Por Pedro Nascimento Araujo
1962 foi um ano marcante para o
mundo. Há 5 décadas, fomos apresentados a uma revolução que mudou a face da
humanidade. Não, não foi o lançamento de “Love me do”, primeiro single do The
Beatles, nem a primeira apresentação do The Rolling Stones, ambos fatos
marcantes da cultura popular desde então, tampouco o lançamento de Dr. No,
primeira aventura de James Bond, a maior franquia cinematográfica da história.
Em 1962, mesmo ano no qual o mundo chegou mais perto da III Guerra Mundial
quando os soviéticos instalaram mísseis balísticos intercontinentais em Cuba, a
humanidade foi apresentada a umas gotinhas salvadoras: a Vacina Sabin contra a
poliomielite começou a ser aplicada em larga escala naquele ano já bastante
memorável.
O sucesso da vacina de Albert
Sabin foi impressionante. Meio século depois, o que diria Sabin sobre os
efeitos de sua obra? Um homem que conseguiu sobrevier ao obscurantismo
religioso – o judeu chamado Albert Saperstein nasceu na Polônia ocupada pelo
antissemita Império Russo (os Czares de Todas as Rússias, é sempre bom lembrar,
criaram os Pogroms, perseguições e eliminações sistemáticas de judeus feitas
diretamente pela Okhrana, a temida polícia secreta subordinada diretamente aos
soberanos russos) e depois se naturalizou americano, quando mudou o nome para
Albert Sabin – ficaria decepcionado: o obscurantismo religioso coloca seu sonho
de erradicar a poliomielite em risco.
Se, quando Sabin nasceu (1906),
os fundamentalistas cristãos (ortodoxos russos) o perseguiam por sua religião,
hoje sua criação é perseguida por fundamentalistas islâmicos. A bem da verdade,
o obscurantismo recebeu uma ajuda valiosa do Ocidente. Quando ignorância,
fundamentalismo e incompetência se encontram no terreno propício, a tempestade
perfeita da estupidez humana está pronta. A ignorância é dada pelos habitantes
das regiões mais miseráveis de Paquistão, Nigéria e Afeganistão. O
fundamentalismo é por conta do Taliban. E a incompetência é cortesia da CIA.
A utopia de erradicar a
poliomielite foi possível apenas com a Vacina Sabin, porque, além de não ser
injetável, tem um componente prosaicamente perfeito para sua disseminação em
locais muito pobres, nos quais a rede de esgotos são precárias: os excrementos
das pessoas imunizadas atingem os esgotos e podem imunizar quem tiver contato
com eles. Com isso, em 1994 a
poliomielite foi declarada erradicada na América em 1994 e na Europa em 1999.
Parecia ser mera questão de tempo para que o mundo ficasse livre da temida
paralisia infantil, que ceifou tantas vidas e deixou marcas em tantas pessoas
desde que a humanidade começou sua saga terrestre. Só que não.
Um bilhão de dólares por ano:
esse é o custo da tentativa de erradicar a poliomielite, que atualmente vitima
apenas em países pobres como os supracitados. Em locais dominados pelo Taliban
ou seus correlatos nesses países, é simplesmente impossível imunizar com
segurança. Não é raro que aplicadores da Vacina Sabin sejam mortos: o Taliban acredita
que a imunização faz parte de um plano do Ocidente para esterilizar as crianças
muçulmanas. Tamanha insanidade recebe credibilidade por conta da ignorância
total e da pobreza absoluta na qual aquelas pessoas vivem – ignorância que o
Taliban faz questão de manter, beneficiado que é delas quando recruta material
humano para atentados terroristas. Ignorância e fundamentalismo já são razões
suficientes para aleijar crianças. Porém, quando a CIA e suas notórias
trapalhadas entram em cena, a tempestade perfeita da estupidez humana desaba
sobre a humanidade nesses locais miseráveis.
Em 2011, na busca por provas de
que Bin Laden estava em Abbottabad (ele realmente estava lá, onde foi morto em
combate com uma força de elite americana enviada para prendê-lo), a CIA pagou
médicos paquistaneses para que, sob o pretexto de imunizar contra a hepatite,
obtivessem amostras de sangue de crianças que poderiam ser filhas do
terrorista. A história, verídica, vazou. Era tudo o que o Taliban precisava
para proibir quaisquer vacinas – naturalmente, usando o único método persuasivo
que conhece: o terror. Matando aplicadores da Vacina Sabin e pais que deixam
seus filhos ser vacinados, os arautos das trevas do Taliban, com a ajuda da
ignorância crônica da população e da incompetência mais crônica ainda da CIA,
estão conseguindo trazer de volta uma doença que deveria estar erradicada para
lugares como Paquistão, Nigéria e Afeganistão. Em 2012, meio século após o
triunfo de Sabin, 250 crianças tiveram poliomielite nesses lugares. Deveria ser
nenhuma. A estupidez humana, formada pela pobreza e pela ignorância, explorada
pelos fundamentalistas do Taliban e alimentada pela incompetência da CIA, pode
vencer a genialidade humana de Albert Sabin.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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