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Júbilo, decepção e esperança no primeiro passo




Por Pedro Nascimento Araujo

Primeiros passos são, por definição, os mais importantes e o pior executados de todos: trazem consigo júbilo por sua realização, decepção por sua precariedade e esperança por sua alteridade. É um erro muito tentador escolher uma face de qualquer primeiro passo (júbilo, decepção ou esperança) e renegar as demais. Diante do que aconteceu em Genebra nos últimos dias, não se pode incorrer em tal erro. O chamado First Step Deal (literalmente, Acordo de Primeiro Passo) envolvendo o Irã e o chamado P5+1 (referência à soma dos 5 Membros Permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas – China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia – com a Alemanha) é uma combinação de júbilo, decepção e esperança. O First Step Deal é um acordo sui generis. Na prática, o que foi acertado nada mais é que um estágio probatório de 6 meses: se o Irã realmente cumprir o prometido (dentre outras coisas, limitar os estoques de urânio, congelar a expansão de centrífugas e permitir acesso irrestrito de inspetores), as sanções poderão ser progressivamente retiradas. Para os aiatolás, o fim das sanções é a única forma de manter um pouco de legitimidade: como toda ditadura, a persa usa a prosperidade financeira para calar vozes dissonantes – e isso fica cada vez mais difícil com as sanções sufocando a economia nacional. Pragmaticamente, o Irã parece estar cedendo em suas ambições nucleares. O instinto de sobrevivência política parece estar falando mais alto que a ideologia, ao menos em Genebra. Conforme veremos, de acordo com o ponto de vista do interlocutor, o First Step Deal dá motivos tanto para júbilo, quanto para decepção e para esperança.

O júbilo manifesta-se pelos alívios políticos que qualquer acordo, por mais precário que seja, carrega consigo – e não haveria porque ser diferente no caso persa. Na verdade, o acordo em si está longe tão de ser ruim quanto de ser bom. O que mais importa para o júbilo é o fato de, pela primeira vez em muitos anos, haver um acordo. Não há relações diplomáticas entre ambos os países desde que o Aiatolá Ruholla Khomeini deu um golpe dentro do golpe e expurgou os opositores e socialistas que o ajudaram a derrubar o Xá Reza Pahlavi em 1979 para instaurar uma teocracia xiita na então Pérsia, abrindo espaço para o sequestro de 52 americanos por 444 na Embaixada dos Estados Unidos da América em Teerã no evento conhecido como Crise dos Reféns – episódio cujo desenlace desastroso (uma fracassada tentativa de resgate cinematográfico inspirada no sucesso da ação do israelense Mossad em Entebe em 1977) foi fundamental para erodir a popularidade de Jimmy Carter e levar à eleição de Ronald Reagan. Desde então, os poucos progressos obtidos de parte a parte foram na base da intimação: Reagan havia anunciado antes da posse que solucionaria a questão dos reféns – aparentemente, uma ameaça crível, pois Teerã concordou em liberta-los literalmente durante a cerimônia de posse do 40º Presidente dos Estados Unidos. Esse episódio é a base da atuação dos falcões americanos: com o Irã teocrático, o Corolário Roosevelt à Doutrina Truman pode prescindir da parte do “speak softly” (converse serenamente) e ir direto ao “use a big stick” (use um grande porrete). Em Genebra, o fato de não ter sido necessário recorrer à Política do Big Stick – ou seja, o fato de não ter sido necessário haver uma intervenção militar ocidental – para conter os delírios nucleares dos aiatolás é motivo de júbilo.

Os motivos para decepção também são aparentes. As monarquias sunitas do Golfo Pérsico, que se mantém no poder graças a ditaduras comparáveis à persa em crueldade, têm verdadeira ojeriza às interferências que os aiatolás realizam na região, conspirando abertamente para manter (Síria), conquistar (Bahrein) ou consolidar (Iraque) governos de acordo com seus interesses geopolíticos e sectários. O papel do Irã na região é desestabilizador – e se isso tudo é realizado com o país tendo suas artérias bastante comprimidas pelas sanções, seus inimigos apenas podem imaginar como seria a atuação persa sem os garrotes. Para Israel, sobre quem Teerã repetidamente diz ser sua missão “varrer do mapa”, o First Step Deal nada mais é que outra tentativa de comprar tempo para desenvolver armas nucleares e mísseis capazes de lança-las sobre o Estado Judeu – vale lembrar que o programa nuclear clandestino iraniano acontece desde a década de 1990 e que Israel sozinha já reduziu a pó as tentativas semelhantes empreendidas pelo Iraque nos anos 1980 e pela Síria nos anos 2000: se necessário for, Israel é capaz de agir sozinha novamente. Mesmo nos EUA, há decepção daqueles que viram que o Irã está sentindo o peso das sanções – escassez de produtos, inflação, desvalorização recorde etc. – e, com um pouco mais de tempo, inevitavelmente capitularia e desistiria definitivamente do seu programa nuclear clandestino, sob pena de os aiatolás serem alijados do poder por descontentes. Por fim, é bom lembrar que nem no Irã há unanimidade – na verdade, os mais radicais entendem o First Step Deal como uma concessão inaceitável: para eles, não há acordo – tudo o que importa é o arsenal nuclear ser criado e que Israel ser destruída. O First Step Deal enfrenta cassandras por todo lado.

Os motivos para esperança derivam das próprias condições nas quais o acordo foi firmado. Os Estados Unidos da América estão menos imobilizados para atuar no Oriente Médio. A razão subjacente é a revolução energética que está em curso no país. A inventividade e a capacidade de realização do capitalismo americano, cantadas em verso prosa desde os tempos de Alexis de Toqueville, ainda têm algumas cartas nas mangas: o shale gas está levando o país a ser o maior produtor mundial de hidrocarbonetos já em 2015 – daí à autossuficiência é mera questão de tempo. Com isso, a Casa Branca está ficando com as mãos livres para fazer o que a América faz de melhor ao mundo: atuar com mais idealismo e com menos pragmatismo na defesa dos seus ideais de liberdade. Por um lado, se isso implica dizer que o patrulhamento americano na região, notadamente nas rotas petrolíferas, será menor, bem como a disposição do Tio Sam de se envolver em querelas regionais, por outro lado, isso implica dizer que os Estados Unidos poderão usar seu peso para promover a paz, a democracia e os direitos humanos no Oriente Médio sem os constrangimentos impostos pela necessidade de manter constante seu suprimento de petróleo. É nesse diapasão que devem ser entendidos tanto o acordo para eliminação do arsenal químico sírio quanto o recém-anunciado acordo nuclear com os persas: são esforços de eliminação de armas de destruição em massa de caráter regional. Embora a situação humanitária na Síria continue se degradando a cada dia, o Irã continue a ser uma ditadura cruel, o Iraque esteja caminhando para uma guerra sectária, o Taliban esteja se fortalecendo etc., ninguém pode dizer que o mundo ficará pior quando al-Assad não possuir armas químicas e os aiatolás não possuírem armas nucleares. Eis a razão da esperança – talvez o mais sólido dos sentimentos originados pelo First Step Deal.

Pedro Nascimento Araujo é economista.

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