Por
Pedro Nascimento Araujo
William “Bill” Clinton foi eleito
para a Casa Branca em 1992. O 40º presidente dos Estados Unidos foi o primeiro
democrata a comandar o país desde o fiasco de Jimmy Carter (1977-1981). Com
dois mandatos de Ronald Reagan e um de George H. Bush, os republicanos tinham
um caminhão de realizações para apresentar, que podemos resumir como a retomada
do protagonismo dos EUA no mundo: levaram o país a um ciclo de crescimento
sustentável com inflação baixa, venceram a Guerra Fria e lideraram uma
coalização internacional que contou com apoio da ONU para conter o
expansionismo de Saddam Hussein no Kuwait por meio de uma arrasadora campanha
militar. Em suma, um histórico impecável, especialmente quando se analisa o
país que Reagan recebeu de Carter e aquele que George H. W. Bush comandava. E,
no entanto, Bush perderia sua campanha de reeleição para o jovem Clinton. O
motivo? “It’s the economy, stupid.”, como James Carville, estrategista da
campanha democrata, definiu o foco da atuação de Clinton durante os debates. De
fato, a economia americana estava perdendo vigor – e, diante disso, tudo o mais
perde importância em uma campanha presidencial. Demorou, mas finalmente está
acontecendo na campanha presidencial brasileira de 2014: a economia em recessão
é o que mantém Dilma Rousseff em uma situação tão precária, com rejeição nas
nuvens – segundo a pesquisa mais recente (Datafolha), ela tem mais rejeição
(35%) do que intenção de voto (34%). Simplesmente, não há como se vencer uma
eleição assim. E a culpa é da economia.
O Brasil está em recessão pela
primeira vez desde 2008, com a confirmação na semana passada de uma sucessão de
dois trimestres de redução na atividade econômica. Não que tenha sido
inesperado para alguém – até Guido Mantega, que publicamente tentou reescrever a
teoria econômica de acordo com as conveniências políticas de Rousseff, sabe
disso – ou que haja sinais consistentes de ter sido um evento seis sigma; na
verdade, o desempenho da economia brasileira durante o período de Dilma
Rousseff e Guido Mantega só não é a pior da história porque houve uma dupla
chamada Fernando Collor de Mello e Zélia Cardoso no início dos anos 1990. O
futuro próximo também não oferece alento, com o investimento em queda, a
inflação em alta (que tem sido enfrentada por dois remédios que matam o
paciente no final: o real artificialmente valorizado por meio do swap
cambial do Banco Central começa a projetar uma sombra que se estende até
um ataque especulativo no médio prazo e o congelamento de preços administrados
fica a cada dia mais insustentável para o caixa das empresas) e as expectativas
dos agentes econômicos para lá de deterioradas. É tentador pensar que a
rejeição à presidente Rousseff é reflexo direto de seus fiascos em áreas
estratégicas como o patrocínio de regimes falidos, corruptos e totalitários na
política internacional ou às suas desastradas manobras de política interna como
as tentativas de submeter o Poder Legislativo e o Poder Judiciário aos chamados
“conselhos populares”, sovietes tropicais controlados por seu partido.
Evidentemente, são fatores que criam uma rejeição consolidada, mas não explicam
como um governo consegue chegar à situação de ter seu comandante com mais votos
contra do que votos a favor. O que explica isso é a economia.
A economia é capaz de prodígios
políticos. Com o país crescendo nada o quase nada (as previsões para o Brasil
vão de um rotundo zero até um magro 0,5% em 2014), é normal que qualquer
presidente sinta o desgaste, como Dilma Rousseff está aprendendo a duras penas
hodiernamente. Alternativamente, também é verdade que o bom desempenho da
economia convalida mesmo os governos mais autoritários, como o apoio dado ao
Regime Militar já provara: os militares começaram a perder o poder quando o II
Choque do Petróleo (1979) acabou com o plano de manter o crescimento por meio
do endividamento externo; não por acaso, a abertura política se aceleraria a
partir daquele ano. Os desatinos na condução da política econômica da dupla
Dilma Rousseff e Guido Mantega são bem conhecidos, mas as consequências seriam
administráveis em termos de reeleição se eles conseguissem esticar a corda até
o pleito: Dilma Rousseff e Guido Mantega sabem que a economia é o fator
determinante para a elevadíssima taxa de rejeição de Dilma Rousseff, mas,
contando com o desconhecimento de Eduardo Campos (além de uma rejeição
potencial no Centro-Sul a um governador jovem do Nordeste, facilmente
comparável a Collor de Mello) e com o desgaste de Aécio Neves por pertencer ao
PSDB (muito do qual foi autoinfligido, principalmente por uma atávica
dificuldade do partido tucano de se posicionar assertivamente diante de temas
econômicos, como privatização e inchaço do setor público), seria possível
vencer. Porém, com a trágica morte de Campos, tudo mudou.
Tão logo Marina Silva, com
baixíssima rejeição e alto conhecimento (foi a terceira colocada na eleição
presidencial de 2010), adentrou o derby em substituição a Eduardo
Campos, o cenário passou a ser outro. Para Dilma Rousseff, ficou claro que, em
plena recessão e sem perspectiva de crescimento econômico no horizonte, é
impossível reverter a rejeição que a aflige para vencer Silva no segundo turno
– a pouco mais de um mês para o primeiro turno, ela precisaria que ou a
rejeição a seu nome caia muito (para isso, seria necessário o país estar crescendo
– o que não acontecerá) ou a rejeição a Marina Silva aumente muito (para isso,
seria necessário surgir um fato dado novo que a desabonasse por completo – o
que é pouco provável para alguém que já disputou a corrida presidencial
anterior com excelente desempenho). Na verdade, uma análise mais detalhada dos
mapas eleitorais deixa isso bem claro: se é verdade que Aécio Neves nunca
decolou a ponto de empatar com Dilma Rousseff no primeiro turno (em parte
devido ao muitíssimo bem sucedido trabalho do PT de vilanização do PSDB: ainda
de acordo com o Datafolha, Aécio tem 22% de rejeição – bem menos que os 35% de
Rousseff, mas bem mais que os 15% de Marina Silva), também é verdade que seu
crescimento nas simulações de segundo turno contra a atual ocupante do Palácio
do Planalto o levaram a empatar com ela. Isso demonstra apenas o tamanho da
rejeição cristalizada que Dilma Rousseff tem pela frente: os eleitores que a
rejeitam jamais votariam nela no segundo turno, pouco importando quem será seu
oponente – algo que garante sua derrota. É por isso que, mesmo agora, com as
intenções de voto no neto de Tancredo Neves sangrando dia após dia, seu
desempenho em um hipotético conflito direto com Rousseff o coloca em condições
extremamente competitivas. Contra Marina Silva, que goza de rejeição
ridiculamente baixa, a rejeição de Dilma Rousseff se traduz em acachapante
derrota no segundo turno. Curiosamente, quando está sendo relegado mais a um
irrecorrível terceiro lugar, Aécio Neves proferiu uma das frases mais interessantes
da atual corrida presidencial, quando ele disse que o grupo político no poder
atualmente (leia-se Dilma Rousseff) já “perdeu a eleição” porque seu governo
acabou “antes da hora”, traduzindo para o discurso político o que os estudiosos
de pesquisas eleitorais já haviam percebido há tempos: a rejeição a Dilma
Rousseff cresceu tanto que tornou-se insustentável a ponto de fazê-la perder a
eleição no segundo turno para vitualmente qualquer candidato que se qualifique
a disputar contra ela. O PT, que está no poder desde 2013, está de saída. É a
economia, Rousseff. É a economia.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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