Por Pedro Nascimento Araujo
Uma campanha mundial da centenária
alfaiataria italiana Ermenegildo Zegna tinha o lema “Great minds think alike”,
algo como “Mentes excepcionais pensam semelhantemente”. Considerando que isso
valha para todos os casos, inclusive para as mentes nem tão brilhantes assim, é
lícito afirmar que Henrique Alves e Renan Calheiros “think alike”. Afinal, ambos
os políticos vêm tendo atitudes absolutamente semelhantes desde antes de
assumirem suas presidências no Poder Legislativo. Para o bem e para o mal, eles
têm uma sintonia impressionante. Eis a pergunta: como explicar Henrique Alves e
Renan Calheiros?
Comecemos pela própria ascensão deles às
respectivas presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (cargo
que, por sinal, coloca Renan Calheiros também na presidência do Congresso
Nacional). Henrique Alves e Renan Calheiros, notórios encrencados com a
justiça, foram escolhidos para comandar o Poder Legislativo com o beneplácito
do Poder Executivo. No começo do ano, época que agora parece tão distante, o
Brasil não se levantou contra tal acinte com a virulência necessária, em que
pese 1½ milhão de assinaturas pedindo que Calheiros não assumisse a presidência
do Senado Federal. Todavia, explicar a ascensão da dupla é simples: foi obra de
Dilma Rousseff, que contava com popularidade recorde então, embora a economia
estivesse forte somente no discurso do inacreditavelmente longevo Guido
Mantega. Como a titular da Presidência da República declarou, ela estava
disposta a fazer “o diabo” para se reeleger em 2014 – assim, designar Henrique
Alves e Renan Calheiros para comandar o Poder Legislativo não deveria,
portanto, constituir nenhuma surpresa.
Alguns meses se passaram e a fagulha no
até então ignorado paiol de frustrações nacionais surgiu na forma de prosaicos
20 centavos de aumento nos péssimos ônibus urbanos. Sua Majestade Real O Povo
Brasileiro foi às ruas. No momento em que Dilma Rousseff não entendia nada do
que as pessoas queriam e preferia propor factoides na forma de reforma
política, Henrique Alves e Renan Calheiros fizeram o de sempre: “think alike”.
Não querendo enfrentar a fúria popular, eles usaram todo o instinto de
sobrevivência que somente políticos cujas convicções têm a rigidez de um
invertebrado gasoso são capazes de controlar. Assim, a Proposta de Emenda
Constitucional 37 caiu pelas mãos de Alves e a corrupção tornou-se crime hediondo
pelas mãos de Calheiros, dentre outras pautas 100% inacreditáveis antes dos
protestos. Como explicar Henrique Alves e Renan Calheiros aprovando projetos
contrários aos seus próprios interesses? Simples: eles não têm o menor pudor em
fazer qualquer coisa para manter seus cargos. Henrique Alves e Renan Calheiros
“think alike”. Na maior parte dos casos, isso é prejudicial para o Brasil;
todavia, em momentos de pressão, isso faz com que eles trabalhem com agendas
positivas. A grande prejudicada com isso? Dilma Rousseff, mentora dos dois,
cujas improvisações ficaram patentes diante da atuação ativa das cobras que ela
criou – e que agora a mordem impiedosamente.
Evidentemente, Henrique Alves e Renan
Calheiros continuam arrogantes a ponto de achar que o uso particular de jatos
executivos da Força Aérea Brasileira (FAB) é direito inerente deles. Não é, mas
agir assim nunca lhes trouxe problemas. Na verdade, no começo do ano, quando
Dilma Rousseff os colocou nos cargos, não traria reveses mesmo. Hoje, não. A
reação da sociedade foi fulminante, em que pesem alguns casos de humor
involuntário – um dos melhores, sem dúvidas, foi ver o ex-deputado Fernando
Gabeira, cuja filha Maya Gabeira foi surfar no Havaí usando as passagens aéreas
que ele recebia para se deslocar a serviço, indignado com o uso privado dos
aviões da FAB que Henrique Alves e Renan Calheiros fizeram.
No fim, o instinto de sobrevivência de
Henrique Alves e Renan Calheiros falou mais alto que a arrogância e ambos
preferiram se retratar; afinal, o que eles querem é jogar todas as notícias
ruins no colo de Dilma Rousseff. Por isso, foram céleres em assumir um discurso
de humildade e “restituíram” (os valores retornados são equivalentes àqueles de
aviões de carreira, portanto muito inferiores) os cofres públicos. “Think
alike”. O interessante é que, involuntariamente, eles fizeram com que, daqui em
diante, sejam cada vez mais raros episódios como os protagonizados por eles
(Alves foi ver a final da Copa das Confederações da FIFA no Rio de Janeiro e
Calheiros foi a um casamento em Trancoso), bem como outros tristemente célebres
(o mais famoso foi a volta de um avião a São Paulo somente para buscar o filho
do ex-presidente Lula do Silva e uns amigos para um passeio em Brasília).
Henrique Alves e Renan Calheiros são
completamente imprevisíveis. Em seus âmagos, são políticos provincianos que
mudam de discurso conforme a plateia. Em seus âmagos, são políticos que
acreditam que têm direito a toda e qualquer forma de benesses. Em seus âmagos,
são a quintessência do atraso. “Think alike”. Porém, devidamente direcionados,
provaram ser capazes de usar suas energias para o bem do Brasil, ainda que a
contragosto. Quem deveria pauta-los não são as ruas; na verdade, esse deveria
ser o papel do Poder Executivo, ora comandado por Dilma Rousseff. Ela
deliberadamente preferiu não fazê-lo nos primeiros 2 anos de seu governo. Sua
omissão (uma das 4 formas de pecado: pensamentos, palavras, atos e omissões)
está lhe custando muito caro. Agora, ela está sendo sangrada por eles, que têm
a vantagem adaptativa política que ela nunca teve. Henrique Alves e Renan
Calheiros “think alike”. E, para azar de Dilma Rousseff, eles só pensam em
destrui-la. Juntos.
Pedro
Nascimento Araujo é economista.
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