Por Pedro Nascimento Araujo
Em 1990, a inflação brasileira
chegou a inacreditáveis 2% ao dia. Naquela época, após uma enxurrada de planos
econômicos desastrados (Plano Cruzado, Plano Verão e Plano Bresser), ninguém
sério acreditaria que em 1998
a inflação seria de 1,65% ao ano. O Plano Real, que se
utilizou de lições aprendidas com os erros de seus antecessores, foi um
daqueles momentos que mudam a relação de um povo com seus governantes: nenhum
partido político quer ficar estigmatizado como o responsável por trazer o
dragão da inflação de volta à vida e não é diferente com o Partido dos
Trabalhadores, no poder desde 2003. Dilma Rousseff, todavia, parece ignora o
lema em latim da fictícia Hogwarts, escola de bruxaria tornada mundialmente
famosa na série de livros Harry Potter: nunca cutuque um dragão adormecido.
A primeira coisa a notar é que o
modo mais garantido para ressuscitar o dragão é a reindexação. Esta, também é
conveniente lembrar, era uma proposta que ninguém teve coragem de fazer desde
que ficou claro que o Plano Real deu certo. Todavia, nas festividades do Dia do
Trabalho de 2013, o deputado Paulinho da Força (PDT-SP) pediu a volta de um
corretor automático de salários – um eufemismo para reindexação – cuja melhor
alegoria é propor dar uma dose de cachaça para acalmar um alcoólatra que acabou
de passar por um momento traumatizante: desastre certo.
Paulinho da Força, evidentemente,
não é maluco e sabia muito bem o que estava propondo: a inflação voltou ao
debate político nacional. O catalizador é o fato de, nos últimos 12 meses, a
inflação ter ficado acima do teto da meta (6,5%). É um número muito alto, sem
dúvidas, mas, em 2002, último ano da gestão de Fernando Henrique Cardoso, a
inflação foi quase o dobro: 12,5%. Lula da Silva, antecessor de Dilma Rousseff,
encerrou seu primeiro ano com inflação de 9,3% – quase 50% a mais do que os
6,59% que geraram tanta comoção em 2013. Ainda que a inflação atual não seja o
maior número que tivemos nessas duas décadas de estabilidade, Paulinho da Força
não propôs reindexação quando Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva tiveram
inflações bem maiores que esta de Dilma Rousseff. Por que agora ele fez isso?
Simplesmente, Paulinho da Força propôs a reindexação agora porque ele acha que
não há interesse de Dilma Rousseff em combater a inflação. Paulinho da Força,
como a criança na velha fábula, apenas verbalizou que o rei estava desfilando
desnudo: não foi ele quem convenceu o monarca a comprar engodo do tecido
invisível.
O mercado financeiro não é
diferente de nenhum outro coletivo humano – como nos demais, lá se trabalha com
impressões derivadas mais de atitudes que de discursos. Assim, importa menos o
que a presidente Dilma Rousseff diz em relação ao combate à inflação que o que
ela efetivamente faz. E, assim, chegamos ao cerne do problema: Dilma Rousseff
não está disposta a sacrificar sua popularidade para manter o dragão fora de
combate. Quando Fernando Henrique Cardoso sofreu 12,5% de inflação em 2002,
ninguém duvidou que ele preferisse combater a inflação decorrente do abandono
da Âncora Cambial a tomar medidas populistas para eleger José Serra seu
sucessor. Lula da Silva, quando assumiu, foi mais real que o rei e colocou o
oposicionista Henrique Meirelles no comando do Banco Central do Brasil para
garantir que o dragão fosse debelado, ainda que isso custasse sua popularidade
no início do seu governo. Dilma Rousseff, que já declarou que fará “o diabo”
para se reeleger, tem deixado claro que não fará nada equivalente. É a senha
para Paulinho da Força propor reindexação. Naturalmente, o governo não cedeu às
pressões e, por ora, a reindexação não faz parte do cardápio. Mas, se os
agentes continuarem a ter a certeza de que Dilma Rousseff não vai parar de
importunar o dragão adormecido, novas propostas virão. Com o tempo, o
inconveniente vira possibilidade. Se a postura não mudar, a possibilidade vira
desejo. Para o Brasil, viciado em inflação durante décadas, o desejo da
primeira dose de reindexação é forte demais. O Brasil é maior que sua
popularidade, mas, se a senhora trouxer a fera de volta à ativa, a primeira
vítima será sua biografia. Não cutuque o dragão adormecido, senhora presidente.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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