Por
Pedro Nascimento Araujo
Em 1966, o cineasta americano
Mario Monicelli lançou “L’armata Brancaleone” (“O exército Brancaleone”, no
original). No filme, um cavaleiro medieval decadente chamado Brancaleone da
Norcia é levado a uma jornada para tomar posse de um feudo perdido que
pertenceria a um cavaleiro teutônico. Brancaleone monta sua companhia de
campanha (a tal Armada Brancaleone do título). É uma antítese da ideia de
heroicos e românticos cavaleiros medievais. Os protagonistas são mesquinhos,
medrosos, incompetentes e trapalhões; as donzelas, ninfomaníacas; os servos,
sempre à espreita de qualquer ataque para poder roubar de outros servos seus
vizinhos; os religiosos, entregues aos pecados; etc. Em suma, sob a capa de um
respeitável cavaleiro e seus honrados vassalos, havia um grupo de incompetentes
guiados por espíritos nada nobres. Mais ou menos como os ocupantes do Palácio
do Planalto que utilizaram os computadores e horas pagos pelo dinheiro dos
impostos dos brasileiros para difamar jornalistas – até agora, restam provadas
apenas as alterações nos perfis da Wikipédia de Carlos Alberto Sardenberg e
Miriam Leitão, ambos analistas econômicos renomados e ambos empregados das
Organizações Globo. Também não há como saber se os difamadores cantavam a
célebre “Branca, Branca, Branca, Leone, Leone, Leone!” enquanto espalhavam suas
mentiras, mas sabe-se sem dúvidas que eram trabalhadores da sede do Poder
Executivo Federal em horário de serviço.
A Wikipédia se propõe a ser uma
enciclopédia online livre feita por conteúdo colaborativo. Em tese, qualquer
pessoa pode incluir ou alterar dados. A tese subjacente é de que a colaboração
entre iguais restringirá abusos individuais. Em termos gerais, funciona. Não é
exatamente precisa como uma Larousse ou uma Britânica, o que faz dela uma fraca
fonte de pesquisas, mas também não costuma ser gritantemente errada. É bastante
popular (possui mais de 4½ milhões de artigos em inglês e mais de 800 mil em
português), o que faz com que seja muito utilizada como fonte inicial de
pesquisas online sobre muitos assuntos – é hábito comum entre estudantes
iniciar as pesquisas em um verbete da Wikipédia e, a partir daí, procurar
referências mais específicas e fontes primárias. Por isso, a Wikipédia tem um
poder disseminador muito grande, para o bem e para o mal. Foi precisamente esse
o alvo do Exército Brancaleone do Planalto. A intenção era desqualificar Leitão
e Sardenberg, que muitos petistas consideram tendenciosos – as críticas dizem
que seriam arautos de um antipetismo refletido em análises que deliberadamente
enfatizariam os dados negativos da economia enquanto esconderiam os positivos.
São opiniões comuns entre os petistas – e eles podem ter suas doses de razão.
Porém, difamar é crime. Os termos alterados nos perfis não deixam dúvidas
acerca disso.
Difamação é crime tipificado no
Código Penal Brasileiro (Art. 139). É um dos chamados crimes a honra – os
outros dois são calúnia (Art. 138) e injúria (Art. 140). Literalmente, fala em
disseminação de “fato ofensivo” à reputação de alguém. Carlos Alberto
Sardenberg e Miriam Leitão são jornalistas. Especificamente, dependem de suas
imagens de isenção e seriedade – em outras palavras, aferem seus ganhos graças
às suas reputações. Quando um empregado do governo brasileiro mina a
credibilidade de um jornalista sem provas, está mais que difamando o jornalista
em tela: está subtraindo-lhe vencimentos futuros por redução de credibilidade.
É grave e é sério. O crime precisa ser investigado e os perpetradores da
difamação precisam ser punidos. No entanto, também é ridículo. No que pensariam
as mentes pouco privilegiadas ao fazer uma difamação de forma tão pueril?
Realmente achavam que não há registros? Nunca ouviram falar no Protocolo de
Internet (IP, na sigla em inglês), que atribui uma identidade a qualquer
máquina que acesse a rede mundial de computadores? Tamanho grau de amadorismo
aponta para mais uma ação da Armada Brancaleone do PT. Branca, Branca, Branca,
Leone, Leone, Leone!
Na verdade, não é a primeira vez
que a Armada Brancaleone do PT atua. O ataque contra Carlos Alberto Sardenberg
e Miriam Leitão foi apenas o mais recente. Ainda neste ano, houve a profusão de
ameaças de morte e de ofensas racistas (além da já tradicional difamação) que
vitimaram Joaquim Barbosa, à época presidente do Supremo Tribunal Federal, por
conta de sua atuação para punir os criminosos do Mensalão. Antes, tivemos o
dossiê fajuto contra o então candidato de oposição José Serra nas eleições
presidenciais de 2006 – a papelada falsa, que deveria virar uma peça de
propaganda difamatória, foi comprada com dinheiro ilegal às vésperas do pleito.
São indícios que apontam para um amadorismo flagrante, quase mambembe. Aliás,
amadorismo demais. Flagrante demais. Quase mambembe demais.
Assim, não seria de se estranha
que uma mente mais desconfiada poderia pensar tratar-se de um bem urdido
estratagema para atrair a atenção do público e agir como uma espécie de boi de
piranha, enquanto as ações sofisticadas atravessam o rio um pouco mais a
jusante sem serem notadas. Com uma vantagem psicológica muito forte: as pessoas
tendem a pensar que atitudes tão pueris jamais poderiam ser comandadas pelos
próceres do partido, o que os livraria de qualquer associação com tais atos. A
bem da verdade, há um precedente histórico: o atentado da Rua Tonelero contra
Carlos Lacerda em 1954. A ligação de Getúlio Vargas com o disparo nunca foi
provada – e o argumento segundo o qual o velho ditador não seria estúpido a
ponto de mandar o chefe de sua segurança cometer pessoalmente um assassinato em
local público foi muito utilizado como defesa do gaúcho. Há, portanto, duas
possibilidades. A primeira é direta: a Armada Brancaleone do PT faz mesmo jus
ao nome é um amontoado de fanáticos incompetentes fazendo patetices quase
infantis. Branca, Branca, Branca, Leone, Leone, Leone! – e fim de papo. A
segunda é indireta: a Armada Brancaleone é uma belíssima cortina de fumaça
lançada para ações bem mais profissionais de descrédito de opositores. Nesse
caso, há de se aguardar, pois a Armada Brancaleone que apareceu até agora não
seria mais do que apenas a proverbial ponta do iceberg.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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