Por Pedro Nascimento Araujo
Há uma velha máxima segundo a
qual o alemão seria o idioma mais adequado para práticas filosóficas por conta
de sua virtualmente infinita capacidade de criação de palavras: basta pensar em
qualquer coisa e, se ainda não houver uma palavra enorme em alemão para
designa-la, qualquer pessoa simplesmente poderá criar uma. De tão bem
apropriadas, algumas palavras alemães acabaram sendo reconhecidas
internacionalmente e passam a fazer parte do léxico de outras línguas:
Zeitgeist (pensamento de uma época) e Schadenfreude (alegria causada pelo
fracasso de outrem) são bons exemplos. Por fim, há outras palavras que são mais
específicas e menos conhecidas, mas também muito importantes. É o caso
especificamente de Vergangenheitsbewältigung, palavra quase impronunciável para
quem não domina a língua germânica: conquanto comprida,
Vergangenheitsbewältigung faz todo o sentido, pois Vergangenheits significa
passado e Bewältigung significa superar; assim, Vergangenheitsbewältigung
significa superar o passado – mais especificamente, o III Reich. Pois é: há, em
alemão, uma palavra para designar o esforço que o país faz para ficar em paz
com seu passado e reconhecer os erros – incluindo as inúmeras leis e reparações
que adotou voluntariamente para deixar claro que não haverá outro Adolf Hitler.
A Alemanha, ao contrário da Rússia, do Japão e da China, reconheceu as
atrocidades cometidas em seu nome para poder purga-las e seguir adiante em paz
– russos, japoneses e chineses, por outro lado, parecem fingir que não foi em
seus nomes que se assassinaram milhões no mesmo Século XX dos nazistas. A
Alemanha não teve vergonha de admitir os erros do seu passado; teve, ao
contrário, a grandeza de expô-los tanto para aprender com eles quanto para
garantir que nunca mais se repitam – coisa que não podemos afirmar, para manter
o exemplo, sobre russos, japoneses e chineses. Negar os erros pregressos é um
erro no qual a Alemanha não incorre, mas no qual o Partido dos Trabalhadores
(PT) parece ser viciado, como mostram as caravanas de políticos ao Presídio da
Papuda (DF) para visitar expoentes políticos da legenda presos.
O PT está jogando fora uma grande
chance de se depurar. Está perdendo uma chance de fazer como a Alemanha e sair
do Mensalão melhor do que entrou. Ao reconhecer os erros que cometeu no
Mensalão, o PT faria um exercício de contrição que poderia resultar num
crescimento extraordinário que garantiria a não repetição de um futuro
mensalão. Porém, ao invés de optar por um Vergangenheitsbewältigung, o PT
aparentemente preferiu optar pelo caminho infantilizante da vitimização, como
se seus dirigentes ou militantes fossem naïves o suficiente para acreditar que
o Mensalão não existiu – ou como se alguém que não seja seu integrante ou
militante realmente acreditaria na versão segundo a qual os políticos presos –
fato inédito e digno de aplausos – são, na verdade, presos políticos de uma
democracia comandada pelo próprio PT há quase 11 anos. É lamentável que o PT
tenha optado por uma ópera bufa ao invés de uma depuração altamente necessária
e possivelmente redentora. Quanto mais o PT nega o Mensalão, mais o Mensalão
assombra o PT. Dilma Rousseff e Lula da Silva deveriam estar usando seus pesos
para comandar uma grande reinvenção do PT, mas preferem focar suas energias em
garantir a reeleição nos mesmos moldes que permitiram o advento do Mensalão.
Com o tempo, a falta de ação tende a cobrar seu preço: a arrogância de não
admitir erros já é passado – hoje, o PT endossa esses erros. Não há outra
maneira de definir as caravanas de deputados federais, senadores e até
ministros de estado ao Presídio da Papuda para um deprimente beija-mão para
políticos presos por corrupção. Tao triste quanto é perceber que a tradicional
arrogância do PT não cedeu uma mísera polegada: para visitar os “seus”,
mandatários ignoram solenemente os horários e as regras de visitação,
recusando, por exemplo, a ser revistados, enquanto os parentes dos demais
presos passam pelo processo normal, corroborando a ideia de que se consideram
uma casta acima da lei.
É imaginável que Dilma Rousseff e
Lula da Silva não tenham percebido que os próceres do PT estão acabando
publicamente com o PT nas visitas ao Presídio da Papuda ou nos inúmeros
desagravos que os políticos presos estão recebendo – eles certamente entendem
isso, mas preferiram não agir. Estão, portanto, ajudando a acabar com o PT.
Nenhuma palavra foi dita por Dilma Rousseff e Lula da Silva sobre como é bom
para o Brasil que pessoas poderosas como José Dirceu, um homem que estava sendo
preparado para assumir a Presidência da República, estejam presas por corrupção
em um país tristemente célebre por aplicar a lei apenas aos inimigos dos
poderosos de plantão e aos pobres e desvalidos em geral. Nenhuma
palavra foi dita por Dilma Rousseff e Lula da Silva sobre como melhorar as
instituições e impedir que um novo Mensalão aconteça, mesmo porque nenhuma
palavra foi dita por Dilma Rousseff e Lula da Silva para reconhecer que o
Mensalão existiu. Nenhuma palavra foi dita por Dilma Rousseff e Lula da Silva
acerca de reduzir o tamanho do governo, que contava com 20 mil cargos de
confiança na administração direta para distribuir entre seus correligionários e
aliados quando assumiu a Presidência da República e vai terminar seus 12 anos
de governo com 100 mil cargos de nomeação livre – inacreditáveis 5 vezes mais!
Nenhuma palavra foi dita por Dilma Rousseff e Lula da Silva para criticar as
ações de seus correligionários que incensam políticos presos por corrupção em
horário de serviço, com carro oficial e desrespeitando as leis do Presídio da
Papuda. Em suma, nenhuma palavra foi dita por Dilma Roussef e Lula da Silva
sobre como fazer do PT um partido melhor após o Mensalão, o que é triste para a
democracia brasileira: um PT forte na defesa dos valores corretos faz falta. A
palavra que Dilma Rousseff e Lula da Silva deveriam adotar não existe na língua
portuguesa, mas na língua alemã: chama-se Vergangenheitsbewältigung e quer
dizer admitir os erros do passado para superá-los. Infelizmente quem tem
saudades do PT histórico, só resta torcer para que ainda haja salvação quando e
se o dia do Vergangenheitsbewältigung do PT chegar.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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