Por Pedro Nascimento
Araujo
Momentos nos quais o povo vai às ruas
reivindicar seus direitos são particularmente marcantes. Os protestos
registrados em cidades brasileiras nas últimas semanas não são exceção. O
estopim, como sói ser em momentos assim, é apenas a faísca no paiol. Em 2011,
um homem se imolando na Tunísia foi o marco zero da Primavera Árabe, na qual as
pessoas nas ruas conseguiram retirar alguns tiranos do poder, em um processo
ainda em desenvolvimento. Em 1914, o assassinato de Francisco Ferdinando,
arquiduque da Áustria (um Habsburgo), por um anarquista sérvio de 20 anos
(Gavrilo Princip), desencadeou a Grande Guerra e o mundo nunca mais foi o
mesmo. A dimensão das mudanças que um ato isolado coloca em marcha pode ser
devastadora, para o bem (Primavera Árabe) ou para o mal (I Guerra Mundial).
Todavia, são apenas estopins. Os barris de pólvora só precisavam de uma faísca.
Como os proverbiais 20 centavos de aumento nos preços dos ônibus no Rio de
Janeiro e em São Paulo.
Evidentemente, conquanto ainda não seja
possível divisar quais serão as implicações de médio e longo prazo da revolta
popular – o paiol é grande! – há as implicações de curto prazo: os execrados
aumentos de 20 centavos e seus congêneres desapareceram. A Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) 37, que visa retirar poderes investigativos do Ministério
Público (o maior avanço institucional que a Carta de 1988 legou ao Brasil)
dificilmente passará. A presidente Dilma Rousseff anunciou que voltará atrás na
sua espúria decisão de tornar secretos seus gastos em viagens. Em suma, o grito
do povo foi ouvido. Isso não é pouca coisa. Até porque esse foi um grito
diferente de todos os outros: foi do povo, mesmo. Pela primeira vez, nada das
bandeiras (PCdoB, CUT, PT etc.) de sempre se destacando nos protestos. Pela
primeira vez, nada de políticos discursando em carros de som de sindicatos.
Pela primeira vez, nada de vermelho: o coro “Sem partido!” era ouvido cada vez
que alguém da CUT tentava levantar suas bandeiras. Como sempre, eles se
recusavam a ouvir os pedidos; porém, dessa vez, foram literalmente expulsos
pela multidão. Isso também não é pouca coisa: o auriverde, do Brasil, assumiu
trono; o vermelho, da finada União Soviética, foi deposto. O coro de “Vem pra
rua!”, na prática, virou “Vem pra rua! Sem vermelho!” pela ação popular.
Brasileiros, não importa se liberais ou conservadores, marcharam juntos sem que
os aproveitadores de sempre pudessem praticar seu oportunismo político e se
apropriar da vontade do povo. Isso é muita coisa.
Se essa tendência se confirmar (ou seja,
se CUT, PT, PCdoB etc. não mais se apropriarem das manifestações populares), o
povo do Brasil terá atingido um nível de maturidade política inédita. A
legitimidade é muito maior quando não há um grupo político à frente dos
protestos porque todos os políticos se sentem pressionados igualmente: ninguém
pode aproveitar a voz das ruas para obter dividendos políticos. Assim, talvez
já estejamos vivenciando um grande efeito de longo prazo decorrentes das
manifestações, o povo brasileiro se recusando a deixar que políticos sequestrem
sua indignação. Demorou, mas finalmente aconteceu: amadurecemos politicamente.
Aprendemos na rua, sem vermelho.
Pedro Nascimento Araujo é economista.
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