Obama
em Havana
Barack Obama tantas fez que
conseguiu um feito histórico. Ao chegar ontem (20-Mar-2016) em Havana para a
primeira visita oficial de um presidente americano a Cuba desde 1928, ele
demonstrou um inequívoco comprometimento dos Estados Unidos com a América do
Sul e o Caribe. Com apenas um gesto, acabou com um poderoso pretexto para o
antiamericanismo que grassa na região. A questão cubana era sempre invocada
para acusar os americanos de imperialismo, embora uma análise mais detida
revele que o assunto é muito mais complexo: nenhum dos dois é mais vítima do
que verdugo. Ainda assim, a reaproximação entre Washington e Havana traz muitas
possibilidades para ambos os lados. Para os americanos, significa oportunidades
de negócios. Para os cubanos, mais um passo rumo ao mundo liberal.
Aos poucos, a cinquentenária
ditadura cubana vai dando paulatinos sinais de fadiga, que combate com a
truculência de sempre. Horas antes da chegada de Obama a Havana, dezenas de
pessoas que protestavam por mais liberdade foram presas. Um lembrete claro de
que a democracia está longe do cotidiano cubano, mas também um lembrete claro
de que as pessoas hoje não correm mais o risco de ir para o malfadado El
Paredón, como nos tempos em que Fidel Castro e Ernesto Che Guevara
davam as cartas na ilha caribenha. O que a ditadura dos Irmãos Castro pretende
fazer em sua ilha particular não é segredo. A ideia é sair do comunismo como
sistema econômico – e só. A ditadura seria mantida, como na China e no Vietnam.
Os Irmãos Castro sabem que não há mais como manter o falido sistema comunista.
Eles querem a todo custo evitar uma implosão no estilo da que levou ao colapso
da União Soviética em 1991. Na verdade, vinham fazendo ensaios nesse sentido
desde o fim da Guerra Fria, mas apenas por questões pragmáticas: a mesada
soviética que mantinha o regime acabou. Porém, quando Caracas substituiu Moscow
como mecenas de Havana, a velocidade das mudanças retrocedeu. É
interessantíssimo como sístoles e diástoles da distensão em Havana dependem da
necessidade de dinheiro. Com o Palácio Miraflores sem condições sequer de
manter-se, e quem dirá bancar os Irmãos Castro por propaganda ideológica,
restou a Havana voltar-se para a Casa Branca. E a Casa Branca respondeu ao
chamado. Mas, com Washington, a moeda de troca é outra: democracia.
Barack Obama está disposto a
mudar Cuba. Não fala abertamente sobre isso, mas o preço de autorizar a
irrigação da ilha com dinheiro privado americano é esse: democracia. Barack
Obama conta com o fato de saber que é um símbolo poderoso: um negro na
presidência americana. Isso tem um peso particularmente alto em Cuba, país que
tem um terço da população de origem negra – e nenhum negro nos altos cargos do
governo cubano, um constrangimento pouco explorado pelos detratores da ditadura
dos Irmãos Castro que a mera presença de Obama evoca. Ele sabe que inspira os
cubanos que buscam mais liberdade. E, como Obama sabe o que os cubanos buscam,
não pretende repetir o erro que Richard Nixon cometeu quando “abriu” a China;
ou seja, Obama não quer que a “abertura” de Cuba sirva para dar sobrevida
capitalista a uma ditadura comunista. Um momento crucial será o discurso que
ele fará ao vivo e sem censura para os cubanos. Espera-se que ele fale sobre
direitos humanos. Espera-se que ele critique as arbitrariedades da ditadura
cubana para os cubanos. Seria uma cena impensável há poucos anos. Espera-se,
enfim, que ele faça o que dele espera-se. Todavia, ao fazer isso, Barack Obama
estará expondo-se para críticas. O que é positivo. As principais críticas a que
estaria exposto dizem respeito ao embargo econômico e ao status da prisão
militar de Guantánamo. Ambas as críticas são válidas. É preciso que se diga que
o embargo econômico não surgiu à-toa: foi uma reação a nacionalizações de
ativos de americanos em Cuba sem pagamentos de indenizações. Uma medida
correta, portanto. Mas, depois de mais de 50 anos, tornou-se simplesmente uma
medida anacrônica, um fóssil ambulante da Guerra Fria. E, principalmente, hoje
não é mais do que um obstáculo para que as empresas americanas invistam em
Cuba. A expectativa é de que as mesmas pressões empresariais que levaram à
decretação El Bloqueo em 1962 levem à suspensão dele em um futuro
próximo. Por fim, há a questão da prisão militar de Guantánamo. A ocupação
americana no local é decorrente da Guerra Hispano-Americana de 1898, que levou
à independência de Cuba. Um tratado firmado poucos anos depois determinou que
os EUA alugariam o local indefinidamente, a não ser que desistam. O valor anual
é de pouco mais de quatro mil dólares – e os americanos pagam regularmente. Ou
seja, Guantánamo não deve voltar a Cuba, mas o principal problema de lá é a
prisão militar com detidos sem processo formal. Uma das promessas de campanha
de Obama (nas duas eleições que ele venceu) era fechar a prisão, mas ele não
conseguiu cumprir até agora. A existência da prisão de Guantánamo é uma mancha
na tradição de defesa da liberdade e dos direitos humanos que caracterizam os
Estados Unidos e Barack Obama. Como a existência de Guantánamo é uma crítica
que ele faz repetidamente, é lícito supor que é uma que ele aceitaria ouvir. Ou
seja, Obama pode terminar a semana com uma memorável ação dupla: uma pregação
por mais direitos humanos em Cuba e nos Estados Unidos. Obama em Havana
promete.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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