Por Pedro Nascimento Araujo
Há três anos, Muammar Ghadaffi
foi apeado do poder na Líbia. O folclórico e sanguinário ditador empalado não
deixa saudades, evidentemente, mas um ponto é inegável: sob sua mão de ferro, a
Líbia era um país. O que há hoje é uma fronteira no mapa. Em outras palavras,
aquilo que se convenciona chamar “estado falido” no jargão diplomático – não há
controle do território por parte do governo. Aliás, nem há governo: mesmo com a
realização de eleições em junho, não se chega a um nome de consenso para
Premier há meses por conta de um impasse político paralisante. O círculo
vicioso é simples: o sectarismo está fragmentando o país, com uma guerra civil
que se espraia por todos os lados, e a guerra civil aumenta a escassez de
recursos porque impede que o país obtenha receitas com a exportação de petróleo
há mais de um ano, alimentando o sectarismo. A cinematográfica retirada dos 150
membros da Embaixada dos Estados Unidos, feita por terra com escoltas de
centenas de fuzileiros navais americanos até o território da Tunísia, foi
apenas a parte mais visível da deterioração da situação na Líbia. Na prática, o
país está se encaminhando para uma nova ditadura a passos rápidos.
Há, atualmente, dois focos de
combate entre o que deveria ser o governo e rebeldes de vários matizes (e,
principalmente, entre eles). Um é em Benghazi, capital legislativa e segunda
maior cidade do país e que já não é controlada pelo governo há tempos. A
outrora bela cidade às margens do Mediterrâneo é uma praça de guerra entre
extremistas islâmicos. Foi em Benghazi que o embaixador americano na Líbia
(Christopher Stevens) foi assassinado em 11 de Setembro de 2012 em um ataque
com estimados 200 combatentes do Ansar al-Sharia, grupo local que almeja implantar
a sharia na Líbia. O outro é em Trípoli, capital. Mais especificamente, pelo
controle do aeroporto de Trípoli. Como o perímetro de segurança no país é cada
vez menor, como perceberam in loco há uma semana os diplomatas britânicos cujos
carros blindados foram emboscados e fuzilados próximos ao aeroporto, a situação
poderá ser completamente inviabilizada caso algum dos grupos radicais que estão
tentando capturá-lo logre êxito – embora esteja fechado, tecnicamente ele ainda
pertence ao governo. Mas ninguém espera que ele seja reaberto em condições de
uso em breve, como indicam os fechamentos de embaixadas de países tão díspares
como Alemanha, Tunísia, Filipinas, Turquia, Estados Unidos e Arábia Saudita,
dentre vários outros. Na verdade, a chance de haver uma pacificação no país em
curto prazo é baixíssima, como relataram os enviados especiais da União
Europeia para a Líbia há uma semana: eles disseram que a situação na Líbia está
“alcançando um estágio crítico.”
O governo (interino, uma vez que
não existe porque o recém-eleito parlamento simplesmente não é conhecido: os
resultados do pleito de 25-Jul-2014 ainda não foram divulgados) consegue a
proeza de estar sendo vítima ao mesmo tempo de um golpe militar que quer
implantar um general aposentado no comando do país e mantê-lo laico (Jallifa
Hifter, comandante de facto do que restou das forças armadas do país) e de
ataques de extremistas que querem implantar a sharia. Hifter aparenta estar
vencendo. Não é de estranhar, uma vez que seus antagonistas defensores da
sharia são tão radicais que conseguem fazê-lo parecer um anjo. Parece mentira,
mas, em Benghazi, Hifter, que está tentando derrubar o governo, está lutando
contra o Ansar al-Sharia, que também quer derrubar o governo. Assim, por puro e
simples medo de que os radicais transformem a Líbia em um novo Afeganistão,
Iraque ou Síria, muitos países, inclusive democracias, o apoiam. Outros
preferem restaurar a monarquia constitucional na Líbia (o então coronel Gaddafi
destronou a dinastia al-Senussi, que assumiu com a independência da Líbia em
1951 e ficou no trono até 1969, quando Gaddafi instalou-se no poder e lá ficou
até 2011: se não chegou a ser um Fidel Castro, de certo foi um ditador deveras
longevo), mas, mesmo sendo essa a opção escolhida, o comando na prática ficaria
com o golpista Hifter. De qualquer modo, a Líbia parece estar se encaminhando
para outra ditadura – se não sob aplausos, ao menos sob silêncio cúmplice das
democracias, que, pragmaticamente, sempre preferem um estado democrático a um
estado ditatorial, mas também preferem um estado ditatorial a um estado falido.
Pedro Nascimento Araujo é economista.
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