Liberdade Relativa
Esta semana, enquanto os alunos
da rede estadual e municipal continuavam sem aulas e o nosso salário continuava
sendo corroído pela inflação, só se falava das biografias das celebridades.
Para ser franco, pouco me importa o que Roberto encontrou embaixo dos caracóis
do Caetano, a falta que fez um xodó ao Gil ou se Djavan conseguiu aprender
japonês em braille. Não
tenho a menor curiosidade em descobrir os segredos de liquidificador do Cazuza
e muito menos quantos ratos haviam em sua piscina. O cotidiano do artista não
me desperta interesse, o que vale realmente é o legado cultural que tenha
deixado. Pouco importa se casou, se teve um caso secreto, se viveu algum
relacionamento homoafetivo ou se participava de orgias, isso é indiferente para
os admiradores de sua obra.
Creio que a polêmica em torno do
nome do Chico Buarque, foi motivada pelo seu histórico de combate ao
autoritarismo e a censura de sua obra e de outros artistas. O Brasil estava
preparado para aceitar esta postura dos outros personagens, mas não do Chico,
que foi o único a ter participação relevante, através de sua obra, no combate
ao regime autoritário. Mais uma vez um valor tão fundamental como a liberdade
será decidido na justiça, o STF dirá se está valendo ou não o texto
constitucional.
Diante da minha insignificância
acadêmica senti uma certa insegurança para emitir qualquer opinião sobre o
assunto, principalmente após ler e ouvir posições contundentes e apaixonadas
dos dois lados. Fiquei em meio aos questionamentos e dúvidas sobre diversos
assuntos. Se já me considerava um ignorante diante de tantas novidades, hoje me
sinto totalmente desconectado das verdades, conceitos e atitudes que tenho
testemunhado nos últimos dias. “Mas sei que tudo é proibido, aliás, eu queria
dizer que tudo é permitido”, até mesmo o PT leiloar o petróleo do pré sal
após passar anos excomungando FHC por causa das privatizações.
Só me restou tentar entender o
novo conceito de liberdade, aprendi de uma vez por todas, que da mesma forma
que um determinado cidadão pode falar sobre tudo e sobre todos, o outro está
restrito aos assuntos de sua alçada, caso ouse transitar sobre outros temas,
terá sua opinião desqualificada de forma implacável. Prosseguindo nesta busca,
constatei que para determinadas pessoas a liberdade é relativa, o cidadão deve
ser livre, para escondido atrás de uma máscara, praticar os mais diversos
delitos. Esta mesma liberdade, não gozará o historiador para revelar em sua pesquisa
tudo sobre um determinado personagem da história. No último caso, a liberdade
poderá ser concedida se forem pagas indenizações para as famílias e o trabalho
censurado pelo biografado.
Não pensem que minhas descobertas
ficaram por aí, a ideia que eu tinha da justiça brasileira de beneficiar apenas
aos ricos, foram por água abaixo. Agora sei que a mesma justiça que deixa
livres os políticos mensaleiros, também liberta os pobres mascarados
desordeiros. Neste caso, ainda tenho dúvidas se com a liberação da quadrilha
mascarada, a justiça não continua beneficiando alguns desses mesmos políticos.
Todos as minhas convicções estão
passando por uma verdadeira revolução, aprendi em poucos dias, mais do que em
toda minha vida. Entendi que a destruição do meio ambiente pela construção de
um resort juntamente com um condomínio não é crime, mas se esta destruição for
apenas para a construção de um condomínio torna-se um crime hediondo, digno de
repúdio dos próprios agentes que o licenciaram. Descobri também que as dunas do
Peró são mais importantes para os buzianos que a Praia de Tucuns situada
naquele Município, na época da construção do Breezes, ouve até algum barulho na
cidade, mas a devastação causada pelo empreendimento, hoje é aceita sem maiores
problemas. Pude observar que os defensores dos animais brigam pelos cães do
Instituto Royal, mas não abrem mão dos cosméticos que lá são testados. Fico
pensando se a próxima ação será no Instituto Butantã, libertando os cavalos
submetidos ao veneno das serpentes. Ainda neste meu aprendizado, pude constatar
que as famosas indulgências da santa inquisição não acabaram, só mudaram de
nome, hoje são conhecidas como medidas compensatórias, geração de empregos,
indenização ou royalties.
Enquanto me ocupava tentando
entender as calorosas discussões sobre as biografias, inclusive em nossa
cidade, os moradores nos arredores da estrada da integração realizavam
manifestação contra a maneira criminosa que a obra está sendo executada. Pelo
novo conceito de verdade e liberdade que aprendi, o deputado e o ex-prefeito
que vivem tirando fotos na estrada, afirmando serem os pais da obra, tentando
de todas as maneiras faturarem dividendos eleitorais, poderão se redimir da
negligência mandando coroas de flores para as vítimas com os dizeres: “dito e
feito” e beijos no coração!
“Agora vivemos o império do
petróleo e do dinheiro o resto é disfarce.” - José Saramago
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