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O Cocar de Xi Jinping. Por Pedro Nascimento Araujo


Nesta semana, o mundo assistiu a um espetáculo de apoteótica bajulação a Xi Jinping durante o Congresso do Partido Comunista da China. Diante de mais de dois mil delegados, que faziam o papel de figurantes, ele formalizou sua confirmação como o secretário-geral do PCC – na prática, presidente da China. O Congresso do PCC é um show de coreografia: todos vestidos de maneira semelhante, aplausos demorados, decoração de fazer inveja a Hitler e Stalin. E ainda é o local de uma perversa ironia, uma vez que é ali que ocorre a única eleição da China: Xi Jinping foi eleito para mais um lustro à frente do Politburo chinês – por unanimidade, como sói ser a uma ditadura, um resultado só igualado por Saddam Hussein. Enfim, a grandiosidade do evento é incontestável: é milimetricamente calculada e impressiona; na verdade, impressiona até demais. A intenção deliberada de aparentar poder incomoda. A China quer demais mostrar-se potência mundial e Xi Jinping quer demais mostrar-se líder inconteste da China. E esse é o problema: líderes mundiais são líderes mundiais porque são líderes mundiais. Não precisam vociferar isso aos quatro ventos – literalmente, todo o mundo sabe quem são e ponto final. Seria apenas um algo ridículo sintoma de insegurança juvenil essa obsessão dual da China e de Xi Jinping em ter suas lideranças reconhecidas por seus supostos liderados, mas também pode ser algo que, no futuro, entendamos como tendo sido um sintoma claro de uma decadência em curso de ambos que passou despercebido pelos mais renomados analistas políticos do mundo. De fato, o Congresso de 2017 do Partido Comunista da China pode ter marcado o início do fim do controle totalitário do PCC sobre a China. Como se diria no Brasil: quanto mais fome a tribo passa, maior o cocar do cacique. E o cocar que Xi Jinping exibiu no Congresso do PCC seria digno de receber nota máxima no quesito Alegorias & Adereços do Carnaval do Rio de Janeiro.

A exibição de unidade e de projeção de poder que a China orquestrou disfarça, mas não esconde, as fragilidades intrínsecas do país e da ditadura que comanda o destino de uma população bilionária com mão de ferro há quase seis décadas. A situação da China é tão frágil estruturalmente que o mais espantoso é que parcela da intelligentsia ocidental compra com entusiasmo o discurso oficial chinês de inquebrantável solidez. O discurso de projeção de poder, simbolizado pela Nova Rota da Seda (mal comparando: uma espécie de versão chinesa do programa apodado Guerra nas Estrelas de Ronald Reagan – um programa tão colossal que é simplesmente inviável mesmo hoje, três décadas de avanços tecnológicos depois), calou fundo nos medos primais das democracias ocidentais: uma China cada vez mais poderosa imporia seu modelo de ditadura planificada ao mundo diante de um Ocidente cada vez mais decadente. O vistoso cocar de Xi Jinping funciona.

Os problemas e desafios chineses no campo econômico são gigantescos. Há uma inegável necessidade de se fazer uma um esvaziamento das três bolhas que mantém a economia chinesa funcionando, antes que um estouro leve a China a repetir a saga japonesa desde os anos 1990: imóveis, ações e créditos. Uma retroalimenta a outra, diga-se. A origem da bolha chinesa é uma alavancagem sem precedentes. Das vésperas do 15-Nov-2007, quando a Grande Recessão foi oficialmente inaugurada pela falência do Lehman Brothers exatamente pelo estouro de uma bolha imobiliária (a chamada Crise das Subprimes), o crédito chinês dobrou. Sim, o dobro de crédito em menos de 10 anos. Mais do que isso: a dívida interna da China cresceu em 25 trilhões de dólares desde 2007. Se 25 trilhões de dólares a mais em dívida pública é um número assustador per se (a título de comparação: o PIB dos Estados Unidos é de quase 20 trilhões de dólares), mais assustador é pensar em termos relativos: o PIB da China é menos da metade desse valor (pouco menos de 12 trilhões de dólares). Xi Jinping sabe que terá de fazer um ajuste seriíssimo na relação dívida/PIB da economia chinesa antes que o mercado o faça e literalmente quebre o país. Ele também sabe que a beleza de seu cocar impressiona tanto aos seus comandados quanto aos caciques das outras tribos e que o medo será crucial para que consiga impor medidas impopulares. Esse é um problema inerente a ditaduras: elas simplesmente não possuem legitimidade para pedir sacrifícios ao povo.

Em ditadura, por definição quem comanda nada mais é do que um usurpador da soberania popular, por mais popular que possa ser. Tipicamente, ditaduras sustentam-se com base em um frágil arranjo de cinismo: enquanto a economia cresce, muitas pessoas fazem vista grossa; contudo, quando a economia entra em crise, os mesmos apoiadores incondicionais de antanho convertem-se em críticos de primeira hora – eis o cinismo levado ao paroxismo. Foi assim aqui (por exemplo, muitos dos autoproclamados campeões da democracia apoiaram o Regime Militar durante seu início, como OAB e ABI), é assim em qualquer lugar: enquanto a ditadura dá à sociedade dinheiro em troca de silêncio, a legitimidade não é contestada; quando o dinheiro acaba, acaba o frágil arranjo de cinismo e a ditadura ou endurece para valer (a China, durante o reinado das péssimas ideias econômicas de Mao Zedong, não fez outra coisa) ou começa a acabar (como no caso de Pinochet, no Chile). Xi Jinping se mostra forte, portanto, porque tem medo das reações quando, na melhor das hipóteses, tiver de levar a China a uma recessão para evitar uma depressão quando alguma das bolhas estourar. Pode ser a da dívida interna, mas pode ser também a imobiliária: segundo a Reuters, há algo em torno de 15 milhões de propriedades em excesso construídas na China. Provisão para o futuro? Decididamente não, em um país que anda envelhecendo rapidamente e hoje está mais preocupado com a perda de população do que com a superpopulação. Como uma bolha alimenta a outra, há um caso muito próximo àquele que afetou os Estados Unidos há quase uma década: toda essa quantidade colossal de imóveis está registrada nos bancos chineses como ativos com valor de mercado irreal; afinal, se os bancos precisarem transformar esses imóveis excedentes em dinheiro, o preço real será muito inferior àquele que consta no livro-razão correspondente. Em suma, uma senhora bolha imobiliária que pode estourar a qualquer momento e, com ela, levar o setor bancário de roldão e, assim, forçar a um default da dívida interna quando Beijing tentar se endividar ainda mais para socorrer o setor bancário. E um país com bancos quebrados, ativos em queda livre e sem capacidade de endividamento não tem como financiar sua produção com créditos estatais que são cobertos por superávits internacionais gigantescos. Uma crise alimenta a outra. A China, que tanto quis seguir o modelo do Japão, está perigosamente perto demais de seguir o Japão rumo à estagnação constante, com o agravante de que ainda não é um país desenvolvido – e de que sua economia é mais soviética do que japonesa.

As bolhas que a China enfrenta não constituem ineditismo, nem na China e nem em outros países. Por exemplo, aqui no Brasil, estamos saindo da maior recessão de nossa história, causada por uma bolha de crédito e de dívida pública decorrente da infame Nova Matriz Macroeconômica de Dilma Rousseff. Nos Estados Unidos, uma bolha imobiliária está na raiz da Grande Recessão, que nada mais foi do que um brutal ajuste que o mercado impôs a ativos supervalorizados, exatamente como na China – a favor dos americanos, diga-se que eram imóveis supervalorizados, não imóveis excedentes; no caso dos chineses, há simplesmente excesso de oferta de imóveis no mercado, o que deve tornar o ajuste ainda mais pesado. Na China, a combinação da bolha imobiliária com o excessivo endividamento interno e o esgotamento do modelo de crescimento baseado na superexploração de pessoas e de recursos naturais, financiado por uma bolha de crédito, forma uma incômoda necessidade de ação imediata para impedir que a sensação de desastre iminente deixe de ser apenas uma sensação. O risco para a China é maior porque sua economia ainda mantém fortes traços soviéticos: altamente estatizada e com controle de produção delegado a caciques locais do PCC, a eficiência é baixa demais. Evidentemente, há ilhas de excelência no país, notavelmente nas áreas mais dinâmicas e integradas às cadeias globais de valor, mas a existência de um modelo de metas de produção nos moldes soviéticos é um convite à ineficiência e à falsificação de dados, exatamente como acontecia na extinta União Soviética. No caso de um estouro de bolha, o grande temor é que a economia chinesa passe por um processo de ajuste tão forte que a lance não em uma estagnação nos moldes japoneses, mas em uma recessão forte o suficiente para apear o PCC do poder. É contra esse pano de fundo potencialmente turbulento que Xi Jinping exibe seu vistoso cocar, evidenciado pela inclusão de seu “pensamento” nas diretrizes do país e pela ausência de indicação de um sucessor no Politburo, o mais claro indicativo de concentração de poder visto no país desde 1949. Para manter o seu controle sobre o PCC e o controle do PCC sobre a China, Xi Jinping vai tentar desinflar as bolhas e, com isso, fugir da inevitável débacle decorrente do estouro das bolhas. Caso consiga evitar o desastre, ainda terá de enfrentar os sérios descontentamentos decorrentes da deterioração econômica, que certamente levarão a questionamentos sérios acerca da ditadura do PCC. Por não terem a legitimidade do mandato popular para enfrentar crises, Xi Jinping e o Partido Comunista Chinês precisarão, mais do que nunca, de unidade e de concentração de poder para sobreviver. Daí o tamanho do cocar que o cacique exibiu.

Pedro Nascimento Araujo é economista.
nascimentoaraujo@hotmail.com

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