Por Pedro Nascimento Araujo
Aparentemente, na Semana Santa de
2014 em Brasília, o Judas a ser malhado já foi escolhido: André Vargas.
Deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT) do Paraná, ele deve
renunciar ao mandato em
plena Semana Santa para encerrar as denúncias que se avolumam
contra ele e que ameaçam os planos eleitorais do PT nas eleições de 2014. Não
que Vargas tenha sido inspirado pelo ato Daquele que morreu na Cruz e decidido
se oferecer em holocausto como oblação para redimir seus companheiros de
partido. Muito pelo contrário. Não que o PT também tenha tido um ataque de
respeito aos poderes e resolvido punir o então vice-presidente da Câmara dos Deputados
pelo ofensivo gesto de erguer o punho esquerdo diante do presidente do Supremo
Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, a respeito de quem ainda declararia
ter vontade de espancar. Na verdade, Vargas sofreu uma expulsão branca do PT,
que não quer nem vê-lo como Judas enforcado no Sábado de Aleluia: para o PT,
André Vargas serve apenas como boi de piranha: seu papel é sofrer um leve corte
para, quando for atravessar o rio, seu sangue atrair as piranhas e ser
sacrificado enquanto a boiada atravessa em segurança – e a boiada do PT inclui
os candidatos do partido aos governos de São Paulo e do Paraná e,
principalmente, ao Palácio do Planalto.
De estrela em ascensão no PT a
boi de piranha involuntário, a trajetória de André Vargas é um triste indício da
perda de referências morais do partido que outrora foi bastião de ética na
política brasileira. Vargas é acusado de ser peça-chave em um esquema de
corrupção que pode ter movimentado a astronômica quantia de 10 bilhões de reais
e que ele comandaria em sociedade com o doleiro Alberto Youssef. O escândalo
mais vistoso envolve a criação de um laboratório de fachada (Labogen) para
receber dinheiro do Ministério da Saúde durante a gestão de Alexandre Padilha.
Eis um dos motivos para o PT querer parar com a malhação de André Vargas:
Padilha é candidato do partido ao governo de São Paulo, uma obsessão petista
desde a fundação do partido. Por razões que qualquer razão desconhece, o PT
considera que Padilha pode ser um candidato competitivo porque ele contratou, por
meio de um programa chamado Mais Médicos, médicos cubanos que não falam
português e vivem em condição análoga à escravidão para dar sobrevida à
cinquentenária ditadura dos Irmãos Castro. Assim, no cálculo político do PT,
quanto mais o laboratório de fachada Labogen estiver na mídia, pior para a
campanha de Padilha: afinal, foi ele quem autorizou a contratação do Labogen.
Transformar o Judas em boi de
piranha ajudaria também a evitar estragos na eleição do Paraná, onde a senadora
Gleisi Hoffman é candidata do PT. Ex-ministra, Hoffman é casada com Paulo
Bernardo, atual Ministro das Comunicações, onde se suspeita ter havido
atividades ilegais do ubíquo doleiro Youssef por meio da contratação
fraudulenta de uma agência de publicidade no mesmo Paraná como forma de desviar
e lavar dinheiro público, expediente já utilizado no Mensalão pela SMPB,
agência de publicidade de Marcos Valério. Se ficarem comprovadas as tenebrosas
transações da dupla Vargas-Youssef no Ministério das Comunicações (não apenas
comandado por seu marido, como ainda por cima realizadas no Paraná, o que
garantiria destaque diário da imprensa do estado), a candidatura de Hoffman
será atingida em cheio.
Assim, tanto no Paraná quanto em São Paulo, um Vargas
travestido de Judas é um péssimo negócio: durante uma malhação que tenderia a
ser longa, os impropérios desferidos contra ele se voltariam diretamente contra
os planos do PT de eleger os governadores de São Paulo e do Paraná. Como Judas,
quando fosse malhado, Vargas estaria dando um beijo da morte em Padilha e em Hoffman. Como boi de
piranha, ele morre rápido e ainda permite ao PT apregoar aos quatro ventos que
não compactua com corrupção – o que nos leva ao risco maior de uma malhação de
André Vargas: atrapalhar a campanha de reeleição de Dilma Rousseff.
Sabe-se que São Paulo e Paraná
são dois estados politicamente importantes, não apenas para o PT, mas para
qualquer partido – São Paulo, em particular, tem população e economia
semelhantes às da Argentina, por exemplo – mas, evidentemente, o Brasil é ainda
mais importante. Na disputa por Brasília, Dilma Rousseff se encontra atualmente
no limiar de reeleição: na mais recente pesquisa sobre o assunto, o Datafolha
apurou que ela conta com índices de aprovação em torno de 35%, o que implica
dizer que ela não pode mais perder prestígio entre os eleitores, especialmente
quando se sabe que mais de 70% declaram desejar mudanças no comando do
executivo federal e Aécio Neves e Eduardo Campos ainda são pouco conhecidos
nacionalmente e bastante bem avaliados regionalmente. Ainda que o desemprego
esteja baixo, a economia patina como sói ser desde o início do seu governo (a
média de crescimento será de pífios 2%), a percepção de inflação maquiada e
represada já chegou ao grande público (segundo o Datafolha, 65% dos eleitores
acham que a inflação vai aumentar), a tal “faxina ética” virou piada ainda no
primeiro ano e, principalmente, há expectativas de protestos destruidores de
popularidade durante a Copa do Mundo FIFA. Politicamente, o desgaste pode se
tornar insustentável se for comprovado o envolvimento de Youssef, cujo nome é
sempre evocado quando Vargas é linchado, nas falcatruas da Petrobras. Este é o
maior risco, o risco que justifica a ação do PT de não entregar Vargas ao
linchamento público, mas sim afogá-lo para que as piranhas o devorem: é mais
rápido e não respingará nada em ninguém que atravessar o rio da eleição no
momento em que seus ossos forem o que restar dele. A Petrobras, desvalorizada e
vilipendiada como nunca, já está nos noticiários diariamente por conta de casos
como os das refinarias na Califórnia e em Pernambuco. Mais
notícias ruins a partir dela, especialmente envolvendo um doleiro e um petista
graduado, poderiam significar o tiro de misericórdia no que ainda sustenta a
aprovação de Rousseff: sua imagem de boa gestora, firme e intolerante com a
corrupção. Muito arriscado, raciocinou a cúpula do PT: melhor fazer logo um
corte em Vargas e empurrá-lo no rio.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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