Por Pedro Nascimento Araujo
Carolina é o nome que uso para
referir-me à República do Brasil (se a República Francesa é representada pelo
busto da Marianne, não vejo mal em chamar Carolina o busto da nossa que, de resto,
não foi nomeada oficialmente até hoje), cuja inspiração direta é a canção
homônima de Chico Buarque: a semelhança com a protagonista que não vê o mundo
passar na janela é 100% intencional. Pois bem: Carolina admira a Petrobras de
sua janela: enquanto o Brasil consegue a proeza de reduzir a produção nacional
de petróleo depois da descoberta de óleo na camada pré-sal, afastando-nos cada
vez mais da autossuficiência, a nação economicamente mais importante do planeta
dá outro passo na retomada de sua autossuficiência, desta vez com a ajuda das
areias betuminosas de seu vizinho do Norte. O que está acontecendo com o setor
energético nos Estados Unidos é uma revolução.
Uma parte da revolução energética
americana é o conhecido fracking, traduzido por alguns jornalistas como
fraturamento, um neologismo – na verdade, trata-se de fissurar rochas para
permitir que o hidrocarboneto aprisionado em seu interior seja expulso por
diferença de gradiente de pressão. O fracking é um exemplo do que o dinamismo
do capitalismo americano tem de melhor: aos empreendedores, liberdade,
inventividade e recompensas e ao governo, fiscalização e regulação. As
primeiras experiências comerciais com o fracking mal completaram uma década (a
primeira exploração comercial foi em 1998) e as projeções mais otimistas são de
autossuficiência americana em mais uma década. Como que para aumentar a
garantia, há a expansão do Oleoduto Keystone, que vai levar meio milhão de
barris por dia de óleo das areias betuminosas de Alberta do Canadá para as
refinarias do Golfo do México. À parte questões de segurança ambiental que
ainda cercam, mas com cada vez menos relevância, o fracking e as areias
betuminosas, a notícia de que os EUA poderão, em pouco tempo, não precisar de
petróleo do Oriente Médio ou da Venezuela, abastecendo-se apenas com suas
reservas ou importando apenas do Canadá, muda a geopolítica mundial.
A Venezuela, por exemplo, exporta
em torno de 1 milhão de barris por dia para os americanos. Em que pese toda a
retórica de Hugo Chávez, em nenhum momento o caudilho passou a rasgar dinheiro
– ou seja, nunca deixou de atender seu cliente: esbravejava contra os EUA todo
dia e faturava 100 milhões de dólares dos EUA toda noite. Patético, mas ainda
assim inquietante para os americanos: e se, um dia, Chávez começasse a rasgar
dinheiro? No Oriente Médio, os americanos poderão, com a independência
energética, deixar de lado o pragmatismo e agir de acordo com seus melhores
valores de liberdade e de democracia. O outro lado da moeda é a grande ironia:
com os Estados Unidos autossuficientes em petróleo, quem precisará, cada vez
mais, do petróleo dos tiranos, religiosos ou laicos, é a potência emergente:
China. Uma ditadura nem um pouco envergonhada, a China já atua abertamente
defendendo facínoras na África e no Oriente Médio em troca de matérias primas –
basta nos lembrarmos dos vetos em defesa de Bashar Al-Assad no Conselho de
Segurança das Nações Unidas.
O mundo continua dependendo do
petróleo. Todas as esperanças que depositamos em fontes alternativas de energia
são, infelizmente, ainda muito esperança e pouca prática. Evidentemente, ainda
dependeremos de petróleo por muito tempo. A Agência Internacional de Energia
tem um dado escandaloso que quantifica bem o tamanho da encrenca energética
mundial: nas próximas duas décadas, a demanda energética mundial vai crescer
35% - e grande parte disso, por conta dos países emergentes, China à frente,
que são proporcionalmente mais poluentes que os países ricos por conta de
legislações menos avançadas e de fiscalizações mais frouxas, para não dizer
corruptas. Aqui no Brasil, o pré-sal, anunciado com a fanfarronice de sempre
pelo ex-presidente Lula da Silva como um “bilhete premiado”, ainda não se
converteu em nada. Os
males do setor petrolífero brasileiro são os mesmos males de todos os demais
setores produtivos do Brasil: muito governo onde não deve (na produção) e pouco
governo onde precisa (na regulação e na fiscalização). O mundo continua
passando na janela Carolina continua não vendo.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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