É um daqueles raros momentos em
que se pode ver um líder mundial ascender ao estrelato. Emmanuel Macron é o que
há de novo na política internacional – e ele parece gostar disso um pouco
demais, diga-se. Sem ser esperado, vem sendo bem recebido mais por seu
magnetismo do que suas ações, até mesmo porque assumiu a França há pouco. Mas
as ideias que traz consigo são uma nova leitura do liberalismo e da
globalização, do respeito aos regimes internacionais e da inserção da França
(singular e improvável caso de potência decadente há dois séculos que ainda
consegue manter relevância internacional) no mundo. Evidentemente, Macron ganha
ainda mais relevância em um mundo em eterna rusga com Donald Trump, que
simplesmente não consegue levar para a Casa Branca seu carisma de apresentador
de reality shows e parece atravessar a rua apenas para poder
escorregar em uma casca de banana com o nome dele colocada na calçada oposta.
Com Macron no Élysée, Angela Merkel não está mais sozinha e a Europa e o mundo
podem pensar em uma nova fase de cooperação e de progresso nos regimes
internacionais, desde que Emmanuel Macron confirme o que se espera dele. Por
ele ser a novidade, estará na berlinda por um tempo ainda.
Regimes internacionais são, na
clássica definição de Stephen Krasner cunhada em 1983, um conjunto de normas,
práticas e processos decisórios que norteiam a comunidade de países acerca de
algum tema. Há diversos regimes internacionais reconhecidos pela maioria dos
estudiosos de relações internacionais, como os regimes de direitos humanos,
não-proliferação de armas nucleares, combate ao narcotráfico, combate ao
terrorismo etc. No seio de cada um deles, há uma crescente concertação entre as
principais nações do mundo para aprimorá-los e aprofundá-los com base na ideia
de que são valores que transcendem as fronteiras nacionais e para os quais,
portanto, o soberanismo de outrora é simplesmente obsoleto. Trata-se de uma
inserção internacional tipicamente liberal, inspirada nos preceitos de Immanuel
Kant (“A paz perpétua”) acerca da paz internacional ser obtida por meio da
construção de confiança entre as nações. A cooperação internacional, portanto,
está na base dos regimes internacionais – e, dente estes, o principal (por sua
essência de ignorar fronteiras internacionais por definição) é o regime de
proteção ambiental. Pois foi exatamente nessa seara que Macron acabou de se
destacar de uma forma que coloca a cada vez mais irrelevante França na
vanguarda mundial: Macron (ou, antes, Nicolas Hulot, seu ministro de
meio-ambiente) anunciou que a França vai proibir a comercialização de
hidrocarbonetos combustíveis (gasolina, óleo diesel, carvão mineral, gás
natural e gás de folhelho) a partir de 2040 com o intuito de simplesmente
tornar a França neutra em emissão de carbono até 2050. Emmanuel Macron deu o
tiro de largada para uma corrida que promete movimentar e mudar o mundo no
espaço de uma geração.
Na véspera do pronunciamento de
Nicolas Hulot, a montadora sueca Volvo havia anunciado que, em dois anos,
produzirá apenas híbridos e elétricos. Talvez seja realmente o início do fim do
motor a combustão. O ar das principais cidades da França e do mundo agradece:
Paris tem particularmente sofrido com poluição atmosférica nos últimos anos,
notadamente por conta de motores automotivos a óleo diesel. Em momentos como
esse, a experiência da maior megalópole do mundo (a região metropolitana de
Tokyo tem espantosos 38 milhões de pessoas, população equivalente aos 40
milhões de toda a Argentina) de banir o uso de óleo diesel em suas ruas há
alguns anos foi decisiva: o Monte Fuji literalmente voltou a poder ser visto
pelos habitantes da Capital ao Leste. É bem verdade que a Noruega já havia
anunciado que proibirá a comercialização de veículos apenas a combustão interna
em 2025, mas é a primeira vez que um país com população grande (66 milhões de
pessoas) e indústria automobilística de alcance mundial (Renault, Peugeot e
Citröen são marcas francesas) adota isso – a pequena (e dependente da produção
de petróleo) Noruega tem apenas cinco milhões de habitantes, menos gente do que
o município do Rio de Janeiro. Na França, a coisa muda de figura. E isso diz
muito sobre Macron.
Emmanuel Macron sabe que foi
eleito em um golpe de sorte que dificilmente se repetirá. A fadiga de material
na relação dos políticos com os eleitores chegou ao zênite na França no ano
passado. Macron soube surfar nessa onda e, muito em parte de ter sido o único
candidato viável que não tinha viés radical, acabou eleito pela chamada maioria
silenciosa mais como um voto contra a Frene Nacional de Marine Le Pen do
que como um voto para ele. É para essa maioria que Macron acena em um movimento
como esse: coloca a França na voga de um regime internacional por um lado e,
sob o pretexto de que precisa ajudar os franceses a implementar seu plano,
direcionará subsídios para que a indústria automobilística francesa lidere em
carros sem emissão de carbono. Os franceses mais de esquerda gostam que o
governo tome uma posição clara no sentido de reduzir o rastro de carbono na
França; por outro lado, para os nacionalistas o reconhecimento por outros
países da liderança da França no regime de meio-ambiente soa como um doce
tilintar de moedas para o avarento. E, por fim, para os setores produtivos,
significa a possibilidade de desenvolver tecnologia, aumentar produção e
empregos e, principalmente, assegurar um pouco de certeza futura em momentos
nos quais tal ativo anda em falta crônica na França. Macron foi muito hábil.
Aliás, a forma como ele vem-se
apresentando internacionalmente é uma aula de relações públicas. Emmanuel
Macron peitou Donald Trump em uma ridícula disputa de aperto de mãos e
jactou-se disso para a imprensa, dizendo que tudo era simbólico naquele momento
e que ele (e, por extensão, a França) não seria submisso jamais. Em um timing
perfeito e com um inglês levemente sofrível, Macron aproveitou-se do momento em
que Trump cumpriu a promessa de retirar os Estados Unidos da América do Acordo
de Paris, formalizado na Vigésima-Primeira Conferência das Partes (COP XXI) da
Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas de 1992 e, do púlpito presidencial,
sutilmente desancou o colega americano e expeditamente convidou cientistas e
empreendedores americanos a irem para a França, aonde (segundo ele) o respeito
ao meio-ambiente é prioridade e os cérebros estrangeiros são bem recebidos – o
vídeo do discurso, que começa com um imbatível “Make our planet green again”, é
facilmente encontrável online. Naquele dia, Macron simplesmente fez a decisão
de Trump perder espaço no noticiário e ficou com a parte do leão dos principais
jornais do mundo e começou a ser levado a sério, não mais sendo visto como uma
mera excentricidade francesa. Além disso, seu plano de governo é deveras
reformista e, se implementado a contento, poderá finalmente devolver
competitividade à combalidíssima economia da França. Entusiasta da União
Europeia e advogado de um aprofundamento da integração, Macron já chamou a
atenção do mundo e tem sido ovacionado aonde passa. É a novidade, e ver uma
novidade na política internacional é sempre interessante. Especialmente uma
novidade na forma de um político que parece ser sinceramente interessado em
fazer a inserção internacional de seu país por meio dos grandes regimes
internacionais, como Emmanuel Macron tem feito. O resultado, ao menos no regime
internacional do meio-ambiente, tem sido excelente. Vamos acompanhar o
desenvolvimento de seu governo torcendo para que tudo não tenha sido apenas uma
bem-urdida jogada de construção de imagem ou um golpe de relações públicas.
Aguardemos para ver como ele se sairá tanto nas altamente necessárias reformas
na França quanto nos regimes internacionais. A novidade está na berlinda.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
nascimentoaraujo@hotmail.com
Comentários
Postar um comentário