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Carta do leitor - Prof. Mateus Rodrigues fala da ideologia de gênero




Caro Álex Garcia, escrevo na esperança de que essas palavras sejam ao menos lidas por você, mas que se faz importante nesses tempos complicados em que vivemos, tempos de ignorância e meias verdades absolutas. Radicalismos à parte, não sou apreciador de suas opiniões, mas isso não me impede de ser leitor do seu blog, um dos poucos veículos informativos de qualidade de nossa cidade.
Bom, como visto no assunto do email, gostaria de fornecer subsídios para a reflexão sobre o tema.

Ao contrário do que afirma porta-vozes da onda conservadora da sociedade, qualquer discurso é ideológico, por mais objetivo que o interlocutor queira ser, é impossível não expressar um determinado ponto de vista quando se reflete sobre um tema. Nesse sentido, deixo claro a minha preferência acerca do tema e sua importância no trabalho escolar.

Bom, o que tenho visto nos últimos dias são visões deturpadas sobre a ideia do trabalho da questão de gênero na escola, acredito que mais pela falta de informação do que por maldade.

Toda ideologia não se explica por si, mas necessita de reflexão levando-se em consideração diversos fatores, principalmente quando essa ideologia torna-se prática. Tudo dependerá do ponto de vista que se tomará na hora de analisar. Assim, liberalismo não é, necessariamente, capitalismo, tal qual socialismo não se resume a comunismo.

Portanto, meu caro, a ideologia de gênero não foge a essa regra. A interpretação que vejo reproduzida por você, em seu blog, semelhante a das lideranças religiosas de nossa cidade, reflete uma das interpretações possíveis para a questão, o que não significa ser a única. Essa visão se baseia, se não me engano, em uma experiência francesa que, penso eu também, não ser a melhor forma de se tratar o tema. A forma como o assunto está sendo trabalhado pela sociedade em geral - excluir as diferenças para produzir igualdade - é digna de aplausos... Por Hitler!

A ideologia de gênero está sendo discutida para a educação, não para ser uma disciplina a ser ensinada, mas como um, no linguajar pedagógico, tema transversal. Ou seja, uma questão existente na sociedade, que precisa ser discutida para o entendimento das diferenças, levando-se a comportamentos de tolerância e respeito, obrigação da educação de acordo com a Lei 9.394/96.

O ponto de vista que trago aqui visa criar um ambiente escolar que valorize as diferentes formas de se ver/viver a vida, não ensinar comportamento A ou B. Uma das questões mais importantes sobre a ideologia de gênero é trabalhar problemas como o machismo, até hoje propagado por atitudes muitas vezes imperceptíveis nas atitudes cotidianas. Um bom exemplo disso é a ideia de que existe coisa de menino e coisa de menina, como se menino não pudesse brincar com bonecas e meninas com carrinhos. Posso ainda citar algo que pode parecer singelo, mas que desenvolve comportamentos: as meninas sempre ganharem brinquedos mais sem graça que os meninos... Meninas sempre ganham aparelhos e utensílios domésticos em miniatura, enquanto os meninos ganham bolas, carrinhos de controle remoto e videogames.

O menino que gosta de pelúcia é menos homem que o que gosta do Hulk? E a menina que adora jogar "pelada", videogame e odeia rosa é menos menina? Esse pensamento desenvolve mais comportamentos de intolerância do que de tolerância. Concorda? Pode até parecer bobagem, mas nós que vivenciamos o cotidiano das crianças e adolescentes nas escolas, sabemos que não é.

O problema disso tudo reside no fato de ser historicamente complicado propor reflexões sobre certos assuntos "espinhosos" quando se existe uma verdade inquestionável que nos guia, esta é a grande dificuldade de trabalhar discussões desses temas com o segmento religioso. Onde estava o segmento religioso enquanto ocorriam 11 fóruns em que o tema foi debatido? Qual o interesse em se alardear e propagandear apenas meias-verdades sobre o assunto?

A sociedade está acostumada a transformações lentas, que levam gerações para acontecer. A sociedade atual, fruto da globalização e da informação, está exigindo mudanças cada vez mais velozes, tal qual as informações não esperam mais as prensas jornalísticas finalizarem seu trabalho. Essas mudanças sempre aconteceram e sempre vão acontecer, só que cada vez mais visíveis e apressadas.

Por fim, concluo com uma reflexão sobre a democracia. A nossa sociedade, democrática, preza pelo poder que emana do "demos" (povo) e para ele retorna. Esse povo é composto pelos cidadãos, que por sua vez são indivíduos únicos. Nesse sentido, a democracia é feita, antes de mais nada, pela garantia dos direitos individuais, pela convivência na diversidade, não pela "ditadura da maioria".

Logo, por mais que o país seja composto por uma maioria esmagadora de cristãos (algo em torno de 70% segundo dados do IBGE), existem minorias que professam outras crenças, ou mesmo que não professam crença nenhuma. Mesmo que existisse apenas um desses, seja ateu, umbandista ou xintoísta, não pode ser obrigado a viver sob a égide de leis feitas com base no pensamento religioso X ou Y. Cabe ao Estado cuidar de todos, independente de crença, cor, sexualidade, etnia etc. Esse é o grande problema resultante da mistura entre política e religião. Perde-se a noção do que é público e do que é privado, pois o político não deve (ou deveria) permitir que sua crença impeça a extensão dos direitos a todos.

Por Mateus Rodrigues Vieira da Silva
Professor de História
Especialista em História Contemporânea e das Religiões

P.S.: Faço votos de que meu email seja lido por você e que te ajude a refletir sobre esse outro ponto de vista. Sinta-se a vontade em usá-lo em seu blog, se assim desejar, fazendo as devidas referências.

Do Blog Cartão Vermelho

Sr. Mateus há 10 anos fui o primeiro comunicador e programa de TV a apoiar o movimento LGBT em Cabo Frio, posso afirmar que se não fosse por mim algumas das Paradas LGBT da cidade não teriam ocorrido, sempre defendi e defenderei os direitos civis de qualquer minoria, ou mesmo de qualquer indivíduo, sempre me colocando contra injustiças e abusos de autoridade, seja lá quem for essa autoridade.

Mas posso te dizer com toda a certeza do mundo que eu não quero uma escola onde meu filho vai brincar de boneca, ou que ache que esse comportamento deva ser incentivado ou achado normal, NÃO É ACEITÁVEL, ler seu texto só me reforçou a te dizer que ideologia de gênero é deturpação social, e vou lutar contra ela com todas as minhas forças.

Abraços,
Álex Garcia

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