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A Segunda Batalha de El Alamein. Por Pedro Nascimento Araujo


A Segunda Batalha de El Alamein

Há uma irresistível mudança política em curso em tantos países na América do Sul que há, na verdade, uma coleção de mudanças no continente. O centro-esquerda vem cedendo espaço ao centro-direita como preferência do eleitorado em quase países simbólicos para a região, independentemente do grau de democracia. Há duas semanas, vimos isso acontecer na Argentina, com a vitória de Maurício Macri marcando o início do fim dos anos de hegemonia dos Kirchner. Ontem, Nicolás Maduro sofreu uma acachapante derrota na Venezuela, marcando o início do fim dos anos de inspiração no coronel Hugo Chávez. Por fim, na semana passada, o Congresso Nacional abriu um processo de impeachment contra Dilma Rousseff, marcando o início do fim da hegemonia do PT no Brasil. Tantos inícios de fim juntos remetem à famosa frase de Winston Churchill após a vitória dos Aliados sobre o Eixo na Segunda Batalha de El Alamein (Egito, 1942 – três meses antes, na Primeira Batalha de El Alamein, os Aliados impediram o avanço do Eixo, mas não conseguiram uma vitória), quando o até então invencível Erwin Rommel perdeu para Bernard Montgomery: “Isso não é o fim, não é mesmo o começo do fim, mas, talvez, seja o fim do começo.” Vencer Rommel, o Wüstenfuchs(“Raposa do Deserto”) e seu temido Afrikakorps (“Batalhão da África”) foi tão importante para o moral dos Aliados que Churchill anotaria, em suas memórias, que, enquanto “antes de El Alamein nunca tivemos uma vitória, depois de El Alamein nunca tivemos uma derrota.” Foi um ponto de inflexão na II Guerra Mundial. Depois dele, nada mais seria igual: a derrota do Eixo deixou de ser impossível e passou a ser inexorável nas areias do Egito. Assim como o impeachment de Dilma Rousseff: desde a admissão do pedido pelo inacreditavelmente ainda presidente da Câmara dos Deputados, sua Segunda Batalha de El Alamein começou. E o prognóstico não lhe é favorável.

A América do Sul virou um terreno fértil para governos populistas e autoritários nos anos 2000 por conta de diversos fatores, dentre os quais o principal foi uma forte apreciação dos termos de troca com o exterior. Resumidamente, os produtos que os países da região exportam passaram a ser relativamente mais valorizados do que os produtos e serviços que eles importam. Passaram, na prática, a ficar relativamente mais ricos frente aos demais países do mundo. Isso significou uma expansão da renda sem precedentes do passado recente desses países. Ao invés de usarem a bonança – que é finita, por definição – para se desenvolverem, promovendo reformas estruturais que preparassem seus sistemas produtivos para a economia baseada no conhecimento, optaram por um modelo de crescimento baseado no consumo. Assim, o dinheiro que chegava fácil não financiou uma revolução na educação no continente nos moldes que países como Japão e Coreia do Sul experimentaram; do contrário, intensificou-se na região o paradoxo de pessoas que possuíam produtos extremamente sofisticados em casas sem saneamento básico. Obviamente, não há dúvidas de que poder consumir mais mantido todo o resto constante é preferível a apenas manter todo o resto constante. Mas, mais obviamente ainda, não há dúvidas de que melhorar os níveis de educação mantendo o resto constante é ainda mais preferível, uma vez que representa uma preparação para o futuro. Foi essa visão de estadista que faltou para os governos de esquerda que grassaram na América do Sul nos anos 2000: deveriam ter adotado medidas impopulares no curto prazo para preparar seus países para o longo prazo; na verdade, se o tivessem feito, já estariam começando a colher os frutos da semeadura e se manteriam no poder por muito mais tempo, em bases sustentáveis. Não o fizeram e agora enfrentam as inexorabilidades: estão marchando rumo ao fim. Cada um se vê como um Rommel (na verdade, comparar pessoas como Cristina Fernández de Kirchner, Nicolás Maduro e Dilma Rousseff a Erwin Rommel é uma injustiça para com o grande militar alemão: o Wüstenfuchs foi respeitado por seus comandados e por seus adversários – o próprio Churchill tece fartos elogios a ele em suas memórias – e era tido como um oficial prussiano de almanaque, disciplinado e cavalheiresco no sentido mais amplo da palavra, incapaz de atingir um adversário caído ou pelas costas ou de desrespeitar as regras da guerra – Rommel simplesmente ignorou as ordens de Hitler para atacar alvos civis ou perseguir judeus e tratava seus prisioneiros de forma digna e, depois, porque liderou a conspiração para assassinar oFührer em 1944, acabou sendo condenado à morte, com Hitler autorizando que ele se suicidasse para esconder o complô e não gerar comoção popular por matar um herói nacional) diante de sua Segunda Batalha de El Alamein particular. Seus pontos de inflexão particulares.

Na Argentina, Maurício Macri venceu a versão platina da Segunda Batalha de El Alamein e jogou a pá de cal no populismo do Casal Kirchner, mas há outros exemplos. Em relação à Venezuela, sócia do Mercosul graças à mais vergonhosa ação da diplomacia brasileira em décadas, Macri afirma que, se o país bolivariano continuar a manter características de ditadura (presos políticos, censura etc.), ele vai seguir o velho ditado francês: Il faut appeler un chat un chat (“Deve-se chamar de gato a um gato”) para dizer o óbvio – se a Venezuela age como uma ditadura, então a Venezuela é uma ditadura. Horácio Cartes, presidente do Paraguay, país que foi escandalosamente escanteado para Brasil e Argentina colocassem a Venezuela para dentro do Mercosul, deu declaração nesse sentido recentemente sobre a Venezuela, afirmando que não há porque ele chamar ditadura de outra coisa senão ditadura. A posição do Uruguay não difere. Apenas o Brasil continua defendendo o aprendiz de tirano bigodudo que dá expediente no Palácio de Miraflores, mas, mesmo que Dilma Rousseff consiga se manter no poder, a posição que ela e seu partido vêm obrigando o Itamaraty a defender não se sustenta sozinha. Aliás, na própria Venezuela, é bem provável que Maduro não termine seu mandato: com a derrota de ontem, a oposição passa a controlar o Parlamento e o recall de Maduro já pode acontecer pelo voto popular em 2016 – algo bem plausível para um presidente com a popularidade no chão e em uma economia em frangalhos. Maduro já é um espectro assombrando as vidas dos venezuelanos, mas ainda poderá resistir no cargo por um bom tempo antes de ser definitivamente relegado ao lixo da história. De qualquer modo, é inexorável – Maduro já está acabado: falta apenas saber como será o fim dele, porque ele teve uma derrota digna de Segunda Batalha de El Alamein ontem. No Brasil, Dilma Rousseff começou sua Segunda Batalha de El Alamein na semana passada. No papel, ela tem números suficientes para impedir o impeachment – mas o papel aceita tudo: vale sempre lembrar que Collor de Mello também tinha, mas, à medida que o processo de impeachment vai evoluindo, tudo muda ao sabor da opinião pública, o que é uma péssima notícia para a presidente mais impopular na história das pesquisas de popularidade. A situação de queda dela também vai ganhando contornos de inexorabilidade: se conseguir matar o impeachment no nascedouro, ainda ganha sobrevida; se não, com o processo acontecendo e ganhando atenção popular, será mera questão de tempo para que o Congresso Nacional reflita a rejeição recorde que ela tem junto ao povo brasileiro e vote pela sua saída. E, mesmo que consiga sobreviver, ainda há outros processos de impeachment possíveis (vale lembrar que o Congresso ainda não apreciou a rejeição das contas dela pelo Tribunal de Contas da União – um fato claro para um novo pedido de impeachment) e há a claríssima possibilidade de o Tribunal Superior Eleitoral cassar a chapa dela em 2014 por conta de irregularidades associadas a benefícios decorrentes do Petrolão, cada vez mais provados conforme a Lava-Jato avança rumo aos escalões superiores do PT. Ou seja, a queda de Dilma Rousseff é inexorável, gostemos disso ou não. O ponto de inflexão chegou: a versão tupiniquim da Segunda Batalha de El Alamein começou na semana passada em Brasília. Já sabemos o resultado dela antes mesmo de ela começar.


Pedro Nascimento Araujo é economista.

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