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Bibi Tantan - Por Pedro Nascimento Araújo


Bibi Tantan

Benjamin Netanyahu é um daqueles sujeitos que adoram perder uma oportunidade de ficar calado. Apenas para ninguém se perder: há algumas semanas, palestinos e israelenses voltaram a se enfrentar nas ruas de Jerusalém por um motivo torpe – de inclinação religiosa, claro: de novo, o acesso à Mesquita de Al-Aqsa e ao Domo da Rocha, na Esplanada das Mesquitas ou no Monte do Templo, conforme respectivamente muçulmanos e judeus se referem ao mesmo local. Essa escaramuça não é nova – basta lembrar a confusão que se seguiu à visita de Ariel Sharon ao lugar há mais de uma década. Com israelenses sendo mortos a facadas por palestinos em ataques aleatórios e absolutamente hediondos nas ruas do país, Israel merece toda a solidariedade internacional. O país precisa retomar a ordem e garantir a segurança, mas sempre se espera do lado mais forte (e não há comparação entre Israel e Palestina nesse aspecto) que haja comedidamente, de acordo com o preceito “Qui peut le plus, peut le moins” (“Quem pode fazer mais também pode fazer menos”). De fato, a reação israelense nas ruas convertidas em palcos de batalhas tem sido ponderada, e a nação dona das melhores forças de defesa do mundo ainda não cogita usar seu poderio bélico contra os territórios palestinos. Ou seja, tudo estava indo relativamente bem (para os padrões da região, claro), quando Bibi provou que está Tantan e resolveu imputar ao antigo grão-mufti (líder religioso com autorização para emitir sentença vinculante para os muçulmanos, a chamada fatwa) de Jerusalém a criação do Holocausto.

A bem da verdade, diga-se que Haj Amin al-Husseini, o mufti em questão, era simpatizante de Hitler. Ele chegou mesmo a morar na Alemanha Nazista durante a II Grande Guerra, aonde fez propagandas do regime para povos árabes. Isso está bem documentado – e al-Husseini não escondia seu desejo de ter uma Terra Santa sem judeus. Embora, após a queda de Hitler, al-Husseini tenha negado até o final da vida inteira ter apoiado a Solução Final, não é impossível supor que ele tenha sido simpático a ela. Na verdade, nem é difícil supor que o ódio aos judeus era o ponto de contato entre um supremacista ariano e um muçulmano, povo que Hitler considerava outra sub-raça que seria eliminada tão logo não houvessem mais judeus na Europa e, quiçá, no mundo. Hitler sabia disso, assim como al-Husseini. E desse inimigo comum, surgiu uma das mais bizarras de todas as alianças de conveniência da história, aquela entre nazistas e muçulmanos. Ou melhor, entre nazistas e uma minoria de muçulmanos fiéis a al-Husseini, uma vez que a esmagadora maioria dos muçulmanos apoiou os Aliados no conflito. Heinrich Himmler e Adolf Eichmann se reuniram com Haj Amin al-Husseini para tratar do apoio deste ao nazismo. Há fotos do grão-mufti passando tropas nazistas em revista e saudando-as com o famigerado “Heil, Hitler!” São fotos nojentas que mostram não apenas a essência podre de um homem, mas também a hipocrisia do regime nazista, que se esquecia de seus preceitos de superioridade racial sempre que lhe era conveniente.

Aliás, aqui cabe uma leve digressão. Para quem imagina que esse comportamento hipócrita por parte de racistas é exclusividade nazista, há um exemplo bem mais recente que merece ser citado, envolvendo a África do Sul do apartheid até os anos 1990. A lei de apartheid sul-africana não permitia que não-brancos (não apenas negros, mas todos os que não fossem de origem europeia) sequer pernoitassem nas cidades aonde os brancos viviam – e isso incluía turistas. Para definir quem teria o passaporte interno que autorizava a permanência nas cidades de brancos após o fim do expediente (aos não brancos era permitido ficar nos locais de brancos para trabalhar, sendo obrigatório o retorno imediato após o fim do expediente), ao entrar no país os turistas passavam pelo crivo de guardas de fronteira que chegavam ao absurdo de usar um pente nos cabelos deles para definir se quem era branco e quem não era – e, invariavelmente, surgiram casos de pessoas que foram consideradas brancas em uma vez e não-brancas em outra. Pois bem. Nos anos 1970, quando as ações de isolamento internacional do regime racista começaram a afetar a economia do país, os africâneres simplesmente decretaram que investidores japoneses eram brancos. E ponto final. Turistas japoneses normais continuariam sendo não-brancos, mas investidores japoneses passaram a ser brancos. Essa é a ética do racismo: vil e cínico. Fechada a digressão, podemos apenas imaginar o esforço que nazistas de alta estirpe devem ter feito para esconder seus preconceitos ao ter de lidar com um muçulmano. Ainda assim, a inusitada parceria prosseguiu até chegar à audiência privativa entre al-Husseini e Hitler em 1941 à qual Bibi Tantan fez menção.

Em 1941, al-Husseini e Hitler se encontraram. Em março deste ano, o Joseph Spoerl, radicado nos Estados Unidos, lançou um até então obscuro paper chamado “Palestinos, Árabes e o Holocausto”, no qual defende que Hitler tomou a decisão de matar os judeus após a entrevista com al-Husseini. É uma tese para lá de controversa. Primeiro, porque não há registros da conversa; assim, se al-Husseini realmente deu apoio ou mesmo sugeriu o Holocausto (o que é algo bem mais grave do que ser “apenas” antissemita), nunca se saberá com certeza, ao contrário do Holocausto, que Hitler realmente começou a colocar em marcha em 1941 – até então, os nazistas literalmente extorquiam todo o ouro dos judeus e os expulsavam dos países que iam sendo ocupados. Segundo, porque o professor Spoerl minimiza o fato de que Hitler já vinha perseguindo os judeus com base em um antissemitismo atávico que ele fazia questão de exibir desde a sua juventude – para muitos historiadores, inclusive Joachim Fest, o mais aclamado biógrafo de Hitler, a Solução Final foi apenas a zênite de um longo processo. E, terceiro, porque ignora o fato de 1941 ter sido o ano da virada na II Guerra Mundial: Hitler foi forçado a desistir de ocupar o Reino Unido após os Spitfires da Royal Air Force terem vencido a Luftwaffe (o controle dos ares impedia qualquer tentativa de desembarque anfíbio de tropas), começava a campanha da Rússia (a Operação Barbarossa que teria na derrota em Stalingrado o início do seu fim e, principalmente, a Alemanha declarou guerra aos Estados Unidos da América após estes declararem guerra ao Japão na esteira de Pearl Harbor. Em 1941, começou a ficar claro para Hitler que a Alemanha não poderia vencer a guerra contra esses três aliados: Estados Unidos, Reino Unido e União Soviética. Então, ele partiu para a tentar defender o que já havia conquistado e manter a cabeça acima do pescoço. Nesse contexto, conforme Fest, seu antissemitismo aflorou ainda mais – ele culpava os judeus pelo fato de ter todos esses inimigos poderosos que ele fez (ele atacou os britânicos e soviéticos e declarou guerra aos americanos ainda que seu acordo militar com o Japão fosse de defesa; ou seja, ele estava desobrigado de ajudar o Japão caso o país nipônico fosse o agressor, como aconteceu em 1941). Ao invés de simplesmente expulsar os judeus, Hitler começou a matá-los em escala industrial, não sem antes se apropriar dos bens deles: era o Holocausto. Colocar um processo desses como resultado de uma conversa de Hitler ao pé da lareira com um muçulmano (ou seja, alguém que Hitler desprezava intrinsecamente) é uma hipótese que não encontra respaldo na historiografia. E, no entanto, foi a hipótese esposada por Bibi Tantan em pleno momento de crise com os palestinos: só mesmo alguém muito fora de si é capaz de imaginar que defender tal disparate pode ajudar a trazer a paz e a estabilidade para Israel. Infelizmente, enquanto tiver defensores como Bibi Tantan, Israel simplesmente não precisa de agressores para ter problemas.


Pedro Nascimento Araujo é economista.

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