A
esfinge Temer
O governo de Dilma Rousseff está
no final. A julgar pelo calendário do Senado Federal, Dilma Rousseff acaba de
iniciar sua penúltima semana como presidente da República Federativa do Brasil.
Já vai tarde, muito tarde – ao menos para a gigantesca maioria dos brasileiros,
de acordo com todas as pesquisas de opinião. Dilma Rousseff é um superlativo
negativo ambulante. A dona da pior popularidade da história, superando mesmo
Collor de Mello, é responsável pela da pior recessão da história. É dela o
maior desemprego da história. Ela é a presidente que gerou a maior dívida da
história. No governo dela, a inflação foi substantivamente acima da meta.
Aliás, eis o gabarito da economia no governo Dilma Rousseff: ela conseguiu a
nada invejável proeza de recessão, inflação, dívida pública, déficit fiscal e
desemprego recordes. Todos. Simultaneamente. Dizer que é o pior governo da
história soa como gentileza diante de tamanho rol de incompetência. Em termos
econômicos, não houve (e oxalá jamais haverá!) um governo tão deletério quanto
o de Dilma Rousseff. E, todavia, a mera certeza de sua saída não garante que o
governo de Michel Temer será um sucesso. Suas tarefas são hercúleas. Temer
precisa escolher entre ser popular no curto prazo ou no longo prazo. Ou seja,
Temer precisa escolher entre ser popular por reviver o populismo
nacional-desenvolvimentista dos governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff ou
ser impopular por fazer a reforma do estado e entrar para a história. Assim
como com uma esfinge, não se sabe para qual lado Michel Temer tenderá – embora
os indícios apontem para uma nova reforma do estado.
Michel Temer herdou a presidência
e, com ela, um cipoal de problemas. Mas, a julgar pelo que ele vem
demonstrando, podemos ter esperança. Temer sinaliza com reformas essenciais que
há muito vêm sendo adiadas por medo de perda de popularidade. O medo tem razão
de ser. São medidas impopulares no curto prazo. Tipicamente, são medidas
adotadas por governantes em segundo mandato, quando não há mais possibilidade
de disputar reeleição. Foi assim com Fernando Henrique Cardoso, que venceu duas
eleições em primeiro turno. Cardoso fez sua fama com o Plano Real, que
capitaneou no governo de Itamar Franco. Governou os primeiros quatro anos na
esteira da mais fenomenal redistribuição de renda que o Brasil já viu: o fim do
imposto inflacionário. Seu primeiro mandato foi basicamente dedicado à
consolidação do fim da inflação, em um ambiente de lua de mel com a população –
a ponto de ter sido reeleito com folga no primeiro turno. Gastou muito de seu
capital político para aprovar duas medidas que enfrentaram enorme rejeição por
parte do PT – a quebra do monopólio da Petrobras e a instituição da reeleição,
ambas em 1997. O plano de Cardoso era claro: reeleger-se para fazer a reforma
do estado, ainda que isso lhe custasse todo o capital político. E foi o que
ocorreu. Seu sucessor não foi eleito, mas ele entrou para a história como o
homem que fez a reforma do estado. Lei de Responsabilidade Fiscal,
reestruturação da dívida pública, privatizações, dentre outros, conseguiram
elevar a estatura histórica de seu segundo governo a ponto de fazer sombra ao
seu primeiro mandato.
Talvez o mais interessante de
todos os atos do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso tenha sido a
mitigação do poder algo ditatorial que presidentes brasileiros têm para
legislar: ao limitar a edição, o escopo e a validade das Medidas Provisórias,
Cardoso fez algo raríssimo. Contam-se nos dedos de uma mão os presidentes no
mundo que reduzem seus próprios poderes – e, quando o fazem, geralmente são
ditadores de saída restringindo os poderes ditatoriais de seus sucessores. Em
suma, Fernando Henrique Cardoso usou seu capital político para melhorar o
Brasil. O país esperava que Lula da Silva fizesse o mesmo em seu segundo
mandato, mas o que se viu foi o oposto. Após ter sido quase apeado do poder por
conta do Mensalão, Lula da Silva se reelegeu e recorreu ao populismo, que
atingiu o paroxismo com Dilma Rousseff – e se esgotou em 2013, mas foi mantido
escondido às custas de muita maquiagem ilegal das contas públicas para garantir
a reeleição em 2014. Suprema ironia do destino: as maquiagens ilegais das
contas públicas foram essenciais na reeleição e no impeachment de Dilma
Rousseff. De qualquer modo, Michel Temer tem pela frente a missão de combater
os gastos descontrolados, a hipertrofia do estado, a estatização – enfim, o
populismo nacional-desenvolvimentista que Lula da Silva e Dilma Rousseff
praticam há uma década e que levou à maior recessão da história nacional.
O populismo
nacional-desenvolvimentista somente poderá ser derrotado agora porque o PT está
na lona, aguardando a contagem terminar e sem capacidade de mobilização. Pior
do que isso, o PT está sem discurso. Isolada, Dilma Rousseff é um fantasma
insepulto. Já escrevemos aqui que ela deveria tomar cuidado com o que deseja,
pois pode acontecer. Ao se reeleger, ela já sabia que havia feito “o diabo para
vencer”, nas suas próprias palavras. Ela já sabia que tinha uma bomba acesa com
o mecanismo de retardo de detonação ativado. Era mera questão de tempo para que
explodisse. E explodiu literalmente no dia seguinte à sua magra vitória em
segundo turno. Naquele momento, ela poderia ter feito o que Fernando Henrique
Cardoso fez e Lula da Silva não fez: oferecer-se em oblação para o Congresso
Nacional aprovar medidas impopulares. A popularidade dela iria ao chão, mas ela
entraria para a história pela porta da frente. Dilma Rousseff poderia ter sido
a presidente que colocou na letra da lei a independência da autoridade
monetária. Poderia ter sido a que privatizou Petrobras, Banco do Brasil e
outros tabus. Poderia ter sido a que reverteu a tendência de alta insustentável
de custos na previdência. Poderia ter sido a que governou com base em ideias,
não em sinecuras e mercês – quando não moeda sonante. Enfim, poderia ter sido
tudo isso e muito mais. Sairia com a popularidade no chão em vida e seria
paulatinamente recuperada por historiadores como a mulher que levou o Brasil ao
Século XXI. Ao invés disso, ela preferiu aumentar o estrangulamento sobre o
Banco Central do Brasil, criou mais estatais e vampirizou as já existentes, viu
impávida o déficit crescente fazer aumentar a dívida pública a valores
perigosos, ignorou a necessidade de se reformar a previdência etc. Governou
para si, não para a história e o país. Pateticamente, ficou sem popularidade
como talvez tivesse ficado caso promovesse as reformas estruturais que
garantiriam seu lugar na história. Ou seja, Dilma Rousseff conseguiu a nada
invejável proeza de ser impopular para sempre, no presente e no futuro. Isso é
para poucos, muito poucos: Floriano Peixoto, Jânio Quadros e Collor de Mello.
E, agora, Dilma Rousseff. Que a esfinge Temer olhe para o lado certo, para não
se juntar a esse grupo.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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