Por Pedro Nascimento Araujo
Na bela cidade de Montreaux
(Suíça) deveria começar a ser definido o futuro da Síria a partir do dia 22.
Que as natimortas conversações de paz entre Bashar al-Assad e a colcha de
retalhos que forma a oposição sejam a esperança de fim para um conflito que já
matou mais de 100 mil pessoas apenas demonstra o quão desesperadora a situação
está após quase 3 anos de guerra civil – e não há perspectiva de melhora no
curto prazo: fortalecido graças a uma altamente improvável combinação de
fatore, al-Assad está mais preocupado em consolidar o fait accompli
(literalmente: fato realizado, uma expressão diplomática que significa o
esforço em um conflito para chegar à mesa de negociações com as cartas mais
altas nas mãos) da retomada de Aleppo que em negociar propriamente antes disso:
um ano depois, al-Assad repete a prepotência de seus opositores.
Bashar al-Assad ganhou sobrevida
para retomar território e continuar cometendo atrocidades por questões
geopolíticas bem complexas, que envolvem os apoios dos cristãos ortodoxos da
Rússia e dos muçulmanos xiitas do Irã ao seu governo e os apoios das monarquias
do Golfo Pérsico e dos salafistas do Oriente Médio e do Magreb. Ou seja, campos
que normalmente seriam adversários juntaram forças para lutar uma proxy war
(uma espécie de guerra por procuração, uma proxy war é uma forma de medir
forças sem chegar ao conflito em si e foi muito comum na Guerra Fria) que tem
como teatro a Síria e que já gerou mais de 100 mil mortes e 2 milhões de
refugiados. São países covardes, que usam os sírios como títeres em seus
joguetes de poder e prestígio. Simplesmente, não querem a paz.
É interessante notar que, há um
ano, quando a primeira rodada de negociações foi realizada em Genebra (por
conta disso, muitos analistas referem-se às conversas em Montreaux como Genebra
2), a oposição ainda não estava tão dividida e, principalmente, os jihadistas
não estavam infiltrados nela. Hoje, mais que infiltrados, eles comandam ações
para expulsar os rebeldes de locais tomados de al-Assad e, quando o conseguem,
dão mostras de tentar emplacar um novo Afeganistão no lugar – muito por conta
disso, o apoio que a oposição possuía no Ocidente, que chegou a enviar apoio
logístico e armas leves, é menor a cada dia. Assim, chegamos à situação atual:
a cada dia que passa, Bashar al-Assad ganha mais apoio e os rebeldes perdem
mais apoio. As pautas da negociação refletem exatamente isso: se em Genebra 1 a oposição não tinha
interesse em negociar porque considerava a queda de al-Assad iminente, em
Genebra 2 al-Assad não tem interesse em negociar porque considera seu triunfo
iminente. A hipocrisia será a tônica: ninguém quer resolver nada, mas todo
mundo finge que se esforça.
E assim, entre arrogâncias,
covardias e hipocrisias, 100 mil pessoas morreram, 2 milhões estão refugiadas e
a Síria está se desfazendo velozmente. As instabilidades estão se espalhando
pela região como há muito não se via. Em Montreaux, haverá apenas uma encenação
nos moldes da ocorrida em Genebra, com uma diferença fundamental: se, em
Genebra, quem protagonizou a ópera bufa foi a oposição, desta vez caberá a
Bashar al-Assad o protagonismo. Não seria estranho se as casas de aposta
britânicas começassem a aceitar palpites sobre a quem caberá o protagonismo em
uma provável Genebra 3 daqui a um ano, quando a pilha de mortos terá aumentado
em dezenas de milhares, a de refugiados em centenas de milhares e a de progressos
rumo a paz em zero: com tantas doses de prepotência, covardia e hipocrisia na
Síria, o estranho seria a violência se reduzir.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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