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200 milhões de Timbiras




Por Pedro Nascimento Araujo

“Um velho Timbira, coberto de glória, / Guardou a memória / Do moço guerreiro, do velho Tupi! / E à noite, nas tabas, se alguém duvidava / Do que ele contava, / Dizia prudente: - Meninos, eu vi!” [I-Juca Pirama, Gonçalves Dias]

Em I-Juca Pirama, Gonçalves Dias descreve, em verso, o destino de um prisioneiro Tupi junto aos Timbiras, índios que o poeta define como um “condão de prodígios, de glória e terror.” Do prisioneiro, a quem “do sacrifício cabe as honras”, pois uma grande festa acontece para comemorar sua morte, pouco se sabe, exceto que pediu clemência para cuidar do pai doente e, por não ter aceitado a morte com altivez, os Timbiras o consideram indigno e o libertam para cuidar do pai – apenas para ver seu pai desonra-lo e amaldiçoa-lo por ele ter chorado e fugido da morte. Tomado de fúria, o Tupi irrompe contra os Timbiras e, após lutar como nunca havia sido visto, recebe o respeito dos Tamoios e do seu velho pai Tupi. Quando o feito do guerreiro Tupi é recontado, na tradição indígena, para os jovens Timbiras, um velho Timbira, diante da incredulidade das plateias, sempre diz: “Meninos, eu vi.” Dos Timbiras e dos Tupis – como de resto de todos os índios, guerreiros ou não – pouco ou nada restou, mas a incredulidade continua sendo uma característica humana, mais especificamente brasileira, especialmente quando se fala acerca da punição a poderosos. Desde o último final de semana, 200 milhões de brasileiros passaram a poder fazer o mesmo que o velho Timbira e dizer “Meninos, eu vi.” É um privilégio.

Ver um homem da importância de José Dirceu na cadeia é um fato histórico. Caso o Mensalão não tivesse sido delatado por Roberto Jefferson, que também vai para a cadeia, Dirceu quase certamente seria o atual ocupante da Presidência da República; se Lula da Silva conseguiu eleger uma candidata desconhecida como Dilma Rousseff, é mais do que lícito supor que ele seria capaz de fazer o mesmo com José Dirceu. Todavia, especular acerca de como seria um hipotético governo de Dirceu é exercício de ócio: Dirceu acabou – está preso e não há eufemismos que possam atenuar isso. Óbvio que poderia ser melhor. Óbvio que a pena de Marcos Valério ser maior que a de José Dirceu só faz sentido quando nos lembramos que contra Marcos Valério há provas materiais – e, contra Dirceu, há apenas aquilo que convencionou-se chamar “domínio do fato”, algo com que ele contava para nunca ser preso: sistemático, fez como Al Capone e nunca produziu um documento que o ligasse aos crimes que comandava e exercia. Também é óbvio que a Henrique Pizzolato não deveria ser permitido executar a ópera bufa que ele ora encena: ele deveria estar preso no Brasil, não dando uma chance perfeita para a Itália lavar a alma da bofetada que o Brasil lhe deu no caso do terrorista Battisti. Na verdade, a lista de pontos a melhorar é enorme – o que não quer dizer que não haja pontos positivos: há, e muitos.

Assim, se, por um lado, é óbvio que poderia ser muito melhor em vários aspectos, por outro lado, o fato de poder ser melhor não desmerece o que há: um homem poderoso como José Dirceu, o comandante de facto do PT, artífice da hodierna hegemonia do partido no comando do Brasil há 12 anos e com grandes chances de chegar a 16, está preso. Nós vimos José Dirceu ser preso por corrupção. O que cada uma das 200 milhões de testemunhas espera é nada mais que um aprofundamento cada vez maior desse processo depurativo e que poderosos de qualquer matiz sejam punidos por seus erros – de preferência, exemplarmente, pois há um efeito didático poderoso quando alguém aparentemente inatingível como Dirceu vai preso. A arrogância de homens como ele, José Genoíno e Delúbio Soares (é impossível não pensar em que fim levou o escárnio de Soares, um homem que, quando estava certo da impunidade, não apenas negava a existência do Mensalão como chegou a dizer que viraria “piada de salão”), foi tamanha que eles não perceberam que o povo brasileiro está cada vez menos disposto a tolerar a corrupção como tolerava. O tempo deles passou – são ruinas móveis de outras eras que precisam ser retiradas das ruas. Tem de ser um processo contínuo, do contrário tudo volta a ser como antes em três tempos. Espero sinceramente que não, mas, caso o Mensalão se prove apenas um espasmo da justiça e os poderosos voltem a ficar impunes no futuro, daqui a alguns anos teremos de fazer como o velho Timbira: quando nossos netos nos olharem incrédulos ao contarmos que em 2013 o STF foi capaz de prender um homem poderoso como José Dirceu foi preso, prudentes diremos: “Meninos, eu vi.”

Pedro Nascimento Araujo é economista.

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