Por Pedro Nascimento Araujo
A desaceleração econômica recente
no Brasil é, em boa medida, resultado de má coordenação de políticas econômicas
e de uma estratégia confusa, que não foi devidamente sinalizada aos agentes
econômicos. A frase anterior pertence a um artigo denominado “Consequências do
Senhor Mantega”, que, obviamente, pede de forma nada sutil a saída do atual
Ministro da Fazenda. Foi publicado no Valor Econômico de 12 de Julho de 2013
pela, pasmem, Associação Keynesiana Brasileira.
Antes de prosseguir, uma
necessária digressão acerca das principais escolas de pensamento econômico:
clássicos, keynesianos e estruturalistas. Simplificadamente, os economistas
clássicos (e neoclássicos também) acreditam que as falhas do mercado são
corrigidas pelo próprio mercado e que a interferência do governo apenas piora
as coisas. Para os clássicos, inflação é sempre intolerável e o protecionismo
gera apenas ineficiência. Já os economistas keynesianos (e neokeynesianos
também) são, por definição, favoráveis à intervenção estatal na economia. O
pensamento de Lorde Keynes (inspirador do nome keynesianos) era bem claro: as
estruturas de mercado possuem falhas intrínsecas que podem ser corrigidas pela
atuação do governo. Para os keynesianos, um pouco de inflação é tolerável e o
protecionismo é útil para promover o desenvolvimento. Por fim, economistas
estruturalistas (ou cepalinos, referência à CEPAL (Comissão Econômica para a
América Latina), entendem que o subdesenvolvimento na América Latina era
estrutural, decorrente da deterioração dos termos de trocas de economias
exportadoras de commodities e importadoras de manufaturados. Para eles, sem
industrialização o subdesenvolvimento nunca seria superado: foi esse o modelo
que o Brasil adotou nos anos 1960 e 1970 e que nos legou a Década Perdida de
1980: hiperinflação, desemprego crônico, mercado fechado com produtos caros e
ruins – o melhor exemplo eram as “carroças”, termo que Collor de Mello usava
para se referir aos automóveis brasileiros de antes da abertura do mercado em
1990. Resumindo, um economista ou é clássico, ou é keynesiano ou é
estruturalista. Como água e óleo, as categorias não se combinam. Digressão
concluída, podemos prosseguir.
À primeira vista, o governo da
presidente Dilma Rousseff é keynesiano. Lula da Silva, seu antecessor, foi
clássico e não mexeu no chamado tripé macroeconômico que recebeu de Fernando
Henrique Cardoso: metas de inflação, câmbio flutuante e disciplina fiscal – os
arroubos mais keynesianos ou estruturalistas de economistas como Luiz Gonzaga
Belluzzo e outros que seguiam o pensamento da foram devidamente ignorados.
Dilma Rousseff não fez o mesmo. Deu carta branca para a turma de Guido Mantega,
que conseguiu a maior proeza em termos de arrogância econômica: criar a Nova
Matriz Econômica, algo que eles imaginavam ser uma aplicação do pensamento
keynesiano. Não era, ao menos de acordo com o dito pela Associação Keynesiana
Brasileira, que, no artigo supracitado, afirmou que a política econômica de
Guido Mantega “está longe de poder ser definida como uma política genuinamente
keynesiana”. Na Nova Matriz Econômica, o governo abandonou o tripé
macroeconômico: a inflação estourou o limite da meta, o câmbio tornou-se
semifixo e a disciplina fiscal foi abandonada.
Eis o ponto: se a política
econômica atual não é keynesiana – e quem diz isso é a Associação Keynesiana
Brasileira – então ela só poderia ser clássica ou estruturalista. Mas também
não é. Se fosse estruturalista, o Brasil teria implantado reservas de mercado e
barreiras à importação. Não é o caso. Por mais que haja críticas à maneira como
o país conduz seu comércio internacional, ninguém em sã consciência imagina
Dilma Rousseff anunciando a proibição da importação de produtos de informática
e nos obrigando a comprar notebooks e tablets de uma estatal criada para
produzi-los, como a infame Cobra – algo que o Brasil chegou a fazer quando os
cepalinos davam as cartas na política econômica nos tristes anos 1980 e a FIESP
(Federação das Indústrias de São Paulo, mais poderosa associação patronal do
Brasil) enriquecia vendendo produtos caros e ruins para os brasileiros graças
às barreiras à entrada de concorrentes internacionais. Talvez a mais
emblemática prova de que a atual política econômica não é estruturalista seja a
seguinte declaração de que o Brasil precisa se “libertar desta camisa de força
que é o Mercosul, porque não vamos concluir nenhum acordo de livre comércio
tendo a Argentina e a Venezuela como parceiros”. Quem falou isso? A FIESP, quando
entregou uma carta à presidente Dilma Rousseff pedindo mais livre comércio
urgentemente. Se isso não é prova inequívoca de que os tempos mudaram e que a
visão cepalina do estruturalismo somente existe nas cabeças fossilizadas entre
as décadas de 1950 e de 1980 de alguns economistas, então nada mais o é.
Restaria, por fim, o classicismo, mas o simples abandono do tripé
macroeconômico e a patética tentativa de criar a Nova Matriz Econômica
subvertendo exatamente a lógica classicista já são elementos mais que
suficientes para nem considerar a sério tal hipótese.
Assim, retornamos à pergunta
inicial: é a política econômica brasileira? Não há resposta porque simplesmente
não há política econômica brasileira. É triste, muito triste, mas não há. Há
improviso. Há oportunismo. Há demagogia. Em suma, há uma bagunça infernal – o
que não há é norte. Se um bando de estudantes do primeiro ano de economia
estivesse à frente do Ministério da Fazenda, certamente teríamos mais ordem e
mais previsibilidade. Mais que triste e patético, tal condução errática nos
custa muito caro. Em 2011, o governo brasileiro baixa os juros na marra; em 2013, a realidade obriga-o
a aumenta-los na marra. Em 2012, o governo desvaloriza o câmbio na marra; em 2013, a realidade obriga-o
a valoriza-lo na marra. Em 2013, teremos o primeiro déficit na Balança
Comercial em uma década. Em 2013, teremos mais um ano de crescimento pífio –
algo que não acontecia desde os tempos de Collor de Mello. A Nova Matriz
Econômica obviamente fracassou. Seu artífice, Guido Mantega, obviamente
fracassou. Não há política econômica no Brasil. Até quando a nave da economia
brasileira vai ficar sem timoneiro, apenas a comandante pode dizer, uma vez a
escolha é prerrogativa dela. Já passou há muito o tempo de agir.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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