Dilma
Pinotti
Dilma Rousseff está vivendo os
piores dias de seu segundo governo desde que seu segundo governo começou. Na
verdade, seria mais correto dizer que ela os vive desde antes do início do seu
segundo governo. O ponto de inflexão foi o Junho de 2013, com os colossais
protestos de rua que tomaram o Brasil de assalto e a classe política de
surpresa. Naquele momento, ficou patente que a reeleição dela seria complicada,
mas ninguém imaginava que o sucesso seria alcançado a um custo tão alto. De
fato, as pedaladas para esconder o real estado da economia foram tão absurdas
que fizeram lembrar a tristemente famosa foto de Tancredo Neves em 25 de março
de 1985, exatos dez dias após a data prevista para a posse dele como o primeiro
civil a comandar o país em 21 anos. O responsável pela farsa foi o chefe da
equipe médica, Henrique Walter Pinotti. Como se sabe, não adiantou esconder a
verdade e Tancredo Neves jamais viria a receber alta. Assim como Henrique
Walter Pinotti, Dilma Rousseff foi artífice da tentativa de manter a economia
brasileira viva com base nas aparências durante seu primeiro mandato. O
resultado é conhecido: a verdade veio à tona avassaladoramente durante seu
segundo mandato. Como Henrique Walter Pinotti, Dilma Rousseff preferiu insistir
no erro e matar o paciente a admitir que havia errado. Pinotti nunca se livrou
da sombra do erro que cometeu com Tancredo, convivendo com questionamentos
acerca de suas atitudes até o final da vida. Rousseff, por sua vez, nos deixou
uma sombra gigantesca: pelas previsões mais recentes, a economia brasileira só
começará a se recuperar após 2018 – ou seja, quando acabar o período previsto
para o segundo mandato dela. A plausibilidade de Dilma Pinotti, uma hipotética
junção de duas almas comandadas e flageladas pela vaidade, é o que tentaremos demonstrar
a seguir.
É interessante pensar na analogia
entre Rousseff e Pinotti, mas antes alguns senões têm de ser colocados.
Primeiramente, Henrique Walter Pinotti era um homem competente em sua área de
atuação. Catedrático de cirurgia na Universidade de São Paulo, Pinotti era uma
sumidade acadêmica – ao menos até a patacoada com o presidente eleito. Dilma
Rousseff, por sua vez, não tem o que mostrar nessa área, exceto a vergonhosa
falsificação de um doutorado que nunca teve no Currículo Lates. Aliás, também
não tem o que mostrar como executiva – na única experiência administrativa real
que teve, faliu a lojinha. Por isso, a comparação de carreiras é injusta para
com Pinotti. Todavia, a comparação de atitudes é perfeita. Pensemos nos
momentos cruciais. Primeiro, em 25 de março de 1985. Naquele momento, um médico
como Pinotti já sabia que Tancredo estava morrendo por conta do erro que
cometera. Ainda teria salvação se algo fosse feito, mas isso significaria
admitir que o grande catedrático errou. Talvez Pinotti tenha pensado que isso
seria muito pior do que deixar um paciente definhar, mas não há como se saber
ao certo. O que se sabe é que nada foi feito. Ou melhor, Pinotti
deliberadamente preparou uma foto no melhor estilo soviético para parecer que o
paciente estava bem. À direita de Tancredo, sua esposa o abraçava; à esquerda
dele, um sorridente Henrique Walter Pinotti, gastroenterologista responsável
pela equipe médica que os ladeava, parecia apoiar seu braço atrás de Tancredo
Neves. Na verdade, Tancredo estava ligado a muitos equipamentos industriais na
hora da foto. Mais do que isso: o próprio Pinotti segurava atrás de Tancredo
uma bolsa de sangue oculta que estava mantendo vivo o sedado paciente, conforme
relatado por Luis Mir em “O Paciente – o caso Tancredo Neves”. Tancredo Neves
foi erroneamente diagnosticado por Pinotti e sua equipe como tendo uma
apendicite. Ao abrir o paciente, Pinotti e sua equipe notaram que ele tinha um
tumor e resolveram operar na hora, embora não fosse necessário para um paciente
da idade dele. E, pior, erraram na sutura (algo que, se algum aluno dos
multidiplomados médicos fizesse, seria motivo de reprovação sumária) a ponto de
fazer Tancredo literalmente sangrar até a morte – ou melhor, até o sistema
imunológico dele enfraquecer-se a ponto de sucessivas moléstias oportunistas
levarem ao óbito por falência múltipla de órgãos. Em suma, não haveria como o
resultado ser outro exceto a morte do paciente: Pinotti errou no diagnóstico e
errou na solução. E, pior, para não admitir seus erros, adotando comportamentos
irresponsáveis. Nesse ponto, Henrique Walter Pinotti e Dilma Rousseff se
igualam, em que pese terem trajetórias tão díspares. Ambos erraram no
diagnóstico. Ambos erraram na solução para o diagnóstico errado. E ambos não admitiram
seus erros, adotando comportamentos irresponsáveis. A plausibilidade de Dilma
Pinotti está, portanto, justificada pelo lado Henrique Walter Pinotti. Falta,
no entanto, justificar pelo lado Dilma Rousseff.
A economia de um país é
frequentemente comparada ao corpo de uma pessoa. De fato, há regras de ouro que
se aplicam a ambos. Se uma pessoa adotar um comportamento de risco (tabagismo,
obesidade, alcoolismo etc.), mais cedo ou mais tarde sua saúde vai sofrer os
efeitos deletérios. Para algumas pessoas, a conta demora mais a chegar por
diversos fatores, como predisposição genética – mas, invariavelmente, mais cedo
ou mais tarde, ela chega. Algum gatilho fará com que o organismo desequilibrado
entre em colapso. O mesmo vale para a economia. Se um governo começa a adotar
comportamentos inadequados, a economia não vai sofrer no dia seguinte. Pode
demorar um, dois, cinco e até mais anos, mas, em algum momento, a economia
desequilibrada não mais aguentará os abusos e entrará em colapso. E, assim como
para as pessoas, o período de recuperação dependerá diretamente da extensão dos
danos. Nesse ponto, podemos dizer que Dilma Rousseff fez o pior possível. A
malfadada Nova Matriz Macroeconômica, termo que vem imediatamente à cabeça
quando se pensa nos descalabros econômicos de Dilma Rousseff, é como o
diagnóstico errado de apendicite que Tancredo Neves recebeu de Henrique Walter
Pinotti. Um desastre, sem dúvidas – mas não um desastre irreversível. A sutura
errada que deu origem à hemorragia interna insolúvel de Dilma Rousseff foi a
gestão econômica a partir de 2013, não por acaso após os massivos protestos.
Falamos, claro, das infames “pedaladas fiscais” que permitiram que foram
sangrando paulatinamente a economia nacional, tanto no aspecto factual da
deterioração fiscal quanto no componente psicológico da perda de credibilidade.
O resultado era mais do que esperado: chegaria uma hora em que não seria mais
possível sustentar tal descalabro. Dilma Rousseff sabia disso, assim como
Henrique Walter Pinotti sabia que havia condenado Tancredo Neves quando
comandou a desastrada sutura. Mas Dilma Rousseff e Henrique Walter Pinotti
compartilham um traço nefasto de personalidade: fazem parte de um tipo de
pessoas que se consideram superiores, à beira da infalibilidade. São pessoas
que não admitem seus erros em hipótese alguma – e ainda atacam quem quer que os
aponte. Como se não bastasse ser tratado como “doutor”, o catedrático Pinotti
exigia que o termo antecedente do seu nome fosse sempre “professor-doutor”.
Evidentemente, as semelhanças com alguém que se recusa a utilizar “senhora
presidente” e aceita apenas “senhora presidenta” saltam à vista. Mas o
argumento central que justifica Dilma Pinotti pelo lado Dilma Rousseff não é
esse. O argumento central é que Dilma Rousseff fez sua versão da foto de 25 de
março de 1985: sua campanha à reeleição em 2014 foi uma mentira capaz de fazer
inveja a Henrique Walter Pinotti. Como o médico, a presidente sabia que havia
feito sangrar quem deveria proteger, mas não se abalou: ela escondeu os tudo
(fios, cabos, tubos, canos etc.) para apresentar ao Brasil um retrato tão
farsesco da economia nacional quanto aquele que Henrique Walter Pinotti
comandou em 1985. Deu certo e ela venceu a reeleição. Porém, a inconsequente e
egoísta postergação da ação necessária deixou vítimas, tanto no caso de
Tancredo Neves quanto no caso do Brasil. Após uma recessão recorde de 4% do PIB
em 2015, o FMI já trabalha com número semelhante para este ano, o que, caso
seja confirmado, faria com que fosse o pior período da economia nacional desde
sempre. Pior: as previsões de uma recuperação em 2017 já estão sendo
abandonadas. Agora, o horizonte de começo de recuperação é 2018. Já ficou claro
que a sombra dos erros de Dilma Rousseff no primeiro mandato simplesmente vai cobrir
todo o seu segundo mandato (isso, supondo que ela sobreviva aos processos de
cassação de seu mandato em curso em dois dos três poderes republicanos) e ela
não cogitou admitir qualquer tipo de participação no desastre que ela criou.
Exatamente como Henrique Walter Pinotti, Dilma Rousseff errou no diagnóstico,
errou na solução e, não satisfeita, escondeu seus erros. Isso evidencia o quão
semelhante a Henrique Walter Pinotti ela é. Portanto, Dilma Pinotti é factível. Quod Erat Demonstrandum.
Pedro Nascimento Araujo
é economista.
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