoperância legal e populismo constituem um aleijão
para o Brasil.
Primeiro, a corrupção. Naji
Nahas, sócio da Selecta, fez fortuna em uma época na qual os mercados
acionários eram, no mínimo, permissivos. Àquela época, a Bolsa de Valores do
Rio de Janeiro (BVRJ) rivalizava com a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa)
em termos de importância – hoje, a BVRJ é parte de um conglomerado que inclui
também a Bovespa, que concentra o mercado acionário nacional, e a Bolsa de
Mercadorias & Futuros (BMF), ambas sediadas em São Paulo, cidade que se
consolidou como centro financeiro do Brasil. Até o final dos anos 1980, uma
operação ilegal e imoral era tolerada pelas administrações das bolsas de
valores mediante corrupção. Trata-se de um esquema conhecido no jargão do
mercado como “Zé-Com-Zé”, no qual investidores inescrupulosos aumentavam
artificialmente o preço de ações através da simulação de compras e vendas. Na
prática, tais transações não ocorriam, mas a movimentação dos papéis gerava
aumento no preço deles, que, após um ou dois dias, eram vendidos a preços
maiores no mercado, gerando lucros para os artífices do “Zé-Com-Zé”. Quando,
finalmente, na esteira do Plano Brasil Novo (mais conhecido como Plano Collor),
os bancos que forneciam os créditos fictícios para “Zé-Com-Zé” começaram a não
mais fazê-lo, Nahas estava tão alavancado que sua quebra foi o estopim da
bancarrota da BVRJ. Em abril de 1990,
a Selecta decreta falência.
A massa falida da empresa teria a
função de angariar o máximo de ativos possível para pagar os débitos pendentes
da Selecta – créditos trabalhistas e previdenciários, credores, impostos etc.
Dentre os ativos da antiga empresa de Nahas, estava o tal terreno em São José. A
inoperância legal foi tamanha que, até 2004, a venda do terreno para quitação das
dividas ainda não havia sido realizada. E, então, o elemento populismo fecha a
fórmula do atraso, quando invasores, apoiados por entidades e políticos ligados
aos autointitulados “movimentos sociais” e não necessariamente desprovidos de
moradia, invadiram o terreno da Selecta. Para tais políticos, o futuro das
pessoas que tinham créditos trabalhistas a receber da Selecta não importava,
bem como não importava que a “solução” de favelizar (segundo Darcy Ribeiro,
ex-vice-governador do Rio de Janeiro) seja apenas um modo de, sem resolver o
problema do déficit habitacional, ganhar votos.
Após uma violenta reintegração de
posse em janeiro, em um dos mais tristes espetáculos populistas dos últimos
tempos, com políticos tentando incriminar o prefeito de São Paulo, Gilberto
Kassab, por enfrentamentos ocorridos em São José (outro município) entre populares
armados e policiais militares apoiados por guardas civis metropolitanos que foram
cumprir decisão judicial, finalmente os 1,3 milhão de quilômetros quadrados do
Pinheirinho, propriedade da massa falida da Selecta, empresa que pertenceu a
Naji Nahas, deixaram de ser ocupados por aproximadamente 5 mil pessoas e serão
vendidos. A expectativa de arrecadação bate em mais de R$ 200 milhões, dinheiro
que será utilizado para pagar obrigações não honradas pela empresa, como
créditos trabalhistas e previdenciários, e que ajudará a reduzir os prejuízos
daqueles que trabalharam para a empresa e tiveram seus direitos lesados. É
justo e necessário. Sobre acabar com o déficit habitacional e a submoradia
brasileiros, problema subjacente que permite que populistas explorem
brasileiros desassistidos, nem uma menção foi feita por nenhum político. Fingir
que esse problema não existe é injusto.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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