Por Pedro Nascimento Araujo
A última semana foi, no mínimo,
curiosa em um aspecto: dois Ministros, o da Fazenda (Guido Mantega) e das
Relações Exteriores (Antonio Patriota), provaram que são os homens certos, mas
exatamente nos lugares errados. O titular das Relações Exteriores, que dá
expediente no Bloco H da Esplanada dos Ministérios (o Palácio dos Arcos, nome
original, ou Palácio do Itamaraty, nome da antiga sede no Rio de Janeiro que
pegou na nova sede em Brasília), tem todas as qualidades para ficar à frente do
Bloco P, local de lida do Ministro da Fazenda. E vice-versa, conforme veremos a
seguir.
Um Ministro das Relações
Exteriores tem um dos mais difíceis postos na estrutura ministerial brasileira
– se não o mais. Embora o cargo carregue uma aura de sofisticação no imaginário
popular (o Palácio do Itamaraty é um dos dois únicos Ministérios que não têm
aquele design de conjunto habitacional siberiano da era soviética, a rotina é
carregada de recepções, de viagens etc.), o trabalho do Chanceler, na prática,
se diferencia dos demais Ministros por ter menor liberdade de ação: sua função
é representar o que a Presidência da República, discricionariamente, determina
para as relações internacionais do Brasil. Evidentemente, todos os demais
Ministros também têm preceitos legais e burocráticos a seguir, mas, ao menos,
dentro dos limites que a Presidência da República determinou como linhas
mestras, eles têm muito mais chances de deixar suas marcas pessoais, de acordo
com as suas convicções, crenças e formações. Nesse diapasão, o Ministro das
Relações Exteriores não tem muita liberdade de ação.
Por outro lado, no que diz
respeito às aparições públicas, o Ministro das Relações Exteriores, por ser o
representante direto da República Federativa do Brasil no mundo, tem de falar
sempre que é necessário que o país afirme suas posições perante a comunidade
internacional – ou seja, tem de falar muito. Mais do que isso, tem de ser um
mestre em malabarismos verbais, pois caberá a ele explicar as reações
conflitantes que qualquer país toma em resposta ao mesmo fato internacional,
desde que cometido por um aliado ou por um oponente. É uma arte: dizer,
desdizer, redizer; justificar sem explicar, afirmar sem concordar, negar sem
discordar. Quando o Congresso do Paraguai aprovou o impeachment do Presidente
Fernando Lugo, o Brasil considerou que houve ruptura da ordem democrática.
Quando o Congresso da Venezuela estendeu o mandato do Vice Presidente Nicolás
Maduro, que não foi eleito, sem dar posse para o Presidente reeleito Hugo
Chávez, o Brasil considerou que não houve ruptura da ordem democrática.
Decididamente, ser Ministro das Relações Exteriores é um trabalho para quem
gosta de falar muito. Antonio Patriota não gosta.
Já o Ministro da Fazenda deve
falar o mínimo possível. A rigor, há uma velha blague entre economistas que diz
que, quando o povo de um país conhece seu Ministro da Fazenda, é sinal de que a
economia vai mal; afinal, quando o Ministro da Fazenda aparece na mídia, nunca
é para dar boas notícias – isso, quem faz, é a Presidência da República.
Ministro da Fazenda não deve falar – quando não, ao menos porque suas falas
afetam os mercados, com potencial de fazer (ou destruir) fortunas em um dia com
mudanças, digamos, nas taxas de câmbio ou de juros. Decididamente, ser Ministro
da Fazenda é um trabalho para quem não gosta de falar muito. Guido Mantega
gosta. Nenhuma novidade. O Ministro da Fazenda é um especialista em repetir ad
nauseam o que quer que a Presidência da República pense – quando Lula da Silva
era seu chefe, defendia com unhas e dentes as opiniões do Presidente da
República; quando Dilma Rousseff assumiu, não se fez de rogado em se desdizer e
passou a defender, com as mesmas unhas e os mesmos dentes, a opinião da nova
chefe. Guido Mantega está sempre pronto para defender opiniões que não são
suas. Nessa semana, o Ministro da Fazenda opinou novamente sobre inflação –
atribuição do Banco Central no regime de metas inflacionárias – e sobre as
taxas de câmbio e de juros, afetando as expectativas do mercado. Guido Mantega
deveria ter ficado calado, mas falou.
Nessa mesma última semana,
Antonio Patriota calou-se sobre o episódio, já bastante analisado por
colunistas do Brasil inteiro, acerca da patética claque comunista que agrediu a
blogueira cubana Yoani Sánchez: antes da chegada dela ao país, houve uma
afronta diplomática à República Federativa do Brasil – Carlos Rodríguez,
Embaixador da República de Cuba no Brasil, violou abertamente o Artigo 41 da
Convenção de Viena Sobre Relações Diplomáticas de 1961 ao imiscuir-se em
assuntos internos do Brasil, utilizar a missão diplomática para atividades
políticas incompatíveis com sua função e não notificar o Ministério das
Relações Exteriores de sua reunião com Ricardo Poppi, funcionário do Palácio do
Planalto, em horário de trabalho. Antonio Patriota deveria ter falado, mas não
falou.
A solução que proponho é bastante
simples: Antonio Patriota e Guido Mantega trocam de lugares na Esplanada dos
Ministérios: o do Bloco H para o Bloco P e vice-versa. Guido Mantega ficaria
melhor no Bloco H da Esplanada dos Ministérios do que está sendo no Bloco P – o
Brasil ficaria melhor com um Ministro das Relações Exteriores que fala. Antonio
Patriota ficaria melhor no Bloco P da Esplanada dos Ministérios do que está
sendo no Bloco H – o Brasil ficaria melhor com um Ministro da Fazenda que não
fala. Fica a dica.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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