Por Pedro Nascimento Araujo
Os números não são nada
alvissareiros. Más notícias se acumulam: déficit, perda de credibilidade
internacional, greves. Protestos nas ruas, choques entre manifestantes e
policiais. A economia não cresce há alguns anos. A inflação está em alta. Na bolsa de
valores, recordes de baixa se sucedem. A popularidade do governo cai. Em suma,
não se fala de outra coisa nos jornais a não ser em crise. E, então, o
responsável pela condução da economia do país é perguntado por jornalistas
acerca do que fará para enfrentar a crise. Sua resposta? Ele diz que não há
crise, que essa é apenas uma visão mesquinha de parte da imprensa. No dia
seguinte, as bancas estampam a manchete que faz história: “Crisis? What
crisis?” Ou, na versão brasileira: “Crise? Onde está a crise?”
O momento acima descrito ocorreu
no Reino Unido no ano de 1979. O responsável pela economia era o Premier
britânico, Lord James “Jim” Callaghan. O jornal que colocou “Crisis? What
crisis?” na capa foi o The Sun, um dos mais influentes periódicos britânicos. A
manchete do dia 10 de janeiro de 1979 virou ícone mundial. Abaixo dela, o The
Sun destacava: “Jim culpa a imprensa”. O inverno entre 1978 e 1979 ficou
conhecido como o Inverno do Descontentamento e foi crucial para a ascensão de
Margareth Thatcher ao poder. O resto é história: Lady Thatcher fez o que
deveria ser feito, admitindo a gravidade dos problemas que afligiam os
britânicos e os enfrentando. Ela entrou para a história pela porta da frente;
Callagham, aquele que se negava a admitir que houvesse crise mesmo quando a
crise estava em seu apogeu, virou nota de rodapé.
O Brasil teve seu momento
“Crisis? What crisis?” na semana passada. Na versão brasileira, Guido Mantega,
o responsável pela política econômica brasileira, foi perguntado no dia 11 de
junho de 2013 a
respeito da crise econômica. Foi quando Mantega teve seu momento Callaghan e
respondeu: “Crise? Onde está a crise?”. Esta foi uma daquelas frases nas quais
um político pensa estar passando segurança, mas passa mais insegurança. Pensa
estar sendo forte, mas está sendo fraco. “Onde está a crise?” é uma frase que
tem potencial assombrá-lo muitas vezes, forçando-o a explicá-la anos após tê-la
proferido. Porque é uma frase intrinsecamente infeliz: revela insensibilidade.
Mais que insensibilidade, revela arrogância: desnuda cruamente o tamanho das
diferenças entre o mundo de fantasia no qual ele vive e o mundo real no qual os
demais brasileiros vivem.
Já escrevi mais de uma vez que
Guido Mantega fala demais. Exemplos há aos montes: um dos melhores foi em 2012,
quando ele disse que as previsões de que o PIB iria crescer 1,5% naquele ano
eram “uma piada” – e o PIB cresceu menos de 1% em 2012. De fato, falar demais é
um grande defeito dele, mas é necessário acrescentar que, além de falar demais,
ele tem uma inclinação irresistível: falar o que não deveria falar. Com a
inflação no teto do limite de tolerância da meta, com protestos contra aumentos
nas passagens urbanas varrendo o país, com o Brasil entrando no terceiro ano de
crescimento pífio, com o dólar em disparada e com a Standard & Poors
colocando os títulos brasileiros em viés de baixa, até o Ministro da Fazenda
sabe onde está a crise. Então, por que não agir com a maturidade, o respeito e
a responsabilidade que o cargo exige e admitir a existência o problema? É o
primeiro passo para resolvê-lo. Se o fizesse, angariaria o apoio dos
brasileiros em tal jornada, pois todos sabemos o quão difícil é enfrentar uma
crise – e, ao perceber que o governo está fazendo esforços sinceros para
debelá-la, não nos furtaríamos a aceitar alguns sacrifícios momentâneos. Porem,
quando o governo finge não haver crise, a mensagem que o Ministro da Fazenda
passa é simplesmente essa: não apenas não mudarei nada, como ainda debocho das
preocupações do povo. Patético, tanto para Lord Callaghan e os britânicos em
1979 quanto para Guido Mantega e os brasileiros em 2013.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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