Caro Álex Garcia, escrevo na
esperança de que essas palavras sejam ao menos lidas por você, mas que se faz
importante nesses tempos complicados em que vivemos, tempos de ignorância e
meias verdades absolutas. Radicalismos à parte, não sou apreciador de suas
opiniões, mas isso não me impede de ser leitor do seu blog, um dos poucos
veículos informativos de qualidade de nossa cidade.
Bom, como visto no assunto do
email, gostaria de fornecer subsídios para a reflexão sobre o tema.
Ao contrário do que afirma
porta-vozes da onda conservadora da sociedade, qualquer discurso é ideológico,
por mais objetivo que o interlocutor queira ser, é impossível não expressar um
determinado ponto de vista quando se reflete sobre um tema. Nesse sentido,
deixo claro a minha preferência acerca do tema e sua importância no trabalho
escolar.
Bom, o que tenho visto nos
últimos dias são visões deturpadas sobre a ideia do trabalho da questão de
gênero na escola, acredito que mais pela falta de informação do que por
maldade.
Toda ideologia não se explica por
si, mas necessita de reflexão levando-se em consideração diversos fatores,
principalmente quando essa ideologia torna-se prática. Tudo dependerá do ponto
de vista que se tomará na hora de analisar. Assim, liberalismo não é,
necessariamente, capitalismo, tal qual socialismo não se resume a comunismo.
Portanto, meu caro, a ideologia
de gênero não foge a essa regra. A interpretação que vejo reproduzida por você,
em seu blog, semelhante a das lideranças religiosas de nossa cidade, reflete
uma das interpretações possíveis para a questão, o que não significa ser a
única. Essa visão se baseia, se não me engano, em uma experiência francesa que,
penso eu também, não ser a melhor forma de se tratar o tema. A forma como o
assunto está sendo trabalhado pela sociedade em geral - excluir as diferenças
para produzir igualdade - é digna de aplausos... Por Hitler!
A ideologia de gênero está sendo
discutida para a educação, não para ser uma disciplina a ser ensinada, mas como
um, no linguajar pedagógico, tema transversal. Ou seja, uma questão existente
na sociedade, que precisa ser discutida para o entendimento das diferenças,
levando-se a comportamentos de tolerância e respeito, obrigação da educação de
acordo com a Lei 9.394/96.
O ponto de vista que trago aqui
visa criar um ambiente escolar que valorize as diferentes formas de se
ver/viver a vida, não ensinar comportamento A ou B. Uma das questões mais
importantes sobre a ideologia de gênero é trabalhar problemas como o machismo,
até hoje propagado por atitudes muitas vezes imperceptíveis nas atitudes
cotidianas. Um bom exemplo disso é a ideia de que existe coisa de menino e
coisa de menina, como se menino não pudesse brincar com bonecas e meninas com
carrinhos. Posso ainda citar algo que pode parecer singelo, mas que desenvolve
comportamentos: as meninas sempre ganharem brinquedos mais sem graça que os
meninos... Meninas sempre ganham aparelhos e utensílios domésticos em
miniatura, enquanto os meninos ganham bolas, carrinhos de controle remoto e
videogames.
O menino
que gosta de pelúcia é menos homem que o que gosta do Hulk? E a menina que
adora jogar "pelada", videogame e odeia rosa é menos menina? Esse
pensamento desenvolve mais comportamentos de intolerância do que de tolerância.
Concorda? Pode até parecer bobagem, mas nós que vivenciamos o cotidiano das
crianças e adolescentes nas escolas, sabemos que não é.
O problema disso tudo reside no
fato de ser historicamente complicado propor reflexões sobre certos assuntos
"espinhosos" quando se existe uma verdade inquestionável que nos
guia, esta é a grande dificuldade de trabalhar discussões desses temas com o
segmento religioso. Onde estava o segmento religioso enquanto ocorriam 11
fóruns em que o tema foi debatido? Qual o interesse em se alardear e
propagandear apenas meias-verdades sobre o assunto?
A sociedade está acostumada a
transformações lentas, que levam gerações para acontecer. A sociedade atual,
fruto da globalização e da informação, está exigindo mudanças cada vez mais
velozes, tal qual as informações não esperam mais as prensas jornalísticas
finalizarem seu trabalho. Essas mudanças sempre aconteceram e sempre vão
acontecer, só que cada vez mais visíveis e apressadas.
Por fim, concluo com uma reflexão
sobre a democracia. A nossa sociedade, democrática, preza pelo poder que emana
do "demos" (povo) e para ele retorna. Esse povo é composto pelos
cidadãos, que por sua vez são indivíduos únicos. Nesse sentido, a democracia é
feita, antes de mais nada, pela garantia dos direitos individuais, pela
convivência na diversidade, não pela "ditadura da maioria".
Logo, por mais que o país seja
composto por uma maioria esmagadora de cristãos (algo em torno de 70% segundo
dados do IBGE), existem minorias que professam outras crenças, ou mesmo que não
professam crença nenhuma. Mesmo que existisse apenas um desses, seja ateu,
umbandista ou xintoísta, não pode ser obrigado a viver sob a égide de leis
feitas com base no pensamento religioso X ou Y. Cabe ao Estado cuidar de todos,
independente de crença, cor, sexualidade, etnia etc. Esse é o grande problema
resultante da mistura entre política e religião. Perde-se a noção do que é
público e do que é privado, pois o político não deve (ou deveria) permitir que
sua crença impeça a extensão dos direitos a todos.
Por Mateus Rodrigues Vieira da Silva
Professor de História
Especialista em História
Contemporânea e das Religiões
P.S.: Faço votos de que meu email
seja lido por você e que te ajude a refletir sobre esse outro ponto de vista.
Sinta-se a vontade em usá-lo em seu blog, se assim desejar, fazendo as devidas
referências.
Do Blog Cartão Vermelho
Sr. Mateus há 10 anos fui o
primeiro comunicador e programa de TV a apoiar o movimento LGBT em Cabo Frio,
posso afirmar que se não fosse por mim algumas das Paradas LGBT da cidade não
teriam ocorrido, sempre defendi e defenderei os direitos civis de qualquer minoria,
ou mesmo de qualquer indivíduo, sempre me colocando contra injustiças e abusos
de autoridade, seja lá quem for essa autoridade.
Mas posso te dizer com toda a
certeza do mundo que eu não quero uma escola onde meu filho vai brincar de
boneca, ou que ache que esse comportamento deva ser incentivado ou achado
normal, NÃO É ACEITÁVEL, ler seu texto só me reforçou a te dizer que ideologia
de gênero é deturpação social, e vou lutar contra ela com todas as minhas
forças.
Abraços,
Álex Garcia
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