Por Pedro Nascimento Araújo.
De tempos em tempos, testemunhamos inflexões na política mundial. Talvez estejamos vivenciando um desses momentos, cujo ponto inicial pode ter sido o giro do presidente Obama a países da Ásia-Pacífico nessa semana. Curiosamente, ainda é concomitantemente cedo e já pode ser tarde para afirmar que estamos diante de uma nova doutrina na política externa americana - a Doutrina Obama. Ainda é cedo porque as ações tomadas pelo presidente Obama são recentes e podem não virar o que convencionou-se chamar doutrina: ações de política externa consistentes, recorrentes e coordenadas, às vezes atravessando mandatos de políticos concorrentes, como a Doutrina Monroe, que rejeitava qualquer interferência europeia no continente americano. E, paradoxalmente, pode ser tarde, uma vez que o presidente Obama enfrentará eleições em menos de um ano. Ressalvas feitas, é hora de olhar mais de perto o que Obama fez na Ásia-Pacífico.
Durante uma semana, Obama iniciou, reatou e reafirmou laços na região Ásia-Pacífico. O objetivo maior, aquele que não ousa dizer seu nome, é conter o nada sutil avanço chinês na região. E os Estados Unidos exibiram seus dentes: anunciaram uma nova base na Austrália, inauguraram uma relação com Mianmar (tradicional aliado chinês), reafirmaram seus laços com as Filipinas e iniciaram negociações para um bloco de livre comércio regional que excluiria exatamente a China. A busca por abordagens multilaterais na região não é gratuita e tem a ver com o que o país fez nos últimos anos.
Durante a gestão George W. Bush, os Estados Unidos voltaram-se para o Oriente Médio. Reflexo direto dos atentados de 2001, isso implicou em espaço livre para a China na Ásia-Pacífico. E a China, ditadura em fase de potência ascendente, exerce seu poder sem os freios que hodiernamente aplicam-se sobre as potências democráticas. De fato, a China age como a nêmese anterior dos americanos agia: movida apenas por seus interesses. Assim como ocorria na época da União Soviética, os comandantes chineses não consideram em suas ações valores caros aos ocidentais como o direito à autodeterminação dos povos ou a promoção dos direitos humanos: se há interesse, a China atropela. É assim que a China age e, assim como ocorreu quando a União Soviética dava as cartas em metade do mundo, as democracias não sabem como lidar com um país poderoso posando de valentão. Enquanto isso, os países da região ficam preocupados: dos 18 países que compareceram à Cúpula da Ásia Oriental na última semana, a primeira na qual os Estados Unidos compareceram e da qual fazem parte países importantes como Rússia, Índia e Japão, apenas 2 não falaram sobre segurança marítima em seus discursos: Camboja e Mianmar. A razão de inquietação é a China.
A China vem pressionado fortemente pela posse de áreas em litígio na porção sul do Mar da China com vários países da região. A razão do interesse é uma possível megarreserva de petróleo. Porém, a China vem agindo como se ainda estivesse no século retrasado, fazendo ameaças veladas de bloquear o comércio marítimo na região, uma das rotas mais importantes do mundo. A mudança de foco americana, se confirmada, será muito importante para as próximas décadas. Com o Iraque pacificado e tropas saindo e o Afeganistão estável com perspectiva de manutenção de tropas de apoio a pedido do governo afegão, Obama, ao falar que "os Estados Unidos são uma nação do Pacífico" e defender não-proliferação nuclear, resolução pacífica de controvérsias nos fóruns internacionais e liberdade de navegação na região, ao mesmo tempo que reafirma compromissos de defesa com inúmeros países e aumenta a presença militar americana na região, sem esquecer de propor a integração regional através de uma área de livre comércio, lança as bases daquilo que pode vir a ser a Doutrina Obama: contenção do expansionismo chinês, politica, economica e militarmente.
Beijing torce o nariz, mas se a maior potência do mundo está mesmo virando seus olhos para a região, não há outra opção senão reduzir o ímpeto. O que será bom para todos, especialmente os países menos poderosos que estavam sendo atropelados pelo Império do Meio.
Pedro Nascimento Araujo é economista.
Pedro Nascimento Araujo é economista.
Comentários
Postar um comentário