Por Pedro Nascimento Araujo
13 de Maio é uma data
particularmente importante para os brasileiros: há exatos 126 anos, a Princesa
Imperial Regente Isabel Cristina assinou a chamada Lei Áurea e extinguiu a
escravidão no Brasil por meio de um golpe de pena. Foi um evento que mudaria
para sempre a história nacional – os chamados Republicanos do 14 de Maio foram
a força que sustentou o golpe militar do 15 de Novembro, que proclamaria a
República e baniria a Família Real Brasileira. Uma data importante, sem dúvidas,
mormente por acabar com os privilégios decorrentes de origens (no caso, racial)
no sistema jurídico nacional. Infelizmente, a escravidão não foi o último
privilégio a subsistir no Brasil: alguns aparentemente insuspeitos restam vivos
até hoje, como prova o dia 13-Mai-2014, data na qual José Antonio Dias Toffoli
tomou posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Dias Toffoli
é presidente de um tribunal superior sem nunca ter sido aprovado nos concursos
para juiz que prestou. Mais do que um escárnio para com os juízes de direito
que estarão na prática subordinados a ele, sua condução ao posto de presidente
do TSE é um escárnio para com todos os brasileiros.
Analisar a carreira de Dias
Toffoli não demanda um mestrado em física nuclear: nos anos 1990, o advogado
foi reprovado em concursos para juiz de direito e se dedicou a defender o
Partido dos Trabalhadores (PT), de quem foi assessor jurídico na Câmara dos
Deputados entre 1995 e 2000 e advogado das campanhas presidenciais de Lula da
Silva em 1998, 2006 e 2006. Escolheu bem. Com a vitória de Lula da Silva em
2002, Dias Toffoli foi convocado pelo antigo cliente para assumir a Advocacia
Geral da União em 2007. Conflitos de interesses? Nenhum, segundo ambos, mas a
nomeação incomodou fortemente os meios jurídicos nacionais. Dias Toffoli nunca
conseguiu passar em um concurso para juiz de direito. Dias Toffoli nunca foi um
advogado brilhante e respeitado por seus pares, como Márcio Thomaz Bastos,
ministro da Justiça durante o governo de Lula da Silva. Dias Toffoli nunca foi
um doutrinador brilhante, como Roberto Barroso, apontado para o Supremo
Tribunal Federal (SFT) por Dilma Rousseff. Em bom português, Dias Toffoli nunca
foi bom em assuntos jurídicos – em compensação, sempre foi ótimo em bastidores,
a ponto de ter virado ministro do STF (cargo vitalício), órgão do qual será
presidente algum dia.
Não que ter alguém de fora da
carreira jurídica no comando do judiciário seja intrinsecamente ruim: há países
nos quais os chefes do Poder Judiciário são eleitos diretamente, algo que os
legitima. Assim como não há nada de errado em ter como Ministro da Defesa, a
quem os comandantes das Armas são subordinados, um civil. É uma decisão do
povo, tanto diretamente (eleição do chefe do Poder Judiciário) quanto
indiretamente (nomeação do Ministro da Defesa pela Presidência da República).
Porém, em nenhum caso se considera como normal a nomeação de um não-militar
para o comando de uma Arma, como não se considera normal a nomeação de um
não-juiz para um Tribunal Superior. Dias Toffoli se encaixa na segunda
categoria: não é um jurista brilhante nem foi aprovado para ser juiz. E,
todavia, preside o TSE desde 13-Mai-2014. Sobre isso, deu uma declaração
irretocável à Rádio CBN: “Eu hoje sou juiz.” Não, não é: para ele, o verbo
“ser” não pode ser conjugado; no máximo, Dias Toffoli “está” juiz. Juízes são
aqueles que são aprovados no processo seletivo. Ele foi reprovado em todas as
vezes nas quais tentou virar juiz – e, no entanto, hoje ele “é” juiz.
Obviamente, o fato de ter sido
aprovado no concurso para juiz não é garantia de lisura – e estão aí os Juízes
Nicolau da vida para provar isso. Todavia, no caso de Dias Toffoli, a suspeita
da ausência de isenção pairará sempre sobre ele – especificamente, não ajudou a
dirimi-la o fato de ele não se ter declarado impedido de julgar próceres do PT
(seu antigo cliente e meio de sua ascensão a “ser” juiz) no caso do Mensalão;
aliás, o voto pela aceitação dos embargos infringentes só fez crescer as
suspeitas acerca da conduta dele. Não é de se estranhar, portanto, que, na
referida entrevista feita pela Rádio CBN, se tenha perguntado a ele sobre sua
relação com o PT (ele respondeu que era “página virada”), uma pergunta que
sempre ressoará quando ele decidir a favor do seu antigo empregador – e de quem
era associado até as vésperas de assumir a cadeira vitalícia no STF. Ao ser
empossado presidente do TSE e ser encarregado de comandar a Justiça Eleitoral
no ano no qual seu antigo empregador busca manter-se no comando do Brasil, Dias
Toffoli atrairá todos os holofotes a ele. Embora esteja juiz graças ao PT, a
ele resta o desafio de agir como se fosse juiz independentemente do PT. Até
agora, só decepcionou. Oxalá o seu 13 de Maio particular o liberte dos grilhões
da indicação política e seja o início de uma trajetória independente que o
permita dizer com todas as letras ao final da sua jornada: fui juiz.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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