Um
bagrinho qualquer
Eduardo Cunha sempre foi um peixe
de águas escuras – não necessariamente profundas, mas necessariamente opacas.
Um bagrinho qualquer. Ele teve uma carreira iniciada pelas mãos de uma das mais
inusitadas parcerias políticas do Brasil (aquela entre Collor de Mello na
Presidência da República com Leonel Brizola no Governo do Estado do Rio de
Janeiro), que lhe colocou à frente da finada Telerj no começo dos anos 1990.
Desde então, aliou-se a todos os govenadores e presidentes que se dispuseram a
lhe dar espaço – e, frequentemente, mudando de lado: esteve com o Casal
Garotinho e bandeou-se para Sérgio Cabral sem rubores. E, assim, negociando
cargos e sendo fiel apenas a si mesmo, o bagrinho qualquer foi virando um
grande peixe, temido e admirado; todavia, o bagrinho qualquer nunca o havia
abandonado completamente, e foi nas águas turvas, nas quais era mestre de
deslocamentos fortuitos, que ele ganhou nome. Deveria ter permanecido lá.
Quando ascendeu às águas claras ao se fazer presidente da Câmara dos Deputados,
os holofotes voltaram-se para ele. Ao ser mordido pela mosca azul, Eduardo
Cunha, o maior peixe das águas turvas, pensou ser grande. Doce ilusão. Quem
nasce bagrinho qualquer não sabe nadar em águas claras. E o peixe grande acabou
fisgado como o bagrinho qualquer que nunca deixou de ser.
No meio político fluminense,
Eduardo Cunha é muito respeitado. Ele tem a qualidade mais desejada por
qualquer político em seus pares: Eduardo Cunha promete e cumpre. Sempre. Não se
fala aqui de uma conspiração mafiosa, com ormetà e afins, mas sim de
compromissos políticos – leia-se cargos e verbas. Tudo dentro da legalidade,
embora com moralidades diversas. Independentemente disso, Eduardo Cunha
realmente fez um nome no Rio de Janeiro e, depois, em Brasília. Era um dos
homens mais poderosos da Câmara dos Deputados. Uma espécie de rei do chamado
“Baixo Clero”, Cunha negociava os votos de uma bancada aliada poderosa o
suficiente para eleger o presidente da Casa, se quisesse. Mas nunca quis, e
quando o fez, ainda que por incompetência do Palácio do Planalto (eleição de
Severino Cavalcanti), ficou bem claro que bagrinhos têm limitações demais.
Porque Eduardo Cunha se deixou contaminar pela mosca azul não se sabe, mas fica
bem claro que ele se enamorou do poder. O que significou sua derrocada.
As acusações que pendem sobre
Eduardo Cunha são extremamente graves, mas pesam sobre ele também por força da
posição que ele ocupa. O bagrinho qualquer ficou grande demais. Estava tratando
com os maiores do Brasil no Petrolão, tanto no setor público quanto no privado.
E começou a achar que a Presidência da Câmara dos Deputados seria a mosca azul
que lhe daria todo o poder, mas, como a personagem do conto homônimo de Machado
de Assis, enlouqueceu: Eduardo Cunha impingiu ao claudicante de nascença
segundo governo de Dilma Rousseff sua primeira derrota ao vencer o pleito –
muito mais por causa da épica inabilidade política de Dilma Rousseff do que por
méritos próprios. E começou a extrapolar. Seus áulicos lançavam o nome dele
para a sucessão de Dilma Rousseff. Peixe de águas turvas nunca deve colocar a
cabeça acima da superfície, pois denunciam suas posições e acabam sendo
pescados, ainda que a pauladas. Desafiou abertamente o Palácio do Planalto.
Acreditava que, se ferisse de morte Dilma Rousseff, poderia ser seu sucessor,
mas se esqueceu de um importantíssimo detalhe: seu passado seria escrutinado
agora que ele estava em águas translúcidas. Aí a casa caiu.
Eduardo Cunha tem contas secretas
no exterior, como demonstram diversos documentos. Infelizmente, ele não há de
ser o primeiro ou o último dos poderosos do Brasil a guardar dinheiro no
exterior porque simplesmente não confiam no país que eles, como elites, têm a
maior responsabilidade de fazer desenvolvido. Faz parte. Porém, Eduardo Cunha
afirmou em depoimento que não as possuía. Perdeu excelente chance de ficar
calado e produziu provas contra si mesmo. Claro que sua defesa vai alegar as
coisas mais espúrias para sustentar que ele não quebrou o decoro parlamentar ao
mentir, como que as contas não são dele, mas da esposa dele, ou que, no dia do
referido depoimento, ele realmente não possuía as tais contas, porque mandara
fechar pouco antes. Não importa. Enquanto Eduardo Cunha permanecer na
Presidência, a agenda da Câmara dos Deputados será a mesma: Eduardo Cunha. E
isso é algo que congressistas não suportam. Portanto, Eduardo Cunha tornou-se
um monumental óbice para seus pares, que ficam com respingos das acusações a
Eduardo Cunha e, pior, sem palanque por conta da pauta da imprensa estar toda
voltada a ele.
O bagrinho qualquer não vai
voltar para as águas turvas. Ele está sendo pescado: simplesmente, não voltará
mais para a água. Como seu mentor Collor de Mello, Eduardo Cunha foi com muita
sede ao pote do poder e começou a trocar a coleção de amigos e admiradores por
uma de inimigos e detratores. Obra 100% autoral. Se estivesse ainda como o rei
sem coroa que comanda uma importantíssima bancada informal, Eduardo Cunha
continuaria a ser temido e admirado e todos iriam negociar favores com ele. Ao
se expor em águas cristalinas, deixou claro que não passa de um bagrinho
qualquer, com um passado nebuloso que não conseguiu limpar. Continua sendo um
peixinho limpa-fundo. Que sonhou com o poder e a glória, apenas para descobrir
que não teria como obtê-los. Severino Cavalcanti o havia precedido e indicado
que não espaço para bagrinhos quaisquer como ele em cargos de tamanha
relevância. O bagrinho qualquer Eduardo Cunha olhou-se no espelho e viu um
tubarão. Insistiu na aventura. Acabou fisgado, mas não como um tubarão, com
linhas especiais, tripulação dedicada, motores potentes etc. Acabou fisgado
como um bagrinho qualquer.
Pedro Nascimento Araujo
é economista.
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