Barata-voa
Muito se escreveu sobre os
últimos dias de Adolf Hitler no bunker construído sob a Chancelaria (“Reichskanzlei”)
em Berlim, o infame Führerbunker (literalmente, “Casamata do líder”).
De algum modo, o que ocorria nos últimos dias do nazismo a quase 10 metros
abaixo da superfície e protegido por paredes de três metros diz tanto sobre o
regime de terror que tomou a Alemanha e o mundo de assalto quanto o que ocorria
nos campos de batalha. As derradeiras decisões de Hitler são uma aula sobre a esquizofrenia
do poder. Magistralmente retratados no cinema em 2004 pelo diretor Oliver
Hirschbiegel no clássico filme Downfall (“A queda! – as últimas horas
de Hitler”, no nada surpreendentemente prolixo título em português), os
acontecimentos narrados pela jovem secretária particular de Hitler mostram que
as últimas decisões do III Reich foram insanas. Pelo que se depreende da
leitura das memórias de Traudl Junge (a secretária que narra os eventos),
Hitler estava com sua proverbial paranoia em estado inédito, alternado momentos
de euforia com momentos de depressão, ambos absolutamente desproporcionais e
desligados da realidade. Um traço comum a governantes arrogantes em situação de
queda iminente, como Lula da Silva e Dilma Rousseff no momento atual. Obviamente,
não há aqui qualquer insinuação de tentativa de comparar um dos maiores
genocidas que a humanidade já produziu com nossos atavicamente incompetentes
líderes (ou líder, uma vez capacidade de liderança não é uma característica do
currículo de Dilma Rousseff). Todavia, é forçoso reconhecer que o comportamento
de completo descolamento da realidade e de alternância de momentos de euforia e
de desespero nas derradeiras decisões é um traço comum entre Adolf Hitler, Lula
da Silva e Dilma Rousseff. Isso e um fenomenal barata-voa de seus aliados, mais
preocupados com seus próprios futuros do que com o destino de um líder que não
mais lidera.
O Führerbunker foi um
prodígio da sempre prodigiosa engenharia alemã. De lá, Adolf Hitler poderia
comandar uma das mais fabulosas máquinas de guerra que o mundo já viu em ação.
Tanto que, para derrotar os alemães, foi necessário juntar as duas
superpotências ascendentes (Estados Unidos e União Soviética), uma
superpotência decadente (Reino Unido) e um sem-número de potências de menor
calibre. Para se ter uma ideia, o sistema de comunicação e comando dos alemães
era tão eficiente que permitiu que as inúmeras ordens militarmente irracionais
de Hitler chegassem aos teatros de guerra a tempo de fazer os nazistas perderem
batalhas cruciais, como em Stalingrado, ponto de inflexão da guerra. Aliás,
para entender a dimensão do efeito das paranoias expressadas por teimosias
transformadas em trapalhadas do cabo austríaco que virou comandante-em-chefe
dos militares alemães, uma leitura excelente é o livro Stalingrad, de
Antony Beevor, um historiador militar britânico especializado em II Guerra
Mundial. Portanto, doFührerbunker emanavam as decisões naquele abril de
1945, quando os americanos já haviam estacionado as tropas no limite combinado
com os soviéticos e quando os soviéticos ocupavam os subúrbios de Berlin.
Aliás, Antony Beevor também é autor de Berlin 1945, um pungente livro no
qual narra as atrocidades cometidas pelo Exército Vermelho em território alemão
– estupros, saques e execuções – realizadas com o beneplácito dos comandantes
soviéticos. Então, enquanto os soviéticos literalmente barbarizavam na
superfície, Hitler barbarizava no subsolo: ele falava em reviravolta e vitória.
Suas tropas estavam derrotadas. A defesa de Berlin foi confiada a jovens e
crianças doutrinadas em lavagens cerebrais, em um dos mais vergonhosos crimes
dos nazistas – algo notável em um regime que se caracterizou por competir com o
comunismo pelo título de regime mais cruel jamais implementado. Ainda assim,
ele falava em contra-ataques. Em vitória. Mas não era necessariamente uma
negação no estilo clássico das negações de realidade sistematizadas pela
psicologia. Não, não era a primeira das cinco fases do luto de Elisabeth
Kubler-Ross. Antes de ser uma autonegação, uma negação para consumo interno,
era uma negação para consumo externo, uma negação para manter seus comandados
animados. Uma negação que essencialmente nada mais foi do que um show de
animação farsesco, como a que fez Lula da Silva após ter sido conduzido para
depor: em um discurso que mais parecia um delírio, o ex-presidente repetiu o
comportamento de Hitler nos últimos dias do Führerbunker. Ao se comparar a
uma jararaca, na já clássica declaração (“Se tentaram matar a jararaca, não
bateram na cabeça. Bateram no rabo. A jararaca está viva!”) feita diante de
seus acólitos, Lula da Silva jogou para sua torcida. É justo registrar que
Traudl Junge jamais testemunhou Adolf Hitler se comparando a uma cobra
peçonhenta, mas Lula da Silva foi além. Conclamou seus áulicos ao combate. Como
Hitler dando ordens aos seus generais remanescentes e suas tropas esfarrapadas
e com equipamento depauperado para que virassem a guerra contra o mundo, Lula
da Silva ordenou à sua claque que partisse para o combate em defesa do governo
de Dilma Rousseff, mesmo com ela tendo o apoio de apenas um em cada 10
brasileiros. Dilma Rousseff é importante notar, está 100% alheia à realidade.
Ela simplesmente ainda não percebeu que seu governo já acabou e é mera questão
de quando terá seu final formal: se no último dia de 2017 ou antes. Pouco
importa: o governo dela já acabou, ainda que ela arraste correntes até o final.
É uma ex-presidente em exercício. Que, se levar a cabo o plano de transformar
Lula da Silva em Chefe de Governo de facto, nem mais isso será.
A parte do desespero não poderia
estar pior. A mera ideia de tornar Lula da Silva um ministro – em qualquer
ministério – é sintomática do quão sem poder Dilma Rousseff está desde que fez
“o Diabo” (sic) para vencer as eleições de 2014. Sua atávica incompetência está
por trás da gênese da crise que a transformou na presidente mais fraca desde
Deodoro da Fonseca, o homem que não queria derrubar o Imperador, mas “apenas”
derrubar o Gabinete Ouro Preto e que, cego de cólera pelo falso rumor de que
seu eterno desafeto Gaspar Silveira Martins havia sido escolhido por Dom Pedro II
para formar o novo Gabinete, se deixou ser levado pelos conspiradores que
perpetraram o Golpe da República, há 125 anos. Dilma Rousseff conseguiu a nada
invejável proeza de ser mais fraca do que Hermes da Fonseca ou Arthur
Bernardes, que enfrentou sublevações militares graves e, na prática, foi
tutelado pelo Congresso Nacional durante seu mandato. Conseguiu, enfim, ser
mais fraca do que João Goulart, que só pôde assumir o Palácio do Catete depois
que seus poderes foram esvaziados por meio de um parlamentarismo de ocasião.
Solução, aliás, que vem sendo aventada em Brasília para o caso de ela, sabe-se
lá como, conseguir cumprir os mais de 30 meses que ainda lhe restam.
Fraquíssima, sob qualquer aspecto – eis o resumo do que é Dilma Rousseff à
frente de seu natimorto segundo mandato. A ocorrência ontem das maiores
manifestações populares já registradas no Brasil são a proverbial pá de cal que
sela o enterro simbólico de um governo que, de resto, é um incômodo espectro a
arrastar correntes nas madrugadas do Palácio do Planalto. Como Adolf Hitler no Führerbunker,
Dilma Rousseff está isolada, solitária e delira com o poder que não mais tem.
Presa no Palácio do Planalto, ela está sitiada por uma rejeição popular
recorde, de quase o Brasil inteiro, e por um meio político que abertamente se
ocupa de decidir como tirá-la do poder de jure e, principalmente, de
negociar quem e como a substituirá. De fato, tão logo os cardeais do Congresso
Nacional decidam qual será o futuro, jogarão o que restará de Dilma Rousseff de
algum penhasco. Ato contínuo, automático, emotions out; afinal, o governo
dela já apodrece há muito.
Preso no Führerbunker, Adolf
Hitler estava sitiado por tropas de quase o mundo todo. Barata-voa por toda a
Alemanha. A imbatível Alemanha de 1939 tornou-se um monte de escombros naquele
abril de 1945. Perdera todos os territórios que havia conquistado. Os
americanos já estavam administrando sua parte ocidental. O Exército Vermelho
chegava aos jardins da Reichskanzlei, abaixo dos quais estava o Führerbunker,
deixado um rastro de atrocidades: expulsavam os judeus dos campos de
concentração para utilizá-los no massacre de seus próprios prisioneiros de
guerra, saqueavam tanto em nível pessoal (tudo, de louças a obras de arte)
quanto em nível estatal (fábricas e laboratórios, notadamente os mais
avançados, como os de estudos químicos, espaciais e, claro, nucleares, com
técnicos, cientistas e pesquisadores incluídos, eram simplesmente trasladados
para além dos Montes Urais) e estupravam sistematicamente mulheres e crianças,
como não se via na Europa desde que a Grande Armée napoleônica havia
barbarizado o continente mais de um século antes. Não havia escapatória para
Adolf Hitler. Ainda assim, antes de se suicidar, ele dava ordens estapafúrdias
que ninguém fora do Führerbunkercumpria. E, nos últimos dias, mesmo no Führerbunker havia
pessoas aderindo ao barata-voa. Uma ordem estapafúrdia que, guardada as devidas
proporções, poderia ter sido dada no Führerbunker, foi a inacreditável
trapalhada de nomear Wellington Lima e Silva para o Ministério da Justiça. Por
restrição constitucional, ele não poderia assumir o cargo se não renunciasse à
carreira pública. Ainda assim, fora nomeado Ministro da Justiça. Foi nomeado,
mas não assumiu: o Supremo Tribunal Federal imediatamente colocou a nomeação de
Lima e Silva (vale lembrar, um ato discricionário da Presidência da República) sub
judice. Instado a optar entre o cargo de Procurador de Justiça (BA) e cargo de
Ministro da Justiça do moribundo governo de Dilma Rousseff, Lima e Silva foi
mais um a optar pelo barata-voa, em mais uma prova cabal de que simplesmente
não há governo no Brasil; afinal, um governo zumbi não inspira otimismo algum
em pessoa alguma. Para terminar, Lula da Silva, aquele que Dilma Rousseff
delira imaginando ser a tábua de salvação para seu iminente afogamento está
mais para jacaré do que para tábua – ou jararaca, para ficar em um réptil que
parece ser-lhe mais caro. Lula da Silva está fugindo do juiz Sérgio Moro como
uma barata foge de um chinelo: por mero reflexo condicionado. Os discursos de
Lula da Silva podem ter animado seus fiéis, mas animaram também seus
adversários. Tivesse ele permanecido calado, muito provavelmente Lula da Silva
e Dilma Rousseff não teriam o nada invejável título de alvos do maior protesto
da história nacional. Quando dez milhões de pessoas saem às ruas em todos os
estados brasileiros para pedir o fim do governo do PT, fica claríssimo que o
governo do PT já acabou. Quando o Congresso Nacional ignora o governo do PT
enquanto decide qual governo sucederá ao governo do PT, fica claríssimo que o
governo do PT já acabou. Quando Dilma Rousseff dá ordens tão esdrúxulas que
torna-se possível compará-las às derradeiras ordens de Adolf Hitler no Führerbunker,
fica claríssimo que o governo do PT já acabou. Quando a única solução que o
governo do PT propõe é chamar Lula da Silva, um homem que está na iminência de
ser preso, para ser seu plenipotenciário Chefe de Governo de facto, em um
bizarríssimo autogolpe parlamentarista, fica claríssimo que o governo do PT
acabou já acabou. E, por fim, quando Lula da Silva se dispõe a embarcar na
canoa furada e sem capitão que é o governo Dilma Rousseff menos para remendá-lo
e comandá-lo e mais para evitar ser preso, fica claríssimo que o governo do PT
já acabou. Barata-voa por todos os cantos. Barata-voa para todos os lados.
Barata-voa para aonde quer que se olhe. Barata-voa nos derradeiros momentos de
Dilma Rousseff e Lula da Silva. Eis a melhor definição para o que estamos
testemunhando no fim formal do governo do PT, marcado por decisões insanas:
barata-voa.
Pedro Nascimento Araujo
é economista.
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