Por Pedro Nascimento Araújo
O Século XX não conheceu uma
mulher como Margaret Thatcher. Primeira – e, até agora, única – mulher a ser
Premier do Reino Unido, a Dama de Ferro conseguiu a proeza de inscrever seu
nome na história do Século XX ao lado de grandes líderes políticos mundiais
defensores da liberdade, da paz e da democracia como Woodrow Wilson, Franklin
Delano Roosevelt, Winston Spencer Churchill, Konrad Adenauer, Lech Walesa,
Václav Havel, Ronald Reagan e Papa João Paulo II. Ao lado destes dois últimos,
a Baronesa Thatcher foi fundamental para que, no mundo de hoje, a maioria das
pessoas viva sob democracia – uma leitura imprescindível para entender os
papéis de Thatcher, de Reagan e de João Paulo II na queda do comunismo é “The
President, The Pope, And The Prime Minister – Three Who Changed The World”,
livro de John O’Sullivan sem tradução para o português. O próprio apodo Dama de
Ferro é revelador do seu caráter e do seu poder; na Europa, apenas Otto von
Bismarck havia sido digno de ser chamado de forma semelhante – ele era o
“Chanceler de Ferro” e simplesmente mudou as políticas regional e mundial com a
unificação da Alemanha (sob comando prussiano) e com sua Realpolitik no Século
XIX. No mundo atual, apenas uma pessoa (por acaso, outra mulher) poderá ser
capaz de, no futuro, merecer honraria semelhante: Angela Merkel. Mas a história
de Merkel ainda está sendo escrita, ao passo que a de Thatcher se encerrou esta
semana.
Lady Thatcher não foi apenas a
primeira mulher a residir no famoso Número 10 de Downing Street, residência
oficial do Primeiro ministro do Reino Unido, mas foi também, com exceção apenas
de Churchill, a mais corajosa pessoa a habitar naquele endereço no Século XX.
Assim como Churchill, famoso por dizer aos seus compatriotas que não poderia
prometer nada além de “sangue, suor, trabalho duro e lágrimas” na luta contra
os totalitarismos nazista e comunista (seu antecessor, Neville Chamberlain,
preferiu a infame “Política do Apaziguamento” para, entre outras coisas, manter
a popularidade em alta), Thatcher teve a coragem de se indispor com os
sindicatos que colocavam os cidadãos do Reino Unido refém de suas agendas, de
cortar despesas do próprio governo britânico ao extinguir quase 90% dos cargos
de confiança de nomeação livre, reduziu a dívida pública em quase 40% e fez um
programa de modernização econômica (privatizações, concessões, abertura de
mercados e reformas fiscal e tributária, entre outras) que permitiu ao Reino
Unido deixar de ser a piada da Europa para retomar o papel de dinamismo e de
liderança que sempre teve desde que outra mulher, a Rainha Elizabeth I,
derroutou a Armada Espanhola que tentou invadir a Inglaterra em 1588.
A participação do Reino Unido na
Guerra das Falklands em 1982 foi uma lição de determinação da Dama de Ferro.
Como é mais do que sabido, o grande erro da ditadura argentina foi não perceber
quem estava no comando do Número 10. Thatcher nunca buscou o aplauso fácil em
casa – se indispôs com muitos eleitores porque acreditava que o melhor para o
futuro do país significava contrariar interesses particulares cujo benefício
para a totalidade seria pequeno, mas cujo prejuízo para aqueles que o perdessem
seriam enormes – e, portanto, não deixaria de utilizar todos os meios para
defender seu país, ainda que a alguns milhares de milhas náuticas de distância.
Muitos analistas políticos, dentre eles o próprio O’Sullivan, concordam que a
vitória britânica de 1982, ocorrida no período mais complicado das reformas de
Thatcher, deu à Dama de Ferro capital político para prosseguir aprofundando sua
agenda. O resultado foi que ela pôde não apenas reerguer o Reino Unido e
prepará-lo para os desafios do Século XXI como também se cacifar a participar
como protagonista das grandes agendas políticas de sua época: derrotar o
Império Soviético (consequência: reunificação da Alemanha) e preparar o Tratado
de Maastricht, marco da União Europeia. Curiosamente, Thatcher, uma eurocética
que não via com bons olhos uma Alemanha reunificada (não estava sozinha:
François Miterrand também não queria o gigante bismarkiano renascer com força total
na sua fronteira de sua França, o que ensejou uma piada entre os dois:
“Gostamos tanto da Alemanha que queremos ter duas!”), acabou, por força das
circunstâncias, tendo papel importante no aprofundamento da União Europeia e
ajudando na reunificação da Alemanha.
Uma mulher e tanto, essa Margaret
Thatcher. Há mais de 2 décadas fora do poder, sua sombra ainda ecoa no Reino
Unido. É assim com grandes líderes. Controvérsia, sempre haverá. Há quem a
defenda com unhas e dentes na mesma proporção de quem a ataque com as mesmas
unhas e os mesmos dentes. O mesmo é válido para todos os nomes que citei como
seus contemporâneos e parceiros na luta por democracia, por paz, por direitos
humanos e por liberdade, Ronald Reagan e João Paulo II. Como eles, Lady Thatcher
não teve medo de ser impopular. Seu medo era não fazer aquilo que achava certo.
Em vida, foi muito criticada e atacada – literalmente, inclusive: o IRA plantou
uma bomba no hotel em que ela estava em Brighton em 1984, mas não conseguiu
atingi-la – e, agora, em morte, continuará a sê-lo; mais uma vez, exatamente
como ocorreu com seus companheiros Ronald Reagan e João Paulo II. Porém, sua
maior virtude foi pensar e agir como uma verdadeira estadista: sua agenda era
sempre o que ela considerava ser melhor para seu país e seu povo, não o que era
melhor para seu futuro político. Registre-se: a Dama de Ferro jamais faria “o
diabo” para se reeleger, como na tristemente famosa frase da presidente Dilma
Rousseff – e essa é sua grandeza, algo que até seus adversários, que discordam
visceralmente das soluções que ela propôs e adotou, reconhecem. É por isso que
a Baronesa Thatcher pode frequentar o panteão dos grandes líderes políticos do
Século XX ao lado de nomes como Woodrow Wilson, Franklin Delano Roosevelt, Winston
Spencer Churchill, Konrad Adenauer, Lech Walesa, Václav Havel, Ronald Reagan e
Papa João Paulo II: ela é um deles. Descanse em paz, Lady Thatcher. Você é
exemplo e inspiração.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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