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Ceteris paribus


Por Pedro Nascimento Araujo

Economistas usam muito a expressão em latim ceteris paribus, que significa “mantendo tudo o mais constante”. É uma versão em economês das aulas de física básica, na qual se despreza tudo o mais ao se analisar os movimentos dos corpos, como se, na vida real, não houvesse atritos e outras interferências. O ceteris paribus tem seu valor pedagógico – e só. Porém, há algum tempo o Banco Central do Brasil tem ignorado as limitações do ceteris paribus ao lidar com a cotação do dólar norte-americano: vem usando as reservas internacionais do país para manter a moeda de referência artificialmente valorizada, com cotações oscilando em uma banda não declarada de R$ 2,20 a R$ 2,30. O objetivo é conter a espiral inflacionária, perigosamente estável no teto da já alta margem de tolerância (2 pontos percentuais para menos ou para mais) de uma meta de inflação ainda mais alta (4½% ao ano, algo virtualmente sem par em países semelhantes). De fato, o Banco Central conta com um arsenal pesado para bancar essa brincadeira pelo conceito de exposição cambial, que leva em conta as reservas internacionais (que totalizam USD 375 bilhões) que não serão comprometidas com o pagamento de dívidas contraídas no exterior: USD 250 bilhões. Ou melhor, contava: hoje, mais de USD 100 bilhões deste valor já foram comprometidos. Ceteris paribus, o Brasil se encaminha para ser alvo de um novo ataque especulativo contra o real em menos de dois anos, uma vez que a opção de uma liberação cambial (ou seja, desvalorização do real) acompanhada de um ajuste recessivo para conter a inflação não é contemplada por nenhum dos principais candidatos ao Palácio do Planalto.

Ceteris paribus, há um risco de ataque especulativo no horizonte. O nome do jogo que o Banco Central está oferecendo para atrair jogadores para o seu tapete verde é swap cambial. Didaticamente, isso significa dizer que o Banco Central vende dólares no mercado futuro a um valor mais baixo do que aquele que o mercado determinaria – o Fundo Monetário Internacional fala em uma depreciação acumulada de 15% para o real, nada muito absurdo quando se comparam as taxas de inflação anuais no Brasil (6½%) e nos Estados Unidos (2%); na prática, 15% de valorização do real equivalem a 3 anos sem mudança na taxa de câmbio nominal apenas pela diferença de inflação (juros compostos) entre os dois países – e, com isso, gera uma distorção no mercado cambial: ninguém vai comprar dólares futuros a um preço maior do que aquele pelo qual o Banco Central vende dólares futuros. Mas essa mágica tem um limite imposto pela quantidade de dólares futuros que o Banco Central pode vender. E aí mora o perigo. Obviamente, os USD 150 bilhões que o Banco Central ainda possui para garantir o dólar futuro valorizado são muito dinheiro, mas evidentemente são muito menos dinheiro que os USD 250 bilhões que o mesmo Banco Central possuía há menos de dois anos. Como a diferença entre as taxas de inflação brasileira e americana não diminui, a tendência é que fique cada vez maior a defasagem entre a taxa artificialmente valorizada do Banco Central e a taxa de mercado. Com um gigantesco porém: com a inflação no teto da margem de tolerância, qualquer desvalorização do real já é suficiente para estourar a meta inflacionária, um desastre político fenomenal, capaz de acabar com a carreira do grupo político que o perpetrar. Ocorre que o poder que o Banco Central tem para manter o dólar artificialmente valorizado é diretamente proporcional ao nível de sua exposição cambial. Obviamente, USD 150 bilhões são um tremendo poder de fogo, mas já não assustam tanto quando se sabe que eram USD 250 bilhões há pouco mais de um ano, que a diferença de taxas de câmbio tende a aumentar e que o Banco Central não tem opção exceto continuar dobrando a aposta enquanto puder para impedir o estouro da meta de inflação – e seu presidente ter de se explicar no Senado Federal por causa disso.

Ataques especulativos são ações coordenadas por profissionais. Esses profissionais sabem que, no momento, não há como apostar em uma desvalorização do real em uma data específica. Sabem apenas que é inexorável: há 15% de valorização acumulados e há uma imutável diferença anual de 4% nas taxas de inflação do real e do dólar. Sabem também que o Banco Central do Brasil tem USD 150 bilhões para bancar essa taxa valorizada – apenas a título de comparação, em 1998 o FMI e outros organismos e países disponibilizaram pouco mais de USD 40 bilhões para o Brasil não desvalorizar o real – usava-se então a chamada “âncora cambial”, nome pomposo para o real valorizado como meio de combater a inflação no Brasil, então o maior valor já disponibilizado para um país. Em 1999, o real capitulou diante de um ataque especulativo decisivo e o dólar dobrou de preço no Brasil em poucos dias. Houve quem lucrasse muito com isso. A simplicidade de um ataque especulativo é lancinante: alguns agentes chegam à conclusão de que as reservas de um determinado país para manter a cotação valorizada de sua moeda estão em vias de se esgotar. Assim, apostam contra tal moeda da maneira mais simples possível, qual seja, comprando dólares no mercado futuro pela cotação que o Banco Central vende – no caso do Brasil atual, entre R$ 2,20 e R$ 2,30 – esperando que no dia de entregar esses dólares já comprados antecipadamente a cotação da moeda americana seja significativamente maior: no caso de quem comprou dólares para o início de 1999, foi simplesmente o dobro.

Um ataque especulativo é atrativo porque significa lucro rápido na veia, pois muitos agentes econômicos que precisam honrar compromissos em dólares (importadores de toda a sorte, por exemplo) compram a moeda americana todo dia no mercado aberto pela cotação do dia. Assim, quem já tem o dólar comprado antes por um valor muito mais baixo simplesmente o revende no dia e embolsa a diferença. Fortunas são feitas e fortunas são perdidas assim, literalmente overnight. Se o Brasil continuar mantendo o real artificialmente valorizado (segundo o FMI, esse valor chega a 15% hoje) à custa de sua exposição cambial, em menos de dois anos os profissionais poderão considerar uma maxidesvalorização iminente e poderão começar a comprar massivamente dólares futuros do Banco Central, forçando-o a vender até que as reservas se esgotem e a maxidesvalorização do real ocorra, em uma profecia autorrealizável que enriquece muitos e empobrece outros tantos no mercado financeiro, mas cujo principal efeito recai sobre a população do país, que terá de conviver com inflação (ou, usando o nome mais apropriado: imposto inflacionário) maior, crédito mais caro e nível de emprego menor decorrentes de uma maxidesvalorização cambial causada por uma exposição cambial insustentável. Ceteris paribus, é para esse cenário que o Brasil se encaminhará nos próximos dois anos, lentamente e inexoravelmente, caso a opção de continuar recorrendo (novamente!) à malfadada âncora cambial seja mantida como derradeiro recurso para protelar um ataque às conhecidas causas da inflação elevada: desequilíbrios fiscais (mormente, gastos do governo) e monetários (notadamente creditícios).


Pedro Nascimento Araujo é economista.

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